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O que importa é dissimular

27 Maio, 2011
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Durante anos e anos ouvimos dizer que os políticos deviam apresentar os seus programas e cumprir os programas que apresentavam. Que os políticos não deviam esconder o que pensavam. Que o debate política devia ser mais aberto. Que era uma tristeza a redução de tudo a sound bytes.

Nesta campanha tem sido ao contrário. Sócrates é um “grande profissional” porque repete os mesmos sound bytes vezes sem conta. Já Passos Coelho é um ingénuo que passa a vida a “dar tiros no pé” porque insiste em explicar o que pensa.

O que se passou ontem com a questão do aborto é deveras significativo. A Renascença tem um programa chamado “Director por uma hora” para o qual convida personalidades diversas. Ontem foi a presidente da Ajuda de Berço que quis fazer entrevistas aos diferentes candidatos. Passos aceitou o convite, Sócrates rejeitou. Quando surgiram as questões sobre o aborto, Passos (e cito Carlos do Carmo Carapinha) disse que a lei do aborto deveria ser avaliada: “precisamos de fazer, tal como aliás está previsto, uma reavaliação dessa situação! (sic). De seguida, Pedro Passos Coelho recordou à jornalista da RR que esteve “há muitos anos do lado daqueles que achavam que era preciso legalizar o aborto – não era liberalizar o aborto, era legalizar a interrupção voluntária da gravidez -, porque há condições excepcionais que devem ser tidas em conta”. Mais adiante concluiu: “Temos de reavaliar essa situação, não no sentido de voltar a cara a esses problemas, de ter qualquer intolerância em relação a isso, mas para poder ajuizar se se foi até onde se devia ter ido ou se se foi um pouco longe demais”. Pelo meio, deixou no ar a ideia de que não se deve pôr de parte a ideia de um novo referendo (explicando mais tarde que os políticos não são donos da democracia), embora: 1) seja necessário primeiro avaliar a aplicação da lei; 2) um novo referendo não faça parte do programa do PSD.

Ou seja, Passos não trouxe o tema para a campanha, mas não fugiu a ele quando abordado por um jornalista, tendo respondido a questões a que Sócrates se recusou a responder. Não defendeu a realização de um referendo, mas foi acusado de o fazer. Disse que tinha votado sim no referendo anterior, mas disseram que tinha mudado de opinião e queria voltar ao passado. Defendeu que a Assembleia devia respeitar as petições de grupos de cidadãos e foi acusado de conservadorismo. E se parte do que se passou teve origem no mesmo político que se recusou a responder à Renascença, isto é, José Sócrates, políticos e comentadores muito variados (incluindo Lobo Xavier) afinaram todos pelo mesmo diapasão.

É triste mas é significativo. Quando, em 2005, José Sócrates centralizou por completo os canais de informação do PS e instituiu a “língua de pau” do discurso uniforme, e uniformemente mentiroso, com que temos convivido, o famoso António Vitorino proclamou: “Habituem-se!” Ora parece que o país não só se habituou como interiorizou o sistema e passou a considerar anormalidades não fugir às questões e ser sincero. O socratismo não é apenas uma sujidade que lavaremos com as eleições, é uma sarna que se entranhou, que corrói as nossas referências liberais e democráticas e de que vamos levar muitos anos a livrar-nos. Tal como da dívida que nos deixa…

25 comentários leave one →
  1. 27 Maio, 2011 10:20

    É deprimente e vergonhoso o estado de terrorismo propangandístico a que chegámos.
    Tudo o que não seja PC (politicamente correcto) de acordo com o “livro” oficial é é impiedosamente destruido. Agora em campanha, até tudo o que possa ser aproveitado para eliminar o caracter do adversário (digo no singular, porque parece haver só um, que, de facto, interessa destruir).
    Se PPC não ganhar e JS continuar no poder, não vejo como irá no futuro aparecer mais alguém que se atreva a enfrentar este regime de autêntica inquisição (veja-se o que fizeram a MFL e agora a PPC).

