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O custo máximo de um salário mínimo

11 Abril, 2014
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Em Portugal, como é publico e notório, as discussões realizam-se quase sempre sem uma base sustentada. É curioso, por exemplo, ver como tem do salário mínimo regressou ao debate, com alguns governantes a apoiarem vivamente o seu aumento, sem que se pondere, por um momento que seja, as consequências de tal medida.

No livro recente que eu e a Helena Matos escrevemos – “Este país não é para jovens”, Esfera dos Livros – há uma passagem sobre o impacto do aumento do salário mínimo sobre o emprego, especialmente o emprego jovem, em que citamos estudos portugueses realizados por académicos qualificados e baseados numa análise sólida e sustentada da realidade empírica. Aqui fica um extracto dessa passagem (mas podem sempre comprar o livro, os autores agradecem):

Há um consenso muito alargado entre os economistas no sentido de considerarem que o salário mínimo tem um impacto negativo sobre o emprego, isto é, que gera desemprego. Um inquérito recente realizado à comunidade académica nos Estados Unidos revelou que essa é a opinião de três em cada quatro economistas. Não surpreende, porque praticamente toda a investigação realizada sobre a maté‐ ria apontou nesse sentido. Mas não surpreende sobretudo porque, sendo o trabalho uma mercadoria, está há muito estabelecido pela teoria económica que a procura diminui quando o preço aumenta. O estabelecimento de um salário mínimo e o aumento do seu mon‐ tante a um ritmo superior ao da inflação mais produtividade levam logicamente a que aumente o número dos trabalhadores dispostos a aceitar o salário mínimo (uma vez que venderão a sua mercadoria a um preço mais elevado), ao mesmo tempo que diminui o número de empresas dispostas a pagá‐lo (pois têm de pagar mais por um dos seus factores de produção).

Portugal não é excepção. Um estudo realizado em 2011 por Mário Centeno, Cláudia Duarte e Álvaro Novo, e publicado no Boletim do Banco de Portugal, permitiu analisar milhões de empregos regista‐ dos entre 2002 e 2010 na Segurança Social e concluir que, para os trabalhadores do salário mínimo, cada aumento de 5% no valor do que recebem faz diminuir em três pontos percentuais a probabilidade de conservarem o emprego. Os autores referem que estes dados são consistentes com cálculos realizados nos Estados Unidos e em França.

O mesmo estudo também detectou outro efeito perverso dos aumen‐ tos do salário mínimo: a diminuição dos salários dos restantes tra‐ balhadores. De acordo com os seus cálculos, um ponto percentual de aumento do salário mínimo tende a ter como consequência que, na próxima revisão salarial, os trabalhadores com salários abaixo da mediana vão ter aumentos 0,1 pontos percentuais abaixo do que esperariam. Mário Centeno, numa obra recente, nota que estes efeitos perversos prejudicam mais os jovens, «dada a sua baixa experiência no mercado de trabalho e a ainda elevada taxa de insucesso escolar». Ou seja, «o seu emprego cai mais e os seus salários são mais sensíveis ao salário mínimo».

No mesmo sentido aponta o relatório final do «Estudo sobre a Retribuição Mínima Mensal Garantida em Portugal», de Setembro de 2011, realizado pelo Centro de Economia e Finanças da Universidade do Porto e pelo NIPE – Núcleo de Investigação em Políticas Económi‐ cas da Universidade do Minho, a pedido do Ministério da Economia e do Emprego. Nele conclui‐se que o rápido aumento do salário mínimo depois de 2006 teve um impacto negativo no emprego – «a variação real da massa salarial (salários‐base) que decorreu dos aumentos do SMN posteriores a 2006 originou uma diminuição do emprego por conta de outrem entre 0,56 por cento e 0,85 por cento» – e que isso afectou sobretudo os trabalhadores mais jovens – «estima‐se que os jovens com idade inferior a 25 anos e, especialmente, os jovens entre os 16 e os 18 anos, sejam os mais penalizados pelo aumento do SMN, sofrendo perdas de emprego muito significativas, acima dos 5 por cento desde 2007». Nesse mesmo estudo também se concluía que os trabalhadores abrangidos pelos aumentos do salário mínimo passavam a estar mais expostos à hipótese de serem despedidos.

