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Na minha cidade somos todos compadres*

8 Outubro, 2008

 

O país inteiro está indignado com as baixas rendas pagas por alguns inquilinos da autarquia lisboeta. Mas das duas uma, ou o país é parvo ou é hipócrita. Rendas destas não faltam na cidade e os senhorios que as recebem , à excepção da CML, ainda têm de pagar IMI e taxas várias. E se por acaso tiverem a desventurada ideia de escrever uma carta ao inquilino pedindo-lhe a chave da casa por considerar que já não se justifica a sua permanência naquela morada, como está a fazer a CML, na melhor das hipóteses recebe de volta uma sonora gargalhada. Por estranho que possa parecer tudo se compra e vende, tudo tem um preço – mesmo serviços como os funerários que, em última análise, o utilizador muito provavelmente não escolheu e dificilmente pode ser obrigado a pagar – mas quando se trata duma casa alugada está implícito que o preço deve ser fixado em função dos rendimentos do inquilino. Em Lisboa, o Estado português levou esta tese ao ponto de transformar os proprietários dos imóveis numa espécie de ministério da assistência dos seus inquilinos. O resultado está à vista: as rendas absolutamente ridículas pagas em algumas zonas da capital não trouxeram a prosperidade aos senhorios e muito menos ao centro de Lisboa e aos próprios inquilinos. Estes últimos, presos na armadilha da renda baixa, não investiram nas suas lojas nem vêem uma obra no andar em que residem desde que o rei fez anos, e note-se que já vamos como 98 anos de república. Agora que cada lisboeta se descobriu senhorio, talvez se torne óbvio que se os governos e as autarquias querem apoiar algumas pessoas, grupos sociais ou etários podem fazê-lo de muitas formas mas não brincando ao mercado de arrendamento. 

Mas este escândalo em torno da CML é também um bom exemplo de como detestamos falar de corrupção e adoramos histórias de compadrio. Um dos problemas da corrupção a sério é que não tem listas. As pessoas querem nomes, caras, histórias e a corrupção com C maiúsculo não fornece nada disso. Ou seja, se falarmos da casinha de A ou B temos história mas como se conseguem transformar em notícia as denúncias feitas pelo bastonário da Ordem dos Engenheiros, Fernando Santo, no congresso daquela ordem? Segundo o “Expresso”, o bastonário dos Engenheiros terá equiparado a “transformação dos solos rústicos em urbanos” ao poder de cunhar moeda. Por todo o país abundam casos de como terrenos que supostamente não podiam ser urbanizados acabaram a sê-lo. Ao lado, outros terrenos, cujos proprietários provavelmente não estão tão bem relacionados com o poder, aguardam num pousio não agrícola mas sim administrativo. Fernando Santo terá ainda explicado que o país só funciona em regime de excepção – PIN, Expo, Euro 2004 – e deu o exemplo de Lisboa onde, para licenciar um edifício, é necessário consultar mais de 100 diplomas que se desdobram em mais de três mil artigos. Lisboa, precisamente essa cidade que teve de suspender o seu PDM para que possa ser construído o Centro de Investigação da Fundação Champalimaud. Lisboa, a mesma cidade cuja autarquia ainda não conseguiu explicar aos portugueses como foi possível que seus serviços após terem gasto onze milhões de euros no cemitério de Carnide tivessem concluído que os solos não eram adequados para aquele fim.

Enquanto nos deleitamos com as histórias das casinhas atribuídas em regimes de excepção por critérios nada transparentes é importante que percebamos que para o monstro administrativo que estamos a criar a nível local e  central o poder é exactamente isso: o de criar excepções. Portugal é cada vez mais um país PIN, ou seja um local onde a vida se transformou numa corrida de obstáculos administrativos e fiscais incapazes de serem cumpridos pelos cidadãos comuns e onde alguns conseguem um regime excepcional. Lisboa é apenas a sua capital.

 *PÚBLICO 7 de Outubro

 

6 comentários leave one →
  1. Anónimo permalink
    8 Outubro, 2008 10:39

    Isto à beira do que se passa diariamente nos municípios e suas “empresas” satélite pelo país fora é uma banalidade.

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  2. pica dura permalink
    8 Outubro, 2008 10:44

    os politicos desta república socialista andam a brincar aos países e aos polícias e ladrões como aos 12 anos. os jovens de hoje vêm pornografia na internet.