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  2. 27 Maio, 2011 10:21

    Estou em crer que, hoje, a campanha vai correr bem ao Passos.
    É que são 10:15 h e o Coelho ainda está calado. Se se mantiver assim até final do dia, certamente que esta jornada de campanha lhe será favorável. De facto o homem quando abre a boca só dá tiros nos pés e demonstra que não está nada preparado para governar.
    Ó jmf diga ao Passos para não falar até ao dia 5 de Junho. Se conseguir tal ganha as eleições. Se continuar a falar, e incrivelmente, perde.

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  3. JPS permalink
    27 Maio, 2011 10:33

    A questão devia ser tratada por Passos Coelho com luvas brancas imaculadas de modo a que não gerasse a mínima polémica. Esse é o ponto. Em campanha eleitoral permitir o alçar de uma questão fracturante quando todos os votos à esquerda são essenciais é um tiro no pé. Ter de se explicar e re-dizer o que disse? Erros pagam-se caro com sondagens tão à justa.

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  4. 27 Maio, 2011 10:50

    Os jornalistas (só porque são progressistas e de esquerda) prestam-se a cada tarefa…
    http://notaslivres.blogspot.com/2011/05/quem-interessa-o-socialismo-no-poder.html

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  5. Lionheart permalink
    27 Maio, 2011 10:51

    Introduzir o tema do aborto na campanha foi um disparate. Nem ao CDS interessa isso, porque assim pode crescer mais entre um eleitorado cuja maior “anti-corpo” que pode ter contra a direita é a posição oficial do CDS nessa questão (que nem sequer é unânime entre todos os militantes, nem tinha de ser). O Portas não tem falado sobre o aborto, porque não lhe interessa em termos de agenda, não vai pressionar o PSD para fazer novo referendo, enfim, era um não assunto até a porcaria da Renascença, mais a padralhada que a suporta, voltar a pressionar o centro-direita com essa questão, dando um motivo à esquerda para se unir e mobilizar. Há gente que não sabe o que anda a fazer, evidentemente.

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  6. 27 Maio, 2011 11:07

    Durante anos,
    jmf1957 ouviu dizer que os políticos não deviam esconder o que pensavam.
    Só quem pensa pouco é que pode dizer tudo o que pensa.

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  7. 27 Maio, 2011 11:42

    Um aplauso a um excelente texto. Infelizmente parece que o país vai preferindo ser enganado do que saber a exacta verdade daquilo que se passa à nossa volta. Temos o (des)governo que merecemos…

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  8. 27 Maio, 2011 11:42

    Um aplauso a um excelente texto. Infelizmente parece que o país vai preferindo ser enganado do que saber a exacta verdade daquilo que se passa à nossa volta. Temos o (des)governo que merecemos…

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  9. 27 Maio, 2011 11:49

    Arautos da verdade
    também há às resmas.
    Da “verdade” que se quer ouvir.

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  10. 27 Maio, 2011 12:04

    Parabéns pelo esclarecimento. Ninguém ouviu ontem em nenhuma estação de tv ou rádio, que as perguntas tinham sido feitas pela presidente da Ajuda de Berço. Todos falaram numa entrevista, sem qualquer enquadramento. São os pentelhos que interessa discutir, não o conteúdo, esse não é notícia.
    O País também está reflectido na comunicação social, que se transformou numa espécie de tribo dos famosos, e que interessa mais do que a vida real.

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  11. Jofre permalink
    27 Maio, 2011 12:28

    “Introduzir o tema do aborto na campanha foi um disparate. ”
    .
    .Atrás de um disparate outro mais virá. São como as cerejas… e isto ainda é na oposição…

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  12. 27 Maio, 2011 12:40

    O Passos falou porque foi questionado…
    E todos estranham… que se responda às perguntas.

