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Parada do Vento

6 Julho, 2009

No próprio acesso ao parque de estacionamento estava arrumadinho um automóvel. Bizarro parque este, que nem trata de desimpedir a sua entrada! Mas o pior estava para vir. Ou seja, o pior aconteceu quando abri a porta do carro e, por momentos, acreditei ter estacionado num urinol. Como os jornais não têm cheiro, dificilmente se pode explicar o odor que emanava do chão do dito parque de estacionamento. Olhando para a cabine onde se efectuam os pagamentos, percebi que a utilização intensiva como WC daquele parque vai deixando vestígios no chamado mobiliário urbano. Tudo aquilo tem um aspecto mal cuidado e sujo. Este parque de estacionamento fica em Lisboa, mais precisamente em Benfica, é gerido pela Emel, que não considera ser sua competência limpar o parque, ordenar o estacionamento ou fazer algo mais do que manter em funcionamento as cancelas que asseguram o pagamento. E ali, no meio daquele cheiro nauseabundo, olhando as cancelinhas que subiam e desciam ao ritmo dos pagamentos, confirmei algo de que já suspeitava: as alfaces são um ícone ultrapassadíssimo. Não que os lisboetas tenham desistido de comer alfaces. Antes pelo contrário, comem-nas com aquele entusiasmo insuperável e insuportável dos devotos da religião da saúde. Simplesmente, as alfaces agora são apenas alfaces. O que neste século XXI simboliza os lisboetas não são as alfaces. É sim a Parada do Vento. Dir-se-á que no meio daquele pivete o vento seria uma bênção. Certamente. Mas não só ali. O vento mostra-nos melhor que mil palavras a estranha forma de vida da autarquia lisboeta. Para quem não se recorde, a Parada do Vento foi anunciada em Fevereiro do ano passado. Começou por ter uma designação apropriadamente em inglês, Wind Parade 2008, e constava de 25 torres eólicas, com a altura de quatro andares, que iriam ser instaladas junto da segunda circular, no Jardim Amália Rodrigues, no Parque Recreativo dos Moinhos de Santana, no Alto da Serafina, no Parque da Belavista, na Avenida da Índia, nos Olivais, na Piscina Municipal da Boavista, na Avenida Calouste Gulbenkian, junto à Cordoaria Nacional e na Avenida Padre Cruz. A Wind Parade surgia apadrinhada pelas European Wind Energy Association, Sustainable Energy Europe e Associação Portuguesa de Energias Renováveis. Os press releases acrescentavam que “o evento Wind Parade 2008 se caracterizava por ser uma acção de comunicação de grande visibilidade e impacto assente na colocação de microturbinas eólicas a produzir electricidade”. Um road-show pelas escolas de Lisboa propunha-se obviamente sensibilizar as crianças “para as questões das alterações climáticas e eficiência energética”. O vereador Sá Fernandes sabia de fonte certa que cada turbina, por ano, pouparia até 2,15 toneladas de CO2 e daria um rendimento de 2184 euros. Em Março, as turbinas já estavam reduzidas a quinze. Depois descobriu-se que Lisboa é ventosa, mas, ó capricho de Bóreas e seus irmãos, os ventos da cidade livraram-nos no passado de várias pestes mas não correm de feição a produzir energia. E logo a Wind Parade ficou transformada num evento simbólico em que se colocariam apenas algumas turbinas, quais instalações em espaços públicos, para que o cidadão a elas se habituasse. Mas nem isto sobrou. Simplesmente não aconteceu nada. Ou seja, aconteceu o costume: o estudo preciso que dava credibilidade à iniciativa deixou de fazer sentido. As contas de poupar CO2 e vender energia desapareceram. E todas aquelas associações e empresas que apoiavam, dinamizavam e consideram o projecto interessantíssimo devem ter sido levadas pelo vento para outras paragens, pois nem uma palavra se lhes ouviu quando o mesmo saiu de cena. Mas Lisboa é ela mesma há muitos anos uma Parada de Vento: o presidente, seja ele António Costa, João Soares ou Santana Lopes, empenha-se no anúncio de grandes intervenções, de obras que vão mudar a cidade e de medidas de fundo. Da contestação e da defesa dessas obras se anima e alimenta a vida municipal, isto, claro, na estreitíssima folga que é dada aos presidentes e vereadores pela própria máquina da autarquia. Pois sendo os presidentes da CML eleitos em função de campanhas em que falam da cidade, uma cidade um bocado imaginada mas apesar de tudo cidade, mal se vêem nos paços do concelho declaram, certamente animados pelas melhores intenções, que vão arrumar a casa para em seguida tratarem da cidade. Com uma assombrosa regularidade, acabam invariavelmente a desgastar-se e a gastar cada vez mais dinheiro e tempo com a manutenção e gestão da própria máquina autárquica do que com a cidade propriamente dita. Entretanto, Lisboa vai-se degradando. E é com essa cidade que as pessoas se confrontam. Seria bom que nas próximas autárquicas, para lá do amor, da paixão, do sentido e de tudo o que de marcante quiserem fazer por Lisboa, os candidatos falassem disto:

