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Bailout: legado póstumo de Milton Friedman?

5 Outubro, 2008
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A presente crise económica e financeira, com as falências de várias entidades ligadas ao mundo financeiro, levaram a administração norte-americana a propor o “Bailout package”, rejeitado numa primeira tentativa e aprovado pelo Congresso (House of Representatives) em 3 de Outubro de 2008. Se o “Plano Paulson” (Henry M. Paulson Jr., Secretário do Tesouro) será ou não capaz de ajudar a inverter o curso dos acontecimentos, é algo que teremos que esperar para ver. Contudo, poderemos estar em presença de um legado póstumo de Milton Friedman, o economista liberal que, muito embora crítico da acção do Estado, aceitava a sua existência e reconhecia a necessidade da sua intervenção.

 

Friedman, nascido em 1912, tinha uma consciência aguda de que o sistema que defendia – o capitalismo – era intrinsecamente instável. Ao que tudo indica, Friedman terá sido, como todas as pessoas da sua geração, profundamente marcado pela Grande Depressão. Sobre a Grande Depressão, Friedman escreveu repetidamente, citando-se, como súmula do seu pensamento, o constante no seu trabalho “Free to choose” (1980; em colaboração com Rose Friedman): “O sistema, além da capacidade para tornar impossível um colapso monetário, sabia como devia proceder. Em 1929, 1930 e 1931, o Banco da Reserva Federal de Nova Iorque aconselhou, repetidamente e de modo muito vivo, o sistema a efectuar compras no mercado livre em grande escala – o golpe-mestre a seguir – mas não foi ouvido.” (excerto da tradução portuguesa Liberdade para escolher, Publicações Europa-América, pág. 125). Em tom semelhante, em “Capitalism and Freedom”(1962), referindo-se ao ano de 1930, Friedman defende que “On this occasion, as on the later ones that followed, the System had ample power to provide the banks with the cash their depositors were demanding. Had this been done, the bank closings would have been cut short and the monetary debacle averted” (pág. 48, edição de 1982, The University of Chicago Press). Já Ben S. Bernanke (Essays on the Great Depression, Princeton University Press, 2000, pág. 65) defende que “…the return of the private financial system to normal conditions after March 1933 was not rapid…the financial recovery would have been more difficult without extensive government intervention and assistance”.

 

Friedman terá compreendido que o sistema que criticava – o Socialismo – não estava em vias de desaparecer. Como tal, havia que o adaptar ao conceito de liberdade individual. Assim nasceu a sua defesa da liberdade de escolha. Como exemplo, não podendo vencer a existência de uma acção das entidades públicas relativamente à educação, procurou direccionar tal acção para se tornar conforme ao interesse de cada um dos interessados.

 

O “Plano Paulson” poderá ser visto de muitas formas, mas uma possibilidade é a de o ver como um legado do pensamento de Friedman. Face a uma crise:

– O pensamento socialista faria incidir o apoio estatal “nos mais desfavorecidos”.  

– O pensamento liberal clássico faria com que se deixasse ao mercado e ao seu livre curso o envio para a falência de quem não fosse capaz de sobreviver por si só.

– O pensamento de Friedman indicaria claramente a necessidade de apoiar as estruturas que mantêm vivo o próprio sistema capitalista – o sistema financeiro. É que sem sistema financeiro não há capitalismo.

 

José Pedro Lopes Nunes

One Comment
  1. 5 Outubro, 2008 13:07

    Uma pequena nota:o Congresso Americano é constituído pela Câmara de Representantes e pelo Senado, em sessão conjunta.

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