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  13. JP Ribeiro permalink
    27 Maio, 2011 14:01

    Uma pergunta à João Miranda:
    -Há alguém que hoje lamente a saída do Vale e Azevedo do Benfica?

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  14. Jofre permalink
    27 Maio, 2011 15:02

    “O Passos falou porque foi questionado…”
    .
    Até parece que PPC é um bebezinho que só reponde aquilo que lhe perguntam. Só um tolo acredita nisso. Os políticos sabem contornar as questões quando não estão interessados em falar delas. Se falam, é porque lhes dá interesse. PPC nso é ingénuo a esse ponto. Falou porque quis falar e tirar dividendos sobre este assunto.

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  15. campuus permalink
    27 Maio, 2011 15:05

    Excelente artigo.
    Felizmente estamos no seculo 21 e na união europeia. Não tenho dúvidas que se estivessemos em 1980 estariamos a viver em Ditadura. O homem nunca mais largaria o poder.
    Mesmo em democracia sabemos que quem se mete com eles levam.

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  16. Farto dele permalink
    27 Maio, 2011 15:10

    Só os jornalistas e apoiantes de Sócrates é que estranham e publicitam à sua maneira, a forma correcta e verdadeira como Passos Coelho respondeu a uma pergunta que lhe foi feita numa entrevista radiofónica sobre o aborto. Esses jornalistas propositadamente noticiam como se tivesse sido Coelho a introduzir o aborto na campanha sabendo que tal não é verdade. Só assim se compreende como aceitam sem o questionar, que Sócrates não responda ou minta quando directamente lhe fazem perguntas, inclusivamente na Assembléia da República como todos testemunhámos. Alguns portugueses um dia , que já tarda, pedirão contas a estes irresponsáveis “profissionais” não isentos.

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  17. 27 Maio, 2011 15:14

    Jofre,
    concordando consigo, inclino-me também para o seu contrário, como diria Nietzsche.
    cada dia que passa mais me convence o dr. passos que é mesmo néscio: está constantemente a ser comido por lorpa; e não digo que não seja inteligente, não tem é a esperteza de politico.
    veja-se como socrates faz hípias cair em contradição:

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  18. Joaquim Amado Lopes permalink
    27 Maio, 2011 16:14

    Campos de minas,
    Pedro Passos Coelho, sendo-lhe colocada uma pergunta sobre uma questão importante (motivou 2 dos 3 referendos), responde de uma forma que apenas pode ser considerada como ponderada, cautelosa e sensível. Pelos vistos, isso faz dele um néscio.
    _
    Muitos jornalistas noticiam essa resposta distorcendo os factos (quem levantou a questão e qual foi a resposta). Esses jornalistas são o quê?
    Fernanda Câncio (que não pode ser confundida sequer com uma forma de vida inteligente, quanto mais com uma jornalista) escreve “Passos Coelho surpreendeu toda a gente – quiçá ele próprio? – ao apelar ontem, numa entrevista à rádio católica, a “grupos de cidadãos” para tomarem “tão rápido quanto possível” iniciativas no sentido de exigir um referendo sobre a interrupção da gravidez”. Fernanda Câncio é o quê?
    Augusto Santos Silva aconselhou o líder “laranja” a assumir “de uma vez” as opiniões veiculadas como suas e a não se esconder “atrás de uma suposta iniciativa de cidadãos” porque “não se espera que os líderes políticos mudem de convicções como quem muda de casaco”. Depois diz que a lei do aborto “deve ser constantemente avaliada” e que é possível melhorá-la, precisamente o que Pedro Passos Coelho disse. Augusto Santos Silva é o quê?
    Alguns comentadores afirmam que é mais um “tiro no pé” de Pedro Passos Coelho (que já deu muitos mas, neste caso, foi EXACTAMENTE o que se espera de um líder político e que José Sócrates é incapaz de ser: ponderado, sincero e responsável). Esses comentadores são o quê?
    _
    Já agora, José Sócrates é o quê?

