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Nomes convenientes para a incúria*

20 Fevereiro, 2008
Agora que as imagens de Rio e Mouro, Loures, Alcântara estão vivas na nossa memória e somos confrontados com o facto de 24 horas de chuva trazerem o caos a Lisboa talvez seja o momento adequado para reler a entrevista que João Corte-Real deu há duas semanas ao semanário “Expresso”. >Nessa entrevista o mais antigo investigador português do clima e o nosso único professor catedrático em meteorologia declara algo que esta semana se tornou tragicamente evidente: “O clima não é uma constante, é por natureza variável, e o planeta Terra já foi sujeito a alterações climáticas no passado, para climas mais quentes e mais frios, e nunca houve um fenómeno catastrófico. Agora, muitos dos acontecimentos dramáticos que hoje observamos resultam ou de incúria ou de falta de adaptação a essas situações.

E o professor Corte-Real deu um exemplo concreto dessa incúria: “Por exemplo, estamos a viver de novo cheias em Moçambique e mais uma vez as populações estão a ser sujeitas a fenómenos desastrosos para a sua vida pessoal, mas a verdade é que estas cheias são previsíveis e não há nenhuma medida muito visível para proteger as populações, que continuam a viver nos mesmos locais, com os mesmos hábitos.” Onde está Moçambique coloque-se Rio de Mouro e chegamos exactamente à mesma conclusão.

Provavelmente nunca, como agora, se falou tanto de clima. E provavelmente também nunca como agora se assistiu a uma tal manipulação a propósito do clima. A linguagem sobre o clima adoptou uma terminologia entre o militar – alertas vermelhos e amarelos combinam-se com guerras para salvar o planeta – e o místico. A nossa simples presença na Terra tornou-se uma espécie de pecado original transferido agora da tentação da árvore do conhecimento para as emissões de CO2. E entre tanta iniciativa para salvar o planeta, onde até se conta a proposta da criação de uma ONU para o efeito, não se previne o essencial e previsível como as consequências das cheias cíclicas dos rios. Quando o ministro do Ambiente e Ordenamento do Território explica tranquilamente que as cheias não são da sua competência dá conta desta transformação do Ambiente. Este deixou de ser visto como uma política que visava melhorar a qualidade de vida e tornou-se num assustador instrumento de controlo da vida dos cidadãos. Quem senão os ministérios do Ambiente podiam, em países democráticos, aprovar medidas como o direito dos seus inspectores vasculharem o lixo dos cidadãos para os multar caso os seus detritos não obedeçam a determinados critérios de triagem? Ou arrogar-se a pretensão de colocar um chip no caixote de cada casa de modo a determinar que tipo de lixos aí se produz? Tudo isto nos chega sob o pretexto da salvação do planeta e do combate às alterações climáticas, matéria sobre a qual falam muito mais os jornalistas, os políticos, os dirigentes de associações do que os especialistas de clima propriamente ditos: “Em Portugal há uma dezena de cientistas ligados ao clima que está fora de todo o processo nacional e internacional de preparação de medidas para enfrentar as alterações climáticas. A composição da delegação portuguesa na Cimeira de Bali é um bom exemplo desta realidade.” – declarou Corte-Real ao “Expresso”.

De facto esta delegação era liderada por um especialista em Direito Internacional, Nuno Lacasta. E para consumo interno o Comité Executivo da Comissão de Alteração Climática é constituído pelos sub-directores-gerais ou equiparados dos ministérios das Finanças, Economia, Negócios Estrangeiros; Agricultura; Obras Públicas; Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Ou seja por pessoas escolhidas administrativamente. E não por aquilo que sabem de clima. Ao representante do Ministério do Ambiente que exerce as funções de coordenador do comité executivo exige-se que seja licenciado mas não se diz em quê. Mesmo aos três especialistas que podem assessorar cientificamente este comité pede-se-lhes “experiência profissional em áreas como ambiente, economia, finanças, direito ou energia.” Conhecimentos na área do clima é que não. Anedótico não é?

*PÚBLICO 19 de Fevereiro

18 comentários leave one →
  1. Desconhecida's avatar
    20 Fevereiro, 2008 11:41

    Adorei.
    Então quando diz “nunca como agora se assistiu a uma tal manipulação a propósito do clima”, até me ri.

