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A Metamorfose da Europa

4 Novembro, 2025

Quando nasceu a Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1957, o projecto europeu era simples e compreensível: garantir paz e prosperidade através da cooperação económica. Seis nações soberanas – França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo – uniam-se para criar um mercado comum, remover barreiras alfandegárias e facilitar o comércio. O objectivo era claro: cooperar sem deixar de ser nações livres.

Durante décadas, esse modelo funcionou. Cada país mantinha a sua moeda, a sua política fiscal, o seu controlo sobre fronteiras e leis. Bruxelas tinha um papel técnico, de coordenação, não de governo. A ideia de uma “Europa dos povos” coexistia com a “Europa das nações”.

Mas tudo mudou nos anos 90. Com o Tratado de Maastricht, em 1992, a CEE transformou-se oficialmente em União Europeia (UE). O que começou como um pacto económico evoluiu para uma superestrutura política e ideológica, com poderes que ultrapassam largamente o mandato original.

A transição foi subtil, mas profunda. Onde antes havia acordos comerciais, agora há legislação vinculativa. Onde antes os Estados decidiam soberanamente, agora as directivas europeias impõem regras que prevalecem sobre as leis nacionais. Onde antes os governos representavam os cidadãos, hoje comissários não eleitos decidem em nome de 450 milhões de europeus.

O Banco Central Europeu dita políticas monetárias comuns, retirando aos países o controlo sobre o crédito e o défice. O Parlamento Europeu existe, mas não tem iniciativa legislativa plena – a Comissão é quem propõe, executa e fiscaliza, concentrando um poder raramente visto numa democracia.

O princípio da subsidiariedade – decidir em Bruxelas apenas o que não puder ser decidido localmente – foi invertido. Agora, quase tudo é decidido em Bruxelas, e os governos nacionais tornaram-se, em muitos casos, braços administrativos de um centro tecnocrático.

O que antes era um projecto de prosperidade económica transformou-se num projecto ideológico. A União Europeia passou a definir o que devemos comer, como devemos produzir energia, que automóveis devemos conduzir, e até como devemos pensar questões culturais e identitárias. O Green Deal, as políticas de migração centralizada e a promoção de agendas sociais uniformes mostram como Bruxelas abandonou a neutralidade para se tornar um centro de doutrinação política disfarçado de governança técnica.

Essa deriva é acompanhada por uma burocracia colossal, composta por milhares de funcionários e lobistas que não respondem perante os eleitores. O resultado é um défice democrático crescente, onde a vontade popular é frequentemente ignorada em nome de um suposto “interesse europeu superior”.

A União Europeia que temos hoje é radicalmente diferente daquela que os fundadores imaginaram. A CEE foi construída sobre a confiança mútua e o respeito pela soberania; a UE actual funciona sobre o controlo, a normatização e a concentração de poder. Os grandes temas – da energia à saúde, da agricultura à informação – são hoje decididos por elites políticas e financeiras, muitas vezes fora do alcance da opinião pública.

E quando há resistência, os instrumentos de pressão são implacáveis: sanções económicas, chantagem orçamental e censura mediática. Tudo em nome da “democracia europeia”.

O resultado desta evolução é visível em toda a Europa: cepticismo popular, ascensão dos movimentos soberanistas, desconfiança em Bruxelas. Os cidadãos percebem que já não elegem quem realmente decide. O sentimento de pertença foi substituído por um de alienação e desconfiança.

A Europa que nasceu para unir, está a dividir. A Europa que prometia liberdade, impõe regras. A Europa que queria prosperidade, está a empobrecer os seus povos com burocracia, impostos verdes e decisões centralizadas.

A CEE foi uma aliança de nações soberanas. A UE é hoje uma máquina política que se move por si mesma, acima dos povos que a compõem.

Recuperar o espírito original europeu – o da cooperação livre e voluntária entre nações – é talvez o maior desafio da nossa geração. Porque uma Europa que não respeita a diversidade das suas nações e a vontade dos seus cidadãos deixa de ser uma união – e passa a ser uma imposição.

4 comentários leave one →
  1. anónimo's avatar
    anónimo permalink
    5 Novembro, 2025 00:05

    É verdade. Na origem foi o entendimento possível para tentar resolver a rivalidade franco/germânica e até funcionou.

    Hoje, a actual UE com uma França e uma Alemanha falidas (sem energia barata e mercado para os seus caros produtos) a evolução daquele processo de paz e economia, será um apressado e complicado projecto de defesa militar por causa de um inimigo comum. A ver vamos.

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  2. JgMenos's avatar
    JgMenos permalink
    5 Novembro, 2025 12:09

    A soberania de um país incorpora a presunção de ter o poder de a manter.

    O que os países da Europa têm que incorporar é que só o poder que os agregue lhes garante uma soberania que possam partilhar e exercer.

    O que isso represente em termos de exercício democrático só tem que ser assumido e não travestido a uma realidade que é memória histórica.

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  3. J's avatar
    7 Novembro, 2025 00:30

    Sim eu sei Portugal é um protetorado desde 1640. Com o nosso amigo Inglês continuamos a saga de 500. Contra castela, contra a IBERIA somos um protetorado do reino unido de 1640 a 1940. Independentes com Salazar na segunda grande guerra ficamos dependentes em termos militares da América em quarenta e cinco e da Europa em cinquenta no que toca a economia.

    Isto partindo do principio que os 400 arqueiros ingleses em Aljubarrota não tiveram influencia e os arcos ingleses dos 400 arqueiros ingleses nunca atiraram uma flecha.

    Quem ganhou a batalha foi uma padeira de Aljubarrota que aniquilou 7 castelhanos com a sua proeminente padaria.

    O infante dom Henrique falava Inglês mas não foi a sua mãe que lhe ensinou visto ser uma princesa inglesa. Era um português de gema visto que é certo e sabido que as as Inglesas nunca traem os seus maridos

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  4. freakonaleash's avatar
    freakonaleash permalink
    11 Novembro, 2025 14:12

    Nisto não consigo e estar de acordo pois sou profundamente europeísta e federalista.

    Estes pequenos países que formam a UE só sobrevivem com a mesma.

    É necessário um bloco coeso, uns Estados Unidos da Europa para fazerem contrapeso aos interesses dos EUA e da China.

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