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um sábado em família

23 Maio, 2015
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01

Tarde de sábado com pausa para a família. Exames escolares à porta e a canalhada agitada, agarrada aos livros. Duas crianças, a mais velha, o rapaz, com 13, e a mais nova, a rapariga, com 11. A mãe das duas amorosas criaturas, como todas as mães, em estado de exaltação porque os anjinhos não estudaram como deviam, nem sabiam o que precisam de saber para terem bons resultados nos exames. E os anjinhos, placidamente, a dizerem que sim, que tinham estudado tudo e que sabiam tudo, enquanto olhavam languidamente para a parafernália de portáteis e «gadgets» digitais espalhados pela sala. A única matéria em que aquelas duas pequeninas cabecinhas pensavam era, obviamente, a net e em como lhe podiam aceder rapidamente. Para confirmar o que todos os pais sabem – que não é o Príncipe das Trevas, mas são sim as crianças, sobretudo as que descendem de nós, o mestre da mentira, da dissimulação e do engano – a mãe anunciou à cria mais nova que a ia inquirir sobre a matéria que devia ter estudado.

Estava uma tarde soalheira e tranquila. Eu, próximo deste bucólico cenário familiar, começava a ler, pachorrentamente num sofá, o último romance de Eco. Rompendo o quase-silêncio de uma tarde de fim-de-semana de província, a voz da mãe iniciou o inquérito à nossa pequena e ingénua filha de 11 anos: «O que é um espermatozóide?»; «Como se compõe um espermatozóide?»; – Cabeça, tronco e membros, respondi, bem disposto, alheado do drama que começava a compor-se naquela sala. Subitamente, dois sopapos directos no estômago: «como é constituído o órgão sexual masculino, o pénis?». «O que é a ejaculação?». «O pénis», a «ejaculação»?! Arghhhhh, que violência! Ando eu a educar e a proteger a minha inocente filhinha de 11 anos dos pecados deste mundo e a escola manda-a estudar «O PÉNIS» e aquela coisa viscosa que ele fabrica? Protestei, carrancudo e com violência: a sala estoirou a rir. O rapaz anunciou que já estudara essa matéria há três anos. Pareceu-me, apesar de precocidade do pimpolho (my boy!!!»), natural: ele sempre é do sexo masculino, ou seja, já dispõe do objecto de estudo em causa – o material sobre que versa essa matéria -, o que é uma redundância que a próxima reforma escolar devia eliminar. Inflamado, protestei sobre a violência que é ensinarem semelhantes porcarias à minha pobre filhinha de 11 anos. Gargalhada geral. A cadeira a que pertence esta matéria é a de «Ciências da Natureza», informaram-me, e o capítulo onde se insere a Teoria Geral do Pénis chama-se «Reprodução Humana». «Reprodução humana»? Andam ai nas escolas a estudar isso? No meu tempo dissecávamos rãs e sapos. Ninguém falava em semelhantes porcarias a crianças ingénuas de 11 anos, disse à família cuja moral me compete proteger. Sala em delírio. Todos os três. O meu filho rebolava no chão, enquanto ria alarvemente. A mãe das crias secava as lágrimas do riso. A mais nova olhava-me cinicamente, com um olhar de comiseração e de paciente tolerância filial. Mas não me convenceram. Nem calaram. Por mim, até aos 18 anos de idade, as crianças devem aprender na escola que são as cegonhas que trazem os bebés de Paris. Aonde e a quem os vão buscar, isso é conversa para adultos. Deixando para trás a sala em delírio, abandonei-a indignado, seguido e apoiado pelos meus dois cachorros. Ainda há seres racionais neste mundo irremediavelmente transtornado.

18 comentários leave one →
  1. gr0uch0marx permalink
    23 Maio, 2015 20:38

    Meu caro, você nem imagina o que os seus filhos vão fazer daqui até aos 18… 🙂

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    • Joaquim Amado Lopes permalink
      23 Maio, 2015 23:00

      grouchomarx,
      O problema do Rui A. não é imaginar mas sim saber o que os filhos vão fazer daqui até aos 18.

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      • 24 Maio, 2015 08:48

        Eu acho que problema dele ( e de muitos outros) é tentarem saber o que os filhos já fizeram agora e uns anos antes.

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  2. Diogo permalink
    23 Maio, 2015 21:32

    Não sei de onde vem essa imagem mas o que está assinalado na imagem como canal deferente é na verdade a uretra.

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  3. 23 Maio, 2015 22:59

    Excelente.

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  4. licas permalink
    23 Maio, 2015 23:27

    rui a.

    Vou ser sincero. O seu post considero-o fantástico de garra e realismo: ri-me à farta. Quanto ao assunto propriamente dito, olhe, não me pronuncio: receio passar por
    anacrónico. É que a minha sobrinha-neta já vai quase nos 30 anos e a minha irmã nos 78. O que posso acrescentar é que compreendo muito bem o seu espanto, (mesmo que, apropriadamente, alguma arte tenha sido adicionada). Muitissimo bem.

    O tempora, o mores . . .

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    • licas permalink
      23 Maio, 2015 23:48

      Para ser um texto de Teatro só falta a descrição das personagens:
      Pai (40 anos) sentado num sofá, jornal na mão)
      Mãe (35), filho (13) e irmã (11) sentados à roda de uma mesa . . .

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  5. Euro2cent permalink
    23 Maio, 2015 23:36

    > seguido e a poiado pelos meus dois cachorros

    Excelente grafia, os cães são muito bons a dar toda sua poia (como se pode ver nos passeios de Lisboa).