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  2. Desconhecida's avatar
    Anónimo permalink
    20 Fevereiro, 2008 11:46

    Ficava mais bonito dizer onde está Tewkesbury na Inglaterra, Puerta de Segura na Andaluzia, ou na França, Belgica, Italia, Grecia,… este ano foi cheias em todo o lado. Tudo países atrasados.

    Em Moçambique as cheias sao demasiado trágicas para comparar. E os meios de socorro e de aviso sao mesmo inexistentes.

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  3. Desconhecida's avatar
    Anónimo permalink
    20 Fevereiro, 2008 11:50

    “Tudo isto nos chega sob o pretexto da salvação do planeta e do combate às alterações climáticas,”

    Vi no outro um mar de plástico que se estende do Japao ao Hawai. Quilometros e quilometros de lixo plástico flutuante. Uma imagem linda.

    Sim certamente o lixo é um problema menor. Desaparece mistreriosamente das nossas portas e nunca mais o queremos ver nem saber para onde vai.

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  4. Desconhecida's avatar
    Helena Matos permalink
    20 Fevereiro, 2008 11:55

    As cheias nada têm de novo. E não só existem há muitos anos como também há muitos anos temos meios e mecanismos para as enfrentar.

    No caso português governo algum pode ser responsabilizado por existirem cheias mas quer os governos quer as autarquias quer os cidadãos têm grandes responsabilidades no exponenciar das consequências dessas cheias.

    E para que os anjos da guarda de Nunes Correia deixem de estar tão nervosos deixemos de lado o actual ministro do Ambiente. Pensemos em Alberto João Jardim e na Madeira e nas cheias que tiveram ligar nessa ilha há alguns anos. As construções em leito de cheia das ribeiras da ilha agravaram as consequências das cheias. Ou será que por solidarieddae com Nunes Correia temos de dizer que não?

    Por fim as cheias em Moçambique são demasiado trágicas não por si mesmas mas simplesmente porque não exisytem meios ara as enfrentar. E nada disto tem a ver com alterações de clima. Tem a ver com incúria humana.

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  5. cicuta para os f da p's avatar
    cicuta para os f da p permalink
    20 Fevereiro, 2008 11:55

    submeter os politicos a dois sulplicios doutrora
    merda em boca
    morrer empalado

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  6. Desconhecida's avatar
    Helena Matos permalink
    20 Fevereiro, 2008 11:56

    O lixo não é um problema menor mas não é para aqui chamadao

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  7. Desconhecida's avatar
    Anónimo permalink
    20 Fevereiro, 2008 12:01

    O lixo apareceu porque mencionou o caso do andarem a vasculhar os baldes de lixo algures nuns países que estao uns bons anos à frente e onde a tal incúria de que fala é crime para toda a gente.

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  8. Desconhecida's avatar
    Helena Matos permalink
    20 Fevereiro, 2008 12:07

    Se o lixo vai parar ao mar isso não dá certamente o direto a ninguém de vasculhar os caixotes de cada um.

    O que está em causa é o tratamento que se dá ao lixo. Será aliás curioso saber qual a origem esses plásticos.

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  9. Piscoiso's avatar
    20 Fevereiro, 2008 12:09

    Acho estranho que essas casas construidas nessas zonas, não tenham sido projectadas por Sócrates.

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  10. Desconhecida's avatar
    Anónimo permalink
    20 Fevereiro, 2008 12:15

    “Ou será que por solidarieddae com Nunes Correia temos de dizer que não?”

    Nao. Nao temos que fechar os olhos. Mas também nao temos que comparar com a tragédia e a desgraça de Moçambique. Nem por perto, felizmente. Recuso tamanha depreciaçao das capacidades do país. É que nem 8 nem 80. Sempre a deprimir o mais possível. Chateia-me.

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  11. Desconhecida's avatar
    Doe, J permalink
    20 Fevereiro, 2008 12:16

    “Vi no outro um mar de plástico que se estende do Japao ao Hawai. Quilometros e quilometros de lixo plástico flutuante. Uma imagem linda.”

