Salvador Caetano: a história de uma geração*
Por razões profissionais, entrevistei vários homens da geração de Salvador Caetano. As suas histórias começavam quase sempre do mesmo modo: “Éramos muitos irmãos. Acabei a escola e fui trabalhar.” O que se seguia era também quase sempre o mesmo: determinados a escapar à pobreza familiar, obstinavam-se em montar um negócio seu. Geralmente conseguiam-no muito novos, à custa de inúmeros sacrifícios. Lembravam-se, com detalhe de tostão, desses primeiros investimentos. Contudo, o que mais me impressionava ao ouvi-los não era tanto essa batalha contra a pobreza anunciada mas sobretudo a ousadia de que davam conta: apesar de muitos nem irem além de uma 3.ª classe feita em escolas de aldeias remotas onde dominavam as regentes, tinham sido capazes de discutir os cálculos de torres de apartamentos com arquitectos, montar unidades industriais pioneiras e, em vários casos, criar empresas que destoavam na pequenez do país. Salvador Caetano, que não conheci, era um desses casos: era pintor aos 11 anos e empresário aos 18. Passados os 30 aprendeu inglês e estabeleceu os contactos para importar automóveis do Japão, isto numa época em que as chamadas internacionais não eram automáticas, não existiam faxes e os consumidores mostravam uma enorme desconfiança pelos carros japoneses. Mais tarde participou na constituição de bancos e, num gesto que remete para o Portugal camponês em que nasceu, dividiu a fortuna ou, como diz o povo, fez partilhas para garantir a paz entre os seus herdeiros. A intelectualidade portuguesa sempre abominou estes homens que não ficaram à espera que eles lhes dissessem que a solução para a pobreza de que se queriam libertar estava em Marx, no liberalismo, na democracia-cristã ou na social-democracia. Chamaram-lhes e chamam-lhes novos-ricos; patos-bravos; empresários de vão de escada e analfabetos. E riem-se deles quando os vêem orgulhosos no 10 de Junho por terem sido feitos comendadores e distinguidos pelo mérito. Mas a história dessa gente nascida nos anos 30 e 40 do século passado e que não se conformou com o destino não só merecia muito mais respeito e estudo como, neste momento particular, é uma espécie de bofetada na cara de todos nós e muito em particular daqueles ditos jovens que atochadinhos de canudos ficam muito indignados porque a senhora Merkel não lhes garante a casa e o emprego para toda a vida.
*PÚBLICO
5 Estrelas, o artigo. Os meus parabéns.
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E morreu deixando um grupo a facturar qulquer coisa como 2 500 milhões de euros. Ou 500 milhões de contos, em dinheiro antigo. Podia ter defeitos mas também teve muitas e vastas virtudes. Oxalá os herdeiros mostrem merecer aquilo que ele lhes legou.
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O artigo honra a memória do empresário – mas também honra, e de que maneira, quem o escreveu.
Cpmts.
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Senhora Dona Helena.
Vossência deu no vinte, mais uma vez. Mas, diriam os latinos, este artigo é “margaritas ante porcos”.
Esta Pátria não merece gente desta fibra, e tenho dito.
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Essas verdades, hoje criticadas por minorias sem talento e vontade de trabalhar, são um exemplo prático, não teórico, de desenvolvimento sustentável.
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Uma justa homenagem a uma empresa de sucesso.
Quanto aos “jovens que atochadinhos de canudos ficam muito indignados porque a senhora Merkel não lhes garante a casa e o emprego para toda a vida”, também devem ter pedido muito crédito à banca para comprar Toyotas.
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(…) estes homens que não ficaram à espera que eles lhes dissessem que a solução para a pobreza de que se queriam libertar estava em Marx, no liberalismo, na democracia-cristã ou na social-democracia(…)
Regista-se que tem um nome para o marxismo e não conseguiu lembrar-se de nenhum para o liberalismo, democracia-cristã ou social-democracia. Interessante.
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Simplesmente parabéns!
Seu artigo fala de homens com H maiúsculo e não com uma matilha de incompetentes “doutores”.
São de empreendedores que Portugal precisa para voltar a ser uma nação com convicções positivas. Doutores
de secretarias existem em excesso!
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O seu texto é comovente.
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Está bonito. Nada como aproveitar o nosso espaço nos jornais para apresentar generalidades com as quais toda a gente concorda pintadas de forma comovente para fazer o país gostar de nós. Hoje foi o mérito de quem trabalha, amanhã são os pedófilos e a justiça e depois o desperdício de dinheiro público. No mundo dos intelectuais, a Helena é o taxista.
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Parabéns! Um texto fantástico!
Tenho a felicidade de conhecer bem um dos ramos dos seguidores do Sr. Salvador Caetano e tenho a certeza que irão fazer jus à memória e sobretudo ao exemplo do pai da família.
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Um verdadeiro empresário que não passava o tempo em debates da TV com paineleiros de conversa fiada nem andava colado a partidos para poder exercer aquilo que sabia fazer: empresariar, criar valor, modernizar e dinamizar a economia.
Hoje os «grandes empresários» andam encostados aos politicos para que possam obter favores, subsídios e obras públicas.
Nunva vi o salvador Caetano na Rua Santa Catarina a apelar ao voto neste ou naquele, como fez o oportunista do Belarmino!
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Um artigo deste calibre é sempre um acontecimento. É um privilégio ler um texto destes. Parabéns, HM!
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Se um dia fizer uma compilação das crónicas de jornal, sugiro que realce esta. Muito boa.
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assino por baixo.
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Dizer que quem ganha muito dá uma bofetada na cara de quem ganha pouco é tipico de uma sociedade que endeusa o consumo. No entanto queria chamar a atenção de quem dá a bofetada e quem a recebe que a grande maioria das pessoas será sempre pobre pelo que o exemplo é só para alguns, poucos, mesmo que, digamos, 50% da população tivesse, no presente, tanto mérito como esse Sr.
Quem falou de exemplo de crescimento sustentável fez mal, primeiro porque é uma frase deseducativa que só existe na cabeça dos economistas, e segundo, porque os sectores de actividade subjacentes não são os que precisamos desenvolver.
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