    Mas o pior vai ser o olhar de piedade resignada com que vai ser contemplado quando descobrirem que não conhece 95% das definições do http://www.urbandictionary.com/

    Não mata mas moi.

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  6. Libertas permalink
    24 Maio, 2015 00:32

    O melhor texto de sempre do Rui Albuquerque.
    Assino por baixo.

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  7. JCA permalink
    24 Maio, 2015 07:18

    .
    Rui A omo o compreendo especialmente,
    “E os anjinhos, placidamente, a dizerem que sim, que tinham estudado tudo e que sabiam tudo, enquanto olhavam languidamente para a parafernália de portáteis e «gadgets» digitais espalhados pela sala. A única matéria em que aquelas duas pequeninas cabecinhas pensavam era, obviamente, a net e em como lhe podiam aceder rapidamente.”
    .
    Os anjinhos, incluindo os papás, o que os espera a maior ditadura de sempre em ‘democracia e liberdade’, o cashless ou seja acabar-se com as moedas e notas, tudo registadinho até ao paranóico, tal qual já montaram nos Impostos:
    .
    .
    What A Cashless Society Would Look Like
    http://www.zerohedge.com/news/2015-05-19/cashless-society

    .

    UK moves towards cashless society
    http://www.independent.co.uk/news/business/news/uk-moves-towards-cashless-society-10267215.html

    Uma inteligentissima ditadura como a raça humana nunca viu com livre expressão, livre informação. Tudo à fartazana em ‘democracia e liberdade’ mas a pior Ditadura que alguma vez o mundo viu.
    .
    A proposito qual é a posição dos Politicos sobre isto ? Zero apesar de estarem em campnahas eleitorais para ‘esclarecerem’ o eleitorado …… o que até este momento nehum Português viu qualquer esclarecimento, projeto vanguardista para morder e conquistar o Futuro. Pelo menos até agora, com risco de no dia seguinte ao ato eleitoral o ‘pelo menos até agora’ continue na mesma.
    .
    O que os Portugueses querem no dominio fiscal, proteção do direito à privacidade do cidadão, libertação da economia etc, o Capitalismo de Rosto Humano, ou seja põr na ordem a bandalheira politica de abusos que nem os piores Ditadores Eurpeus conhecidos at5é hoje ousaram, ainda nenhum Partido, Politico, ‘politologo’, prof catedratico, jornalista ou orgão de escrita imagem ou som respondeu em termos de campanha eleitoral. Sequer abordou.
    ,
    Nada de mal, a bola de neve cada vez enche mais. Soluçoes sustentadas em aliança com o sentir dos Cidadãos, viste-as … como dizia o outro.
    .

    .

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    • licas permalink
      24 Maio, 2015 11:50

      É

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      • licas permalink
        24 Maio, 2015 12:02

        É como se dizia outrora: uma no cravo outra na ditadura.

        Coreia do Norte – viagem paga pelo orçamento – para os
        “lamúrias Marx-emprenhados” cá do (mal frequentado) sítio
        porque aqui reina a mais feroz ditadura que jamais alguém
        – algum ditador – teve a ousadia de implantar.

        Este bestiário produz cada “espécimen” . . .

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    • lucklucky permalink
      24 Maio, 2015 16:18

      Muito bem JCA a referir-se à próxima tirania Comunista- Social Democrata:
      Fim da moeda física.

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    • 24 Maio, 2015 23:01

      ninguem ligou a essa noticia , de na dinamarca quererem tudo com dinheiro electronico. eh incrivel , quer dizer , obrigam -nos a ser cliente do banco . nascemos , e junto com o nif vem logo o n’ da conta bancaria ? essa gente da dinamarca estah podre , e devem ser todos pencudos. isto para alem da cusquice , tudo controladinho . nojento.

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  8. Rui Lemos permalink
    24 Maio, 2015 07:52

    Pois é mas o descrito sobre o “de cujus” nada é comparado com o acordo hortográfico.
    Aqui sim, aqui tem material à farta para aprender como se reproduzem os nabos deste país.
    Ainda no Horto 90 pode apanhar lagartixas, borboletas e outros moluscos para o mesmo fim

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  9. Ruca permalink
    24 Maio, 2015 11:03

    Este texto fez-me sorrir. Por isso gostei. Mas, se me é permitido, fiquei a saber que o rui a. já deve ser bem crescidinho…. Porque eu, que já o sou, e se não me engano, também estudava essa coisa dos órgãos reprodutores no antigo “ciclo” (ou seria escola preparatória?). Mas, se bem me lembro, estudava-se o pénis como se estudava o fígado ou outra coisa qualquer…. O problema devia estar nas mentes dos mais crescidos, ou da senhora professora… ou dos mais precoces. Porque, realmente, volta e meia havia um ou outro que dava uns risinhos… E assim se foi começando a perceber que os órgãos sexuais não eram bem iguais a um pulmão ou ao próprio cérebro. Se calhar era por isso que se tinham de “esconder”.

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  10. 24 Maio, 2015 14:37

    A minha tia Amarilda diz que o canal deferente não é o indicado na figura, mas sim aquele risco que na imagem sobe desde o epidídimo, contorna a bexiga e acaba na vesícula seminal. Também diz que o pénis é muito pequeno.

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  11. 25 Maio, 2015 15:01

    estudei isso aos 11 também 🙂

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