    E aí de quem se atreva a procurar produtos alimentares que não estejam devidamente embalados em celofane certificado, purificado e obrigatoriamente etiquetado. Chamem a ASAE!
    E aí de quem se atreva a procurar por um galheteiro de vidro na tasca da esquina. Chamem a ASAE!
    E aí de quem se atreva a procurar por uma colher de pau. Chamem a ASAE!
    E aí de quem se atreva …

    Erom dez para uma no restaurante
    Almoçaba alarbemente
    A meio do café um garçom pedante
    Chigou-se e pos-ma conta frente
    Atom bubi o brande todo dum trago,
    Berrei pró home num pago, num pago;
    O gaijo braunco chamou o girente,
    Saltei pa trás, saquei, saiu o pente…
    Pra num andare cadeiras pru are,
    Atom pus-ma gritare:

    Chamem a ASAE, chamem a ASAE,
    Chamem a ASAE queu num pago.

    Fui ver Lisboa a noite
    Parei no Russio
    Numa noite sem frio
    Mandei bir uma cola
    E um gradanapo
    E o cara de sapo
    Pediume logo o taco o malcriadom
    Num me cuntibe passeilhe um sermom
    Disse qu’era uso da cunfeitaria
    Qu’era mais siguro no tempo que curria.

    Chamem a ASAE, chamem a ASAE
    Chamem a ASAE, chamem a ASAE

    Alarve e descaradamente fanado e adaptado dos
    Trabalhadores do Comercio
    http://www.trabalhadoresdocomercio.org 😉

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  12. ouriço caixeiro's avatar
    20 Fevereiro, 2008 12:47

    josé Manuel Faria Diz:
    20 Fevereiro, 2008 às 11:25 am
    Não há nenhum post sobre o financiamento do PSD pela somague?

    AO Faria, ninguem respondeu, – ninguem colocou um destacado post.

    Já não se estranha, tudo normal, como na Bestega.

    Os ultimos meses tem sido um fartote, desde fotocopiar o ministerio da guerra, – É pá, o gajo assina qualquer merda, o gajo é o ministro – O ZE MAnel pira-se sem apresentar contas – a CML endividada ate aos cabelos , resta saber, se ainda estamos a pagar o AUdi 8 blindado – de facto, o temporal é muito, as cheias alagaram a PJ . – prenderam o contabilista da Expo, por mero acaso, e os outros, param a aonde? – isto não é uma cheia é um diluvio

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  13. Desconhecida's avatar
    20 Fevereiro, 2008 12:49

    Daqui a dois anos (será que um?) ninguém se vai lembrar desta cheia – excepto os afectados, mas isso é de menor importância.

    No entanto, quem é que se esqueceu já dos jogos do Europeu de futebol de 2004 e do nosso 2º lugar?

    Sejamos optimistas.

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  14. ouriço caixeiro's avatar
    20 Fevereiro, 2008 12:51

    O grande crime, afinal prende-se em saber se o Socrates é Inginhiero e se é, se pode assinar projetos e se o fez foi ele que fez os traços e se fez os traços, fez com lapis ou lapiseira e o papel era o Cavalinho ou era do Chines, se era do chines pediu factura…enfim, o Blasfemias, assumiu por completo o esquecimento

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  15. JoaoMiranda's avatar
    JoaoMiranda permalink*
    20 Fevereiro, 2008 12:57

    ««Vi no outro um mar de plástico que se estende do Japao ao Hawai. Quilometros e quilometros de lixo plástico flutuante. Uma imagem linda.»»

    Possivelmente esses pláticos poderão servir de suporte para o desenvolvimento de vida marinha em alto mar, onde ela costuma ser mais escassa.

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  16. ouriço caixeiro's avatar
    20 Fevereiro, 2008 12:59

    Utilizar a desgraça alheia é de mau tom, não fica bem – para as mortes a suas familias o meu pesar – quem ca ficou, mesmo com prejuizo, pode dar graças a deus ou a alá, como queiram – o Rio Trancão saltou as margens e inundou Sacavem, esta num baixio, o que devia ser uma marina e um campo de Golf, esta um quartel, restaurantes, paragem de autocarros e pilantras – o caminha dar é arrasar com a actual Sacavem e dar um lugar a um campo de lazer com um lago artificial – degradante Sacavem, sempre imperou o PCP dos coiratos e das febras de porco

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  17. Desconhecida's avatar
    20 Fevereiro, 2008 15:08

    A culpa é de Deus. Ponto final

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  18. oscar's avatar
    oscar permalink
    20 Fevereiro, 2008 16:03

    É impossivel haver uma adaptação, quando a população é tão grande e concentrada nos centros.
    Mas como aqui professam a ideia que o único limite é a inteligência humana, só me resta desejar que o vosso Deus, que vos deu um mundo tão pequeno, vos dê tambem juízo.

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