No mesmo ano, 2011, uma revisão da bibliografia existente sobre o efeito do salário mínimo sobre o emprego juvenil, realizada a pedido da Low Pay Commission do Reino Unido, analisou mais de sessenta estu‐ dos académicos realizados em 12 países diferentes, incluindo Portugal, e concluiu que o impacto negativo, no mercado de trabalho juvenil, da existência de um salário mínimo «tende mais a ser negativo nos países onde não existe um salário mínimo diferenciado (mais baixo) para os jovens». Ora, é precisamente isso que acontece em Portugal, onde todos os que têm mais de 18 anos beneficiam do mesmo salário mínimo. Antes, até 1 de Janeiro de 1987, o salário mínimo para os trabalhadores com 18 ou 19 anos era 75% do salário mínimo normal; a partir dessa data procedeu‐se à uniformização dos salários mínimos, o que na altura significou um aumento automático de 49,3% entre Dezembro de 1986 e Janeiro de 1987 (para os trabalhadores com menos de 18 anos a uniformização do salário mínimo só teve lugar em 1998; actualmente só se permite uma redução de 20%, por um período máximo de um ano, a praticantes e aprendizes).

Em 2003, Sónia Pereira tentou avaliar o impacto desta medida no emprego jovem e detectou uma menor procura de trabalhadores daquela faixa etária. Três anos depois, noutro estudo, Pedro Portugal e Ana Rute Cardoso verificaram que, após a subida do salário mínimo para jovens, a percentagem de jovens entre os novos contratados dimi‐ nuíra 4%. Estes dois autores também confirmaram outra realidade prevista pela teoria económica: a existência do salário mínimo diminui os incentivos ao investimento na formação dos trabalhadores por parte dos seus empregadores. Ou seja, o aparente benefício de curto prazo para quem consegue emprego – um salário mais elevado – tende a traduzir‐se num prejuízo de médio e longo prazo, pois os novos trabalhadores não beneficiam de formação e não conseguem evoluir nas suas profissões, como seria desejável tanto para eles como para as empresas.

12 comentários leave one →
  1. gastão's avatar
    gastão permalink
    11 Abril, 2014 10:36

    Já mandou o seu post à Merkel?

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  2. Alexandre Carvalho da Silveira's avatar
    Alexandre Carvalho da Silveira permalink
    11 Abril, 2014 12:09

    Lamento, mas desta vez “não vou a jogo”. Toda a vida fui PME, e sei por experiência própria, que empresa que não possa pagar aos seus funcionários pelo menos um salário minimo decente, não tem possibilidades de existir e vai fechar mais cedo ou mais tarde, digam os estudos sobre o assunto o que disserem.
    Históricamente em Portugal a maioria dos patrões sempre pensou que a sua riqueza dependia da pobreza de quem trabalhava para eles. Essa mentalidade tacanha nunca permitiu que este país se desenvolvesse em condições, e é uma das razões que explica porque é que há em percentagem da população, existem muito mais comunistas em Portugal do que nos outros países da Europa.
    Antes do 25 de Abril, aqui no Alentejo fartei-me de explicar isso a muito boa gente que não acreditava no que eu dizia. Só perceberam depois, quando a Reforma Agrária lhes entrou pela porta dentro.

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    • André's avatar
      André permalink
      11 Abril, 2014 12:17

      ” Toda a vida fui PME, e sei por experiência própria, que empresa que não possa pagar aos seus funcionários pelo menos um salário minimo decente, não tem possibilidades de existir e vai fechar mais cedo ou mais tarde, digam os estudos sobre o assunto o que disserem.”

      Revejo-me totalmente no que escreveu. Acrescento apenas que as empresas que pagam salários de miséria, embora acabem por soçobrar, durante um período de tempo funcionam como um eucalipto secando tudo à volta, outras empresas, trabalhadores e famílias.

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  3. André's avatar
    André permalink
    11 Abril, 2014 12:10

    Mas por outro lado, e essa discussão está a ser mantida nos EUA, o aumento do salário mínimo promove um conjunto de efeitos positivos. Existe um maior rendimento disponível, que inevitavelmente leva a um aumento do consumo e a uma melhoria das condições de vida. Nos EUA, por exemplo, o aumento do salário mínimo poderá significar uma diminuição das despesas com o medicaid, dado que existirá um maior investimento em cuidados de saúde a montante.

    Embora o emprego juvenil possa ser afectado, não é relevante. A maior parte dos trabalhadores juvenis, trabalham em part time não mantêm uma família e normalmente vivem em casa dos pais.

    Esta questão do salário mínimo é a prova que é absurdo pensar que o mercado ou a economia podem funcionar em autogestão. Como é que uma sociedade civilizada pode aceitar que um trabalhador não possa sair do limiar da pobreza com o seu salário?
    Como é óbvio os recursos são escassos mas são certamente suficientes para que todos que trabalham possam ter um salário digno, basta bom senso.

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  4. Eleutério Viegas's avatar
    Eleutério Viegas permalink
    11 Abril, 2014 12:26

    A economia é uma ciência positiva. O post do jmf também. Todos os comentários ao post são normativos e carregados de valores e crenças pessoais.
    A converseta da exploração não passa disso… Em cada momento, cada pessoa decide se quer ou não ser explorada. Pode não ter alternativa no momento, e preferir isso a estagnar ou a ter fome.
    Enquanto não estabelecermos para cada um de nós a diferença entre “o que é” e “o que percebemos ou gostamos”, não iremos a lado nenhum.

