Saltar para o conteúdo

Revisões

20 Julho, 2010

Uma Constituição, por definição, deverá assegurar a protecção dos direitos individuais face ao poder do Estado e consequentemente também regular o funcionamento dos órgãos políticos do estado. Tudo o mais, respeitando essas liberdades e limites, será do domínio, não propriamente do «efémero», mas do circunstancialismo da acção politica legitimada, a qual deverá ser suficientemente livre de espartilhos , limites ou objectivos estabelecidos por uma geração sobre as demais.

Todos sabemos das circunstâncias especiais que a nossa CRP teve na sua formação, as quais notóriamente não correspondem ao acima referido, contendo a mesma uma série de normativos, orgãos, politicas e objectivos que não são, por definição, eles mesmos «constitucionais» no sentido próprio do termo.

Daí que seja não apenas natural mas também desejável que sempre que se abra um ciclo de revisão (a cada 5 anos), se tente ir depurando a CRP daquelas excrescências que a tornam factor de conflitualidade ao invés de património comum aberto e flexível. Infelizmente, nem sempre tem sido essa a prática, chegando-se ao ponto de se lhe acrescentar novos orgãos (ex:ERC) ou outras tretas que deveriam ser do domínio da legislação vulgar.

O principal partido da «oposição» prepara-se para apresentar um projecto de revisão constitucional. No entanto, encontra-se tal partido também em processo de revisão do seu programa político. Ora, sendo este último uma visão e proposta global do que um agrupamento significativo de cidadãos pretende para a sociedade, penso que faria mais sentido a sua apresentação em primeiro lugar e só depois a da constituição. Um projecto de revisão constitucional desligado do projecto político parece indiciar duas coisas, ambas negativas: que se pretende uma revisão constitucional meramente «técnica» (pequenos acertos sobre funcionamento de órgãos políticos, por ex.), e/ou ausência de fundamentação e enquadramento para alterações de fundo (preferencialmente, no sentido apontado no primeiro parágrafo acima).

Por fim, parece vingar no PSD a valorização da técnica socrática de «marcar a agenda» como fim em si mesmo. Atendendo ás  gravosas circunstancias politico/económicas actuais, em grande parte resultantes da acção negativa do partido do governo, estar a desviar a atenção pública desses factos mediante a criação de factos políticos autónomos, mas totalmente desligados dessa realidade, parece divertimento inútil e um bónus grátis ao infractor…..

7 comentários leave one →
  1. 20 Julho, 2010 11:44

    A revisão da Constituição e a revisão do programa do partido são processos paralelos. Por um lado a Constituição não visa a implantação de uma visão política em particular, tem de ser suficientemente genérica e minimalista para abranger várias concepções do funcionamento da sociedade. Por outro lado o programa do partido também não é independente do enquadramento constitucional que existir. Claro que a proposta de revisão feita pelo PSD não será nunca igual à feita pelo PCP, por exemplo, mas a diferença não advém directamente das diferenças programáticas no seu detalhe.

    Gostar

  2. 20 Julho, 2010 11:49

    Já agora: se o PSD entende que é benéfica uma revisão constitucional e entende que tem a capacidade interna de a preparar e propor, não vejo por que razão a deveria adiar só para supostamente “não desviar a atenção pública”. Não concordo que se trate o povo como ignorante ou irresponsável, incapaz de compreender o que lhe é proposto (mesmo que o seja…).

    Gostar

  3. antipedófilo permalink
    20 Julho, 2010 12:04

    Já será excelente o aumento dos mandatos do Parlamento e do PR em 1 ano = menos eleitoralismo!
    Se a isso acrescer a fiscalização democrática do MP ainda melhor!
    Maravilha: fim dos Governos Civis!

    Gostar

  4. Pedro Lomba permalink
    20 Julho, 2010 12:20

    Bom texto, Gabriel.

    Gostar

  5. 20 Julho, 2010 18:22

    «Parece vingar no PSD a valorização da técnica socrática de «marcar a agenda» como fim em si mesmo»

    Em plena silly season. Não poderia o PSD ter escolhido melhor!

    Gostar

  6. José Barros permalink
    20 Julho, 2010 19:11

    Atendendo ás gravosas circunstancias politico/económicas actuais, em grande parte resultantes da acção negativa do partido do governo, estar a desviar a atenção pública desses factos mediante a criação de factos políticos autónomos, mas totalmente desligados dessa realidade, parece divertimento inútil e um bónus grátis ao infractor…..- Gabriel Silva

    A intenção é mesmo essa, caro Gabriel Silva. O PSD pretende que nada de relevante se discuta até às eleições de 2011 por forma a garantir a aparente popularidade do líder e o avanço nas sondagens. Que o país se afunde de vez no entretanto é coisa que não preocupa Passos Coelho.

    Gostar

Trackbacks

  1. Tweets that mention Revisões « BLASFÉMIAS -- Topsy.com

Indigne-se aqui.