Saltar para o conteúdo

o que aí vem não vai ser bom

18 Março, 2013
by

Nenhum político gosta de dar más notícias ao povo. Em situações de crise, essa atitude é agravada pelo facto dos políticos estarem convencidos que as boas notícias animam as pessoas e que o optimismo é meio caminho andado para se resolverem os problemas. Por isso, os governantes nunca dizem a verdade completa aos governados. Mesmo quando estão perante o abismo. Muitos deles acreditam mesmo que são capazes de dar a volta aos factos, conseguindo fazer em pouco tempo e sem recursos o que não foram capazes de fazer quando tinham uma coisa e a outra. Estes são, de longe, os que podem provocar os piores danos, porque estão completamente alheados da realidade, da sua própria e da do país em que têm responsabilidades. Ainda há pouco tempo assistimos a José Sócrates a resistir ao pedido de ajuda económica, convencido que ainda conseguiria evitar a bancarrota, quase seis anos depois de dispor do país como, infelizmente, muito bem quis. Vitor Gaspar não levou o país à bancarrota, porque ele já lá estava quando assumiu funções, nem dispôs de meios faraónicos para o recuperar, mas emprestou o seu nome a uma estratégia de recuperação que não podia resultar. E disso é inquestionavelmente responsável.

.

Ora, o que se passa hoje com Portugal é por demais evidente para qualquer cidadão que não tenha responsabilidades políticas, nem adorações ideológicas ou partidárias que o ceguem. Por motivos que já nem interessa discutir, o estado e o país estão tecnicamente falidos, por isto se querendo dizer que não produzem a riqueza suficiente para pagar a sua despesa pública e a dívida que ela acumulou ao longo dos anos. Para reverter esta situação seria necessária uma radical redução dos custos correntes do estado, que nenhum governante tem coragem de assumir, porque provocaria uma hecatombe social de efeitos graves e imediatos. Infelizmente, o estado foi somando erros sobre erros, durante muitos anos, na forma como foi lidando com os cidadãos e nas expectativas que lhes criou sobre o modo como deviam conduzir as suas vidas: confiando sempre na existência de direitos económicos inalienáveis, que o estado lhes garantiria caso lhes falhassem. Desgraçadamente, um modelo social paternalista, imobilista e inimigo da produção e da responsabilidade individual com anos e anos de consolidação, não se substitui em pouco tempo por um modelo económico produtivo e empresarial.

.

O que o governo português tem feito, aplicando as regras, impostas pela troika, de uma gestão racional, desenhada para tempos de crise, mas de relativa normalidade, tem sido tapar buracos, sem verdadeiramente conseguir fechar nenhum, e aguardando que um milagre – as exportações, a União Europeia, um tecido empresarial cada vez mais frágil – inverta a situação e salve o país. Porque, a não ser um milagre (no qual José Sócrates também acreditava, convencido que a sua inflexibilidade atemorizaria os credores e a União Europeia), o país só pode agravar mais ainda a sua situação financeira e o défice das contas públicas.

.

De facto, por cada aumento de impostos para alimentar o défice aumentam as falências, com as falências aumenta o desemprego, com o desemprego aumentam necessariamente os subsídios e os apoios do estado, crescendo, assim, o défice público em vez de diminuir, como se pretendia com as medidas fiscais. Por outro lado, a falência das nossas empresas não resulta do livre jogo do mercado, no que seriam facilmente substituídas por outras, não resulta nem da concorrência, nem da insatisfação dos consumidores, mas da pura e simples destruição do mercado, provocada pelo excessivo intervencionismo do estado que asfixiou fiscalmente as empresas e as pessoas, e descapitalizou os bancos que as podiam apoiar nos momentos de dificuldade. Neste cenário, como pode conceber-se uma recuperação da economia portuguesa que simultaneamente pague uma gigantesca dívida pública, equilibre a despesa corrente do estado (sempre necessariamente crescente em momentos de crise social) e ainda consiga criar empresas, emprego e riqueza que sustentem tudo isto, num cenário de crescimento desmesurado da carga fiscal e dos custos de produção? Isto é materialmente impossível, como é óbvio.

.

Por outro lado, a solução socialista de suportar a dívida pública e produzir «crescimento» económico injectando dinheiro na economia, a velha fórmula que, no fim de contas, nos trouxe até aqui, é, ela também, uma impossibilidade evidente. Porque, por um lado, não temos esse dinheiro nem ninguém que no-lo empreste, e, por outro, se ainda tivéssemos ao nosso alcance a rotativa que produz moeda fiduciária (o Dr. Mário Soares sugeriu, há semanas, que a ligássemos novamente…), não estaríamos a fazer nada mais do que produzir folhas de papel com o símbolo da República, que apenas contribuiriam para aumentar a inflação e empobrecer ainda mais o país.

.