A tralha nos passeios. Temos painéis para publicidade. Marcos do correio cada vez maiores e estranhamente menos robustos donde, apesar do seu gigantismo, estarem frequentemente selados. Quiosques de jornais que não funcionaram mais do que uns meses. Restos dos quiosques Infocid que supostamente deveriam ter sido “um espaço de importância transcendental para a administração pública que fará ganhar o país” e para ali estão apagados, andaimes que se eternizam e sobretudo uns nauseabundos equipamentos para reciclagem. O modelo escolhido não se ajusta aos objectos que deveriam acondicionar; logo sobram papéis e embalagens por todo o lado. Como se isto não bastasse, umas almas bem-intencionadas mas pouco sensatas resolveram passar a acondicionar o óleo dos fritos numas garrafas, frascos e potes que colocam ao lado dos ditos “papelões”, “vidrões” e “plasticões”. Entre óleo entornado, cartão que não cabe no “papelão” e plásticos que ninguém sabe onde colocar, estes equipamentos representam tudo aquilo que não deveria acontecer.

Mercados municipais. A única coisa que os autarcas em Lisboa ainda não fizeram pelos mercados municipais foi experimentar eles mesmos vender peixe e hortaliças. O problema dos mercados municipais em Lisboa é uma constante noticiosa desde que, nos anos 70 do século passado, os supermercados começaram a praticar horários alargados. O chamado comércio tradicional começou por processar os supermercados por estes quererem trabalhar nos sábados à tarde. Os comerciantes acabaram por perder primeiro a guerra e depois muitos deles perderam também a clientela. Já quem tinha banca nos mercados municipais recusou olimpicamente todas as propostas municipais para abrir aos fins-de-semana. E assim chegámos várias décadas depois com os ditos mercados em franco declínio e muito dinheiro municipal gasto para os dinamizar. Seria bom que para lá dos beijos e dos abraços às peixeiras os candidatos fizessem na campanha que se avizinha umas pequenas compras e tentassem levá-las até ao carro. Descobririam que é dificilímo: nos mercados municipais podem faltar coisas tão baratas quanto um vulgar carrinho de supermercado que permita transportar as compras e em muitos casos não existe parque de estacionamento. Não há apego ao tradicional, campanha de marketing ou investimento que convença alguém a carregar com cinco quilos de batatas nas mãos quando noutro lugar as pode simplesmente enfiar num carro de compras.

As obras. Os candidatos deviam fazer um roteiro que os levasse do cemitério de Carnide ao parque de estacionamento das Portas do Sol. Estas obras têm em comum o terem envolvido vários executivos lisboetas, custarem caríssimo e não funcionarem. O país tem discutido muito se deve ou não avançar para grandes obras como o TGV ou o novo aeroporto. É excelente que se discutam essas opções. Mas grande parte do nosso endividamento resulta não das grandes obras que fizemos mas sobretudo destes disparates que se multiplicam às centenas pelo país. Como é possível que a autarquia de Lisboa não tenha conseguido escolher o terreno adequado para um novo cemitério onde gastou dez milhões de euros? Que tenha gasto 5 milhões de euros num parque que ninguém procura? Alguém de bom senso entrega o carro a um autómato num parque cujo exterior está todo grafitado e emporcalhado?… E, já que estamos em maré de dinheiro, podemos saber quanto custou a recuperação do Teatro Taborda? O mesmo que, segundo a CML, a companhia Teatro da Garagem que aí esteve instalada terá danificado. Segundo dados da Direcção-Geral das Artes, o Teatro da Garagem terá recebido no ano passado 240 mil euros. Não sei se chega para pagar os danos, mas certamente que será uma boa ajuda.

*PÚBLICO

19 comentários leave one →
  1. 6 Julho, 2009 15:29

    Não podia publicar isso em fascículos?

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  2. Marafado de Buliquei-me permalink
    6 Julho, 2009 15:34

    Começa com uma redacção sobre a merda e termina com uma merda de redacção !