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  19. 27 Maio, 2011 16:24

    J A Lopes,
    Vc,
    com a devida vénia, dá demasiada importância aos jornalistas e glosadores cá da pátria!
    até admito que a maioria deles é tendencialmente de esquerda mas os melhores em qualidade estão na direita! (atenção que não me refiro ao alberto gonçalves, que opina na Sábado,mas veja outros dessa horrível revista: j p pereirae nuno rogeiro)
    Vc, acaba por dar o flanco aos tiros quando escreve:
    Alguns comentadores afirmam que é mais um “tiro no pé” de Pedro Passos Coelho (que já deu muitos mas, neste caso, foi EXACTAMENTE o que se espera de um líder político.

    josé sócrates é um trauliteiro! alguma dúvida? voto nele, porque para protestar contra o projecto liberalizante do psd,não basta votar BE ou CDU: por um princípio utilitarista; e olhe que é a primeira vez que o faço.

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  20. Arlindo da Costa permalink
    27 Maio, 2011 16:51

    Passos Coelho é um dissimulado.
    Ele só «explica» alguns «pintelhos» do programa.
    O essencial da sua agenda predadora está bem escondido.
    Vai querer subir o IVA, vai eliminar a taxa do Iva dos restaurantes; vai despedir funcionários públicos; vai acabar com o serviço nascional de saúde, vai subir os combustiveis e vai subir a electricidade.
    São estas medidas que ele não explica nem quer explicar.
    Mas vai mamdando «bocas» sobre «pintelhos» e outras merdas de que se alimentam os totós dos comentadores e os jornalistas avençados a recibo-verde.

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  21. esmeralda permalink
    27 Maio, 2011 19:37

    As pessoas deixam-se contaminar pela comunicação social distorcida. E não só. A questão do aborto… Salvaram-se muitas mulheres!!!Mas não se salvaram as crianças! Ninguém se lembra delas? A Lei foi feita para que mulheres andem a fazer abortos sucessivos??? Porque não pagam taxas moderadoras, como em qualquer consulta? E com que senso lhes foi dada a possibilidade de receberem o subsídio de maternidade??? Realmente, numa coisa concordo com Sócrates: DESTA VEZ É MESMO A SÉRIO. TEM DE SER A SÉRIO! Não se aguenta mais brincadeira com a desgraça que a todos espera!

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  22. Joaquim Amado Lopes permalink
    27 Maio, 2011 19:59

    Campos de minas,
    Faz muito bem em votar em José Sócrates. Afinal, com os excelentes resultados que ele tem para apresentar em termos de protecção social, desemprego, qualidade do ensino, impostos, despeza do Estado, dívida pública, desorçamentação, PPP’s, comunicação social, nomeações de boys e, acima de tudo, sustentabilidade do Estado português, merece a sua confiança.
    Eu é que acho que Portugal está demasiado bem (nós crescemos é na adversidade, não na facilidade) e que precisamos que venham outros para destruir todo este bem que José Sócrates fez.
    E ele fez tanto bem que, por muito mal que faça quem venha a seguir, demorará tanto tempo a ficarmos mal que ele já não estará entre nós para o chamarmos de volta para fazer “o seu melhor”.

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  23. 27 Maio, 2011 21:24

    Excelente.

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  24. MJP permalink
    27 Maio, 2011 23:48

    Portugal precisa de cortar radicalmente com os eleitoralismos que temos vivido e que nem em eleitorado burro são admissíveis. No entanto, quando alguém tenta dizer, com verdade, o que pensa, é criticado por não enganar. Aceita-se que engane e critica-se por não fazer “caça ao voto” baseado em falsidades. É por isso que merecemos o que temos. É por isso que me espanta que digam que querem mudar, mas devagar, devagarinho, ainda com mentiras, “só desta vez” como dizem as crianças.
    Não são os partidos que estão em causa mas a mentalidade de tal povo. “engana-me que eu gosto”

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