Portugal está, deste modo, numa encruzilhada sem saída à vista. Com Passos e Gaspar, com outro Gaspar qualquer que Passos possa nomear, com Tozé ou Costa, o país já não depende de si mesmo, muito menos dos políticos que eufemisticamente o governam ou possam vir a governar nos próximos anos. Como qualquer empresa irremediavelmente falida, Portugal está inteiramente nas mãos dos seus credores e da União Europeia, na qual está política e economicamente integrado, e que é uma espécie de fiador das soberanias que a compõem. Estes, por sua vez, demonstram sinais crescentes de nervosismo e impaciência nunca antes vistos na história da União, como ficou bem claro com a intervenção no Chipre, que é um sério aviso e ameaça à navegação.

.

Neste momento, a única coisa que podemos ter quase como certa, e que a 7ª auditoria da troika se limitou a confirmar, é que o que aí vem não vai ser bom.

13 comentários leave one →
  1. Wall Streeter permalink
    18 Março, 2013 08:02

    Este governo conseguiu o impensável: colocar o país em pior do que aquele em estava quando em 2010 foi rotulado de em estado de «bancarrota».

    É obra!…

    Gostar

  2. André permalink
    18 Março, 2013 09:34

    Rui, não vou dizer que o seu texto está errado, fazê-lo seria estúpido e próprio de alguém que não quer ver a realidade do país. No entanto, denoto que o Rui não apresenta qualquer solução viável para o país, limita-se apenas a criticar tudo o que os outros possam tentar fazer.
    Na verdade, aquilo que eu depreendo deste texto é que o país só se pode aguentar com um perdão parcial da dívida, uma vez que não tem dinheiro para a pagar, como o Rui diz “o estado e o país estão tecnicamente falidos, por isto se querendo dizer que não produzem a riqueza suficiente para pagar a sua despesa pública e a dívida que ela acumulou ao longo dos anos.” No enatnto, os partidos mais à esquerda vêm nos dizer que a dívida não é para ser paga e deve tudo ficar como está. Obviamente isso também é uma falsa solução e é puramente demagógico. Se Portugal mantivesse o mesmo despesismo após um perdão parcial da dívida, voltariamos apenas a emitir mais dívida, aumentando de novo o défice e voltando à mesma situação.
    Não, aquilo que neste momento poderá salvar Portugal é uma política que mantenha o Estado Social (puro e simples, assegurando os serviços básicos como a educação, segurança, justiça, saúde, segurança social e cultura/ciência), sem que sejam feitas as grandes PPP e todas essas despesas que foram características do Estado durante muitos e longos anos.
    Eliminado o défice, concordo que o Estado possa nacionalizar umas empresas e privatizar outras. Não me levem a mal, mas para que é que o Estado precisa de uns estaleiros navais? Não precisa, se quiser novos navios, encomenda-os a uma empresa privada. Por outro lado, a energia e as águas, como bens essenciais à vida e à economia devem ser públicos, de modo a assegurar que as empresas apenas se preocupam em cobrir os custos e não em fazer lucro. Os transportes só devem ser públicos nos grandes centros urbanos, de modo a permitir que quem se desloca para as empresas não tenha de pagar passes elevadíssimos para as empresas privadas lucrarem. Não, os transportes nos centros urbanos devem apenas fazer cobranças para pagar custos, não devem ter lucros. A CGD deve ser pública, com a condição de ser um banco totalmente direcionado para apoios à criação de empresas exportadoras que dinamizem a nossa economia, tudo bem, pode ter os depósitos, mas todo o dinheiro da empresa deve ser usado para emprestar a juros mais baixos às pequenas e médias empresas que ainda exportam alguma coisa.
    Assim, as empresas públicas devem manter-se sem lucrar, apenas a pagar tudo o que gastam.
    Quanto às entidades privadas, como são privadas, é de esperar que os empresários não vivam dos apoios estatais. Eles devem produzir para o privado, não para o público (o que sempre aconteceu e contribuiu para aumentar a dívida).

    Gostar

  3. de-Cabral-a-Cabrões permalink
    18 Março, 2013 09:49

    Sem resgate moral não há financeiro que nos valha.

    Gostar

  4. Economista permalink
    18 Março, 2013 10:01

    @André:
    Esse modelo que descreve, Estatista, foi o que esteve em funcionamento em Portugal na década de 2000 a 2010.
    Foi o que nos grouxe até aqui, foi o que causou os déficits e endividamentos brutais das empresas de transportes, que levaram a banca quase à falência.
    Fico triste por perceber que a maioria da população ainda não percebeu…. Mas, quando se tem um martelo na mão, todos os problemas parecem um prego.
    O Estado NÃO PODE ter empresas e prestar serviços públicos. O Estado NÃO EXISTE! Existe o governo, composto por pessoas (políticos) que se apoderam dos nossos impostos e os governam, o que aceito pelo bem comum, mas não consigo entender porque é que um político eleito há de ser gestor ou ter capacidade para nomear gestores.
    Se queremos garantir energia, água, banca e transportes públicos, CONCESSIONE-SE o serviço a privados ao abrigo de um contrato de garantia de serviços mínimos. Sabiam que a maior parte dos hospitais já está nesse regime, e funciona bem para o interesse público?
    Assim não vamos lá….