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  3. JP Ribeiro permalink
    6 Julho, 2009 16:08

    Pois sim, mas o António Costa já tem na 2ª Circular um poster gigante a dizer Missão Cumprida, ou qualquer coisa no mesmo género, com a foto do senhor todo contente.

    Tanto nos tomam por estúpidos que “viramos” mesmo estúpidos?

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  4. Anónimo permalink
    6 Julho, 2009 16:09

    com tanta folha e publicado no púdico, isso de ve ser o pugrama do santana para lisboa.

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  5. Agente em Havana permalink
    6 Julho, 2009 16:15

    Click to access CamLisboa_assessores.pdf

    Isto só lá vai com a assessoria

    Ele, o queriducho, com cheiro a Patcholi, que não se esqueça nomear a Bibá Pitá

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  6. Marafado de Buliquei-me permalink
    6 Julho, 2009 16:19

    Há lá uma que só ganhou (?) 3 090,00 Euros… coitada !!!

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  7. 6 Julho, 2009 16:42

    António Costa tem afixado, em Lisboa, cartazes com a palavra CUMPRIMOS!

    Desafio-o, então, a visitar a colecção de horrores que em baixo se indica e a dizer-nos, sem se rir, quantos (e quais) desses problemas foram resolvidos – alguns remontam a Abril de 2008…

    COSTA E O CAOS – [aqui]; PRÉMIOS ANTÓNIO COSTA – [aqui]

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  8. Agente em Havana permalink
    6 Julho, 2009 16:44

    Ele tambem vai á Igreja do Rato?

    O “Patcholi” é doidão por hostias.

    Não era que dizia – que já era do Sporting antes de ser do ppd/psd? pois, vai daí foi ao “canal caneira” saber da “poda”, não confundir com o outro termo que não se diz em publico

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  9. Agente em Havana permalink
    6 Julho, 2009 16:52

    Parte do País, está na miseria, outros, ganham aos milhares sem fazer nada, conforme pode-se ver na “assessoria” da CML e fora as 3 e 4 reformas a 100%.

    Estamos safos, se não fosse os torneios de Golf, Qtª da Marinha, os pobrezinhos estavam na pura miseria

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  10. 6 Julho, 2009 16:54

    «a Parada do Vento
    foi anunciada em Fevereiro do ano passado. Começou por ter uma designação apropriadamente em inglês, Wind Parade 2008, e constava de 25 torres eólicas,… Em Março, as turbinas já estavam reduzidas a quinze. …E logo a Wind Parade ficou transformada num evento simbólico em que se colocariam apenas algumas turbinas, quais instalações em espaços públicos, para que o cidadão a elas se habituasse. … Simplesmente não aconteceu nada. Ou seja, aconteceu o costume: o estudo preciso que dava credibilidade à iniciativa deixou de fazer sentido»

    Miss Helena
    tinha este bilhete para lhe enviar, desde que li o seu artigo há dias:
    “O quinto império”

    Em português, as palavras são um simples meio de simpatia, ou o seu contrário. As pessoas perdem assim horas em conversas inúteis, só com o fim de garantir a sua estima recíproca (95)
    Uma das particularidades portuguesas: o gosto da pequena polícia, a que mantém relações sentimentais como povo. A sua arte de bisbilhotar, de procurar por trás, de inventar razões e causas, a um tempo teima de funcionário e regressão à inteligência infantil. Ou bem que os portugueses não fazem nada, ou bem que vão até ao último pormenor e, chegados aí, largam tudo como de costume (196)
    Cada cinquenta anos, o país sonha ser a primeira sociedade liberal avançada do mundo. Cada cinquenta anos, o libertário volta à superfície. Procura-se então um banqueiro ou um professor de economia capaz de casar meio século de bordel com O Espírito das Leis (223)
    Os portugueses nunca descobriram nada, senão a Índia no século XVI.
    Sem endereços e todos com o mesmo nome, obedecendo a dois ou três pequenos princípios, entre os quais o de inventarem títulos… (302)
    Dominique de Roux (1977, Paris)

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  11. Bloody Mary permalink
    6 Julho, 2009 17:17

    Excelente artigo.
    Mas cuidado com as ratazanas do Largo dos Ratos – andam por aí e dão com cada dentada!

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  12. O puto novo no bairro permalink
    6 Julho, 2009 17:45

    O artigo começa com o cheiro a latrina, típico de muitos pontos de Lisboa, e acaba com bordoadas suaves ao vento – desde Augusto Abelaira, ou antes, que se “escreve na água”. Cedo desaparece essa literatura.