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    • jo's avatar
      11 Abril, 2014 12:55

      O problema é que descendo os salário mínimo rapidamente entramos em situações que a escolha é entre ter fome ou trabalhar com fome.
      A possibilidade de contratar com salários muito baixos leva a que as empresas não invistam em tecnologia. A médio prazo teremos um país semelhante ao de 74, com empresas que não são concorrenciais com as dos países que têm melhores salários, porque não têm conhecimentos nem recursos, e para serem concorrenciais têm de transformar o país num país de terceiro mundo.

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  5. BEIRAODOS SETECOSTADOS's avatar
    BEIRAODOS SETECOSTADOS permalink
    11 Abril, 2014 13:19

    Subir ou manter o ordenado minimo, quem sabe o que sera melhor? Subi-lo, nesta altura, e para cacar votos. Se for para melhorar a situacao das classes mais baixas, tera de ser feito estudo honesto e cuidadoso e implementar outras accoes a outros niveis – dar por um lado e tirar pelo – fica tudo na mesma.
    Quanto as empresas e empresarios lembro, e mais complicado! Alguem se lembra do portuga que se metia em negocios e, logo que ganhava 100 contos, comprava um Mercedes. No ano seguinte arranjava uma amante e, quando lhe caisse o primeiro dente,
    substituia-o por um de ouro, especialemte se fosse em lugar bem visivel. Continuamos mais na mesma, talvez um pouco mais sofisticados, depois da ida a um resort nas Caraibas.

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  6. basto_eu's avatar
    basto_eu permalink
    11 Abril, 2014 13:51

    Errado. Tudo errado. Penso eu.
    Alguns dos comentadores que aqui butaram faladura não sabem do que falam.
    Tive colegas que me diziam:”deixa arder…não é nosso.”
    Um trabalhador quando pressente que o SM está garantido, não se preocupa nem um bocadinho em atingir níveis de qualidade e quantidade e muito menos se preocupa quando sabe que à sua espera está um subsídio quase no valor igual ao que aufere se estiver a trabalhar…
    As pessoas são como a terra, para produzirem alguma coisa de jeito é preciso revolver-lhe as entranhas…( já não me lembro quem disse isto.)
    Há 40 mil empresas que não pagam o IVA e nem todas podem ser acusadas de evasão fiscal. Algumas precisarão desse dinheiro para satisfazer os vencimentos de calaceiros que vão seis vezes à sanita mesmo não estando de diarreia.
    Direitos sim, mas devagar.
    A partir do momento em que o trabalhador português percebeu que não tinha que dar o litro, nunca mais se preocupou porque tinha do lado dele o direito aos direitos.
    A produtividade do trabalho por hora na Alemanha é 124,8.
    Em Portugal é 64,3.
    Tirem daí as conclusões que quiserem.
    Porque não é preciso haver decreto para pagar aquilo que cada um merece.

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    • Alexandre Carvalho da Silveira's avatar
      Alexandre Carvalho da Silveira permalink
      11 Abril, 2014 14:18

      Os que trabalham para os outros são calões porque sim, ou porque ganham pouco? E o patrão paga-lhe pouco porque eles são calões, ou porque só escolhe “laranja do chão” para trabalhar, precisamente para lhe pagar pouco? Ou o sr empresário não sabe seleccionar quem vai trabalhar para ele, sempre com o objectivo de poupar algum. Claro que as leis laborais durante muito tempo não ajudavam, mas também serviam para tapar muita incompetência.

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      • JMS's avatar
        JMS permalink
        12 Abril, 2014 00:42

        Além da muita incompetência, é verdade, sempre ouvi dizer “tal dinheirito, tal trabalhito”. 🙂

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      • JMS's avatar
        JMS permalink
        12 Abril, 2014 00:51

        Não poderá ser esse o nosso principal problema de “produtividade”?

        E estarmos a ver o assunto de uma perspectiva errada?

        Como sempre tivemos (históricamente) salários baixos, não podermos esperar grande responsabilidade de quem os ganha?…

        É uma pergunta, não uma afirmação. Até eu tenho dúvidas. 🙂

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  7. Carlos's avatar
    Carlos permalink
    11 Abril, 2014 18:25

    Eu gosto de fazer perguntas.

    Se houver alguém que me consiga responder, eu agradeço.

    O aumento da RMMG aumenta o desemprego.

    Que valor é necessário pagar de RMMG para obter o pleno emprego?

    Por que motivo existe desemprego em países em que não existe o RMMG?

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