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  3. campeão permalink
    8 Outubro, 2008 11:34

    As leis das rendas vigente e anteriores usurparam e usurpam ou expropriam os senhorios em beneficio dos inquilinos com todo o cortejo conhecido de prejuizos para o país e respectivos cidadãos .Por muito menos há pessoas nas prisões. Também os responsaveis por estas leis lá deviam estar não só pelo roubo que perpetraram contra pessoas em particular como pelo mal que fizeram ao país e ás nossas cidades em particular ! É o socialismo no seu melhor (pior).

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  4. Santa Paciência permalink
    8 Outubro, 2008 11:59

    “O país inteiro está indignado com as baixas rendas pagas por alguns inquilinos da autarquia lisboeta. Mas das duas uma, ou o país é parvo ou é hipócrita. Rendas destas não faltam na cidade e os senhorios que as recebem , à excepção da CML, ainda têm de pagar IMI e taxas várias.”

    eu gostaria de saber onde é que em lisboa existem CASAS NOVAS a 130€ por mês. sim, porque eu gostava de alugar uma.

    As que existem foram alugadas há séculos e a maioria está a cair de podre. as que não estão deve-se ao facto de os inquilinos terem feito obras.

    duvido mesmo que existam rendas posteriores a 1990 por este preço, a menos que sejam casas da câmara ou de um bairro de lata qualquer.

    hoje em dia é impossível alugar uma casa decente com duas assoalhadas, em lisboa, abaixo dos 700€. a menos que seja no casal ventoso. e mesmo assim é uma sorte.

    quem escreveu este artigo não deve viver numa casa arrendada com certeza.

    mas este artigo é mau por outras razões: mistura arrendamento de casas para habitação com o de espaços comerciais, ou seja, alhos com bugalhos.

    mas sinceramente acho que é intencional. é a famosa tendência jornalística para mistificar a realidade.

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  5. OLP permalink
    8 Outubro, 2008 12:32

    Paciencia para entender que as que estão a cair de podre (e são muitas) são exactamente as que estao alugadas apreços da uva mijona decadas a fio. Paciencia para entender que também as rendas das poucas que há no mercado das mais novas por isso mesmo são caras e mesmo assim constituem um risco para o senhorio que se arrisca a ver o inquilino lá pelo menos cinco anos sem pagar até que um tribunal decida qualquer coisa.
    Também é preciso muita paciencia para entender que se estiver numa casa alugada com rendas que depois de “actualizadas” de dez a trinta euros, quando não menos, se acha “justo”, mas quando a camara o faz é extremamente “injusto”.
    A moral do portuga comum “vareia” conforme o seu interessezinho e rejubila com o ataque ao “outro”.
    Acho que esta atitude arreigada não é inocente pois sempre serviu para desviar as intenções para a sempre “desgraça e dificuldades pessoais” para nunca por nunca se conseguir ver o todo e assim poder beneficiar dela.
    Lá no fundo ele rejubila quando apontam o dedo aos beneficiários compadres das camaras, sai a terreiro com a moral toda, mesmo que em relaçao ao senhorio ele esteja a fazer isso decada sobre decada fazendo com que elas caiam de podre. E quando ele, para poder ter o minimo de conforto gasta na melhoria da casa ainda acha que está a fazer uma obra de benificiencia não fazendo contas a aquilo que beneficiou pagando rendas ridiculas anos a fio.

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  6. LGP permalink
    8 Outubro, 2008 13:05

    Muitos consideram as rendas que pagam, como uma espécie de prestação bancária,
    sentindo-se com direito á casa que arrendam, por já terem pago ao longo dos anos o equivalente ao que terá custado originalmente.
    Naturalmente excluem ninharias como a inflação, o IMI,os juros as obras de manutenção(nunca suficientes) e outras minudencias que o nababo do senhorio deve suportar, uma vez que é mais rico que ele.

    Claro que o mesmo inquilino, quando se vê em posição de senhorio, sofre uma alteração ideológica espontânea e deixa de acreditar no socialismo, denotando o comunismo oportunista tão Lusitano, que resulta do casamento entre uma ideologia radical muito mal digerida e a esperteza saloia nacional.

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