    È exemplar e português, bater no vento. Obrigado pela ideia, hoje vou desancar o suão.

    Quanto ao lixo que está por toda a parte, principalmente nas cabeças, queriam uma sociedade industrial sem um fartote de lixo quase igual aos dos produtos fabricados?

    Lixo, lixo, lixo e bater no vento, eis Portugal num telegrama.

    With sympathy for the devil Helena.

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  13. Basico permalink
    6 Julho, 2009 17:52

    A Helena podia ter resumido tudo isto em 4 palavras.

    Lisboa
    Parada no Vento

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  14. Historia não Engana permalink
    6 Julho, 2009 18:06

    Manuel Pinho não entregou nenhum cheque à equipa de Aljustrel.

    O PCP dizia que sim

    logo apos o 25 abril, o PCP, dizia, ou alguem por ele, que o Alm Tomaz recebeu 500 contos pela compra do Santa Maria.

    Estas denuncias, era suficientes,

    cujas tecnicas de Estaline, para os mandar, os visados para Gulag

    Foram milhões de casos como historicamente, hoje, sabe-se qur assim era

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  15. Anonimo permalink
    6 Julho, 2009 19:27

    5Julho09
    A única coisa que Manuela Ferreira Leite prometeu aos portugueses é que ia realizar sempre uma política de verdade, sobretudo ia sempre falar a verdade aos seus concidadãos. Não durou muito tempo a única promessa da líder do PSD após a vitória nas eleições europeias. Questionada sobre os negócios ruinosos que fez para o País quando ministra de Estado e das Finanças, Manuela Ferreira Leite, sem nenhum pudor, negou o seu papel activo na venda da rede básica de telecomunicações à Portugal Telecom, por 365 milhões de euros.

    Mesmo depois de terem sido distribuídos aos jornalistas documentos escritos – actas do Conselho de Ministros de 2002 – assinados por Manuela Ferreira Leite com preâmbulos classificando a operação de venda “uma medida muito boa de gestão financeira do Estado”, mesmo depois de tudo isso, a líder do PSD, embrulhada nesta teia para enganar os portugueses, continuou a afirmar que aquilo não era uma decisão sua. Hoje só Manuela F. Leite acredita nessa farsa. Objectivamente, o que fez Ferreira Leite? Mentiu, mentiu repetidamente, e não teve sequer a dignidade de vir pedir desculpa aos portugueses por actos que deitam por terra a máscara de “rigor” e de “verdade” que afivelou para as eleições de Setembro. Quem mente desta maneira quase ou nunca fala verdade.

    Os portugueses que vão votar para escolher quem deve governar Portugal têm que ir vendo, ouvindo, avaliando quem oferece mais garantias para conduzir os destinos do País. Esqueçamos as mentiras de Ferreira Leite. Avaliemos a questão da governação por outro prisma. A líder do PSD, até hoje, não foi capaz de dizer uma só palavra sobre as soluções que tem para o País, de apresentar propostas alternativas às do Governo actual em nenhuma área. Limita-se a dizer que vai mudar tudo. Acaba com o TGV, acaba com o novo aeroporto, acaba com todas as decisões tomadas na área da Educação, acaba com as soluções da ministra da Saúde, acaba com os investimentos nas áreas tecnológicas, enfim… acaba com tudo. Mas o que é mais grave é que Manuela Ferreira Leite, nesta versão ‘caterpillar’, acaba com tudo mas não diz o que vai fazer depois de acabar com tudo.

    Como é que o povo português pode entregar o seu voto a uma dirigente que ou não sabe o que vai fazer, ou esconde dos portugueses a política que vai adoptar? Não há memória de, em democracia, aparecer alguém a querer ser primeiro-ministro com um programa de trabalho contido num só ponto: destruir, destruir, destruir. E depois como vai ser?

    Emídio Rangel, Jornalista

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  16. fado alexandrino permalink
    6 Julho, 2009 20:16

    Gostei do artigo.
    Gostei das criticas.
    Nenhuma delas aponta nenhum erro de facto na crónica.
    São estados de alma.

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  17. 6 Julho, 2009 20:57

    Já agora por falarem em vento, vale a pena blasfemar sobre o estado do País:
    http://ecotretas.blogspot.com/2009/07/viver-na-idade-media.html

    Ecotretas

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  18. fado alexandrino permalink
    6 Julho, 2009 22:58

    Coloquei no meu blog um post citando o seu comentário.

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