    Gostar

  5. Hawk permalink
    18 Março, 2013 10:05

    Leio os comentários anteriores e pergunto-me se uma solução não seria os credores perdoarem a dívida e permitirem Portugal voltar a uma moeda só sua (saindo do euro). A partir daí o Estado podia aplicar as políticas keynesianas que entendesse e gerir o seu serviço de dívida com independência. Resumindo: a dívida era extinta se o país saísse do euro. Talvez esta hipótese seja ingénua, mas a questão é saber se funcionaria ou não.

    Gostar

  6. Economista permalink
    18 Março, 2013 10:57

    @Hawk:
    Sim funcionaria, mas talvez não como gostaríamos que funcionasse.
    A Argentina fez exactamente isso há 10 anos – após um plano de austeridade que não conseguiu aguentar, abandonaram o padrão dólar, converteram os depósitos todos em pesos, fecharam as fronteiras, nacionalizaram os bancos, e fizeram um calote monumental (o maior default de dívida pública da história).
    Hoje a Argentina é uma sombra do país que era, e caiu em todos os indicadores. As exportações subiram, é certo, mas o rendimento das famílias continua a milhas do que era antes do calote e abandono do padrão dólar.

    Gostar

  7. Trinta e três permalink
    18 Março, 2013 11:59

    Primeiro, chegaram aà conclusão de que o melhor era negociar mais tempo para pagar (medida que, na minha modesta opinião, não resolve coisa alguma, antes a agrava). Só foi pena terem-se esquecido de que essa proposta era “made in” PS. Agora, já muito adepto da austeridade assume a necessidade de renegociar a dívida ou de um “perdão parcial”. Seria de elementar honestidade não se esquecerem que, os primeiros a dizerem isso, foram Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã (o que me levou, na altura, a escrever, aqui, que era dessas áreas políticas que estavam a surgir as melhores propostas para defender a economia de mercado).

    Gostar

  8. André permalink
    18 Março, 2013 12:25

    Economista, até há pouco tempo concordaria com o que o senhor disse.
    Começando por analisar as concessões, acho que o senhor se esqueceu que o meu objetivo com empresas públicas é que as empresas funcionem apenas para cobrir os gastos sem quaisquer lucros. Obviamente isso não funciona assim atualmente (nem nas empresas públicas, nem nas privadas). O que eu lhe posso responder, por experiência própria, é que vivo num dos concelhos com a água mais cara do país. Incrivelmente, os concelhos com a água mais cara são concessões. Não sei até que ponto é que os preços elevados da água podem ajudar a que uma economia seja saudável (para não falar de que se está a encarecer um bem comum). Se o Estado fosse obrigar a que as concessões cumprissem limites de preços, no dia seguinte veriamos uma espécie de PPP onde o Estado pagava a diferença e só acabava com mais prejuízo para o Estado.
    Sabe, para um modelo estatista (assumo que o modelo que sugiro é estatista) funcionar, tem de ser estatista. Não é “o Estado paga 40000 passageiros à empresa privada quando só há 30000 passageiros”, ou “as autoestradas estão falidas, o Estado vai inserir mais dinheiro nessas concessões e depois as empresas têm lucros fabulosos de milhões de euros”. Também não é, certamente, o Estado injetar biliões de euros na banca sem depois ter participações proporcionais nos conselhos de administração. Isso é realmente estatismo, mas estatismo virado para a corrupção e para as grandes fortunas. Com isso (que foi o que se passou nos últimos 30 anos) é impossível para qualquer estado sobreviver. Mas os portugueses gostam, continuam a votar sempre nos três partidos (PS,PSD e CDS-PP, afinal são quatro) que agiram em conformidade com esse tipo de estado.

    Gostar

  9. nuno granja permalink
    18 Março, 2013 12:40

    scaring but real!

    Gostar

  10. Expatriado permalink
    18 Março, 2013 14:19

    Rui a. disse
    .
    “….Infelizmente, o estado foi somando erros sobre erros, durante muitos anos, na forma como foi lidando com os cidadãos e nas expectativas que lhes criou sobre o modo como deviam conduzir as suas vidas: confiando sempre na existência de direitos económicos inalienáveis, que o estado lhes garantiria caso lhes falhassem. Desgraçadamente, um modelo social paternalista, imobilista e inimigo da produção e da responsabilidade individual com anos e anos de consolidação…..”
    .
    Poe aqui o dedo na ferida. Sem se mudar esta mentalidade, nao ha’ resgate que nos valha!!!

    Gostar

  11. permalink
    19 Março, 2013 21:58

    Vamos apenas voltar àquilo que sempre fomos ou a ainda pior.

    Gostar

  12. Duarte permalink
    19 Março, 2013 22:18

    Dissolução da assembleia e consultemos o povo.
    Fica sempre bem numa democracia

    Gostar

Trackbacks

  1. Uma estratégia de recuperação que não podia resultar | O Insurgente

Indigne-se aqui.