Coisa tramada a memória*
Quando José Pedro Aguiar Branco afirmou na Assembleia da República “O moralismo ideológico cega-nos e faz-nos esquecer o óbvio” e perguntou porque não haveria de gostar de Zeca Afonso a parte que se senta à direita do hemiciclo estava a recuperar uma pergunta com 35 anos. De facto há 35 anos, mais precisamente em Abril e Maio de 1975, discutia-se se o PPD podia ou não cantar a Grândola. O autor da canção, Zeca Afonso, achava que não e escreveu-o claramente num texto que enviou para as redacções. Aí indignava-se com o que definia com o “abuso ou despudor” da canção “Grândola, Vila Morena” ter sido cantada num comício promovido a 11 de Maio desse ano pelo PPD, partido que diz ter como dirigentes “defensores da censura fascista e continuadores da ordem colonial”. Gera-se em seguida uma polémica em que esta apropriação da “Grândola, Vila Morena” por parte do PPD é definida a dado momento como uma situação ridícula à qual era urgente colocar um fim. O fim não se sabe como chegaria porque meses depois a Revolução acabou como começou: ou seja não se percebeu exactamente como nem quando.
O PCP assegurou tranquilamente por via constitucional e pelo controlo da administração pública o que nem sequer era certo que conseguisse por via revolucionária, a extrema-esquerda foi devidamente neutralizada e a “Grândola, Vila Morena” foi-se ouvindo cada vez menos. A não ser naqueles espectáculos-rituais em que os outrora jovens cantores da intervenção, agora cada vez mais velhos, dão os braços e se embalam, cantando-a, como quem regressa a um tempo que já não é o seu e que, embora nunca o afirmem, parecem aliviados por ter terminado.
Curiosamente a questão de quem pode cantar, em Portugal, “Grândola, Vila Morena” voltou a colocar-se nas últimas presidenciais mais precisamente quando ela foi cantada em Grândola pelos apoiantes do então candidato Cavaco Silva. As reacções não se fizeram esperar e como que nos devolviam a um PREC embora em versão verbalmente light: “O séquito de Cavaco Silva deve ter feito figas atrás das costas enquanto cantava o “Grândola, Vila Morena”, ontem numa sessão de propaganda eleitoral naquela cidade alentejana. Para muitos deles, a começar pelo candidato, deve ter sido a primeira vez na vida. Ainda os veremos a cantar a Internacional, no Barreiro. Não haverá limites para o oportunismo eleitoral?” – perguntava Vital Moreira no blog Causa Nossa. Parafraseando Aguiar Branco “O moralismo ideológico cega-nos e faz-nos esquecer o óbvio”. Mas para lá do óbvio mais imediato que passa por, como respondeu a Zeca Afonso uma leitora do “Diário Popular” em Maio de 1975, o povo ter o direito de cantar o que quer sem ter de pedir autorização quiçá por escrito a quem, por ironia, tanto falava em seu nome, resta-nos um outro óbvio ou, melhor dizendo, o tremendo equívoco em que baseia a nossa democracia. Equívoco esse que se quisermos puxar um pouco mais pela memória nos leva não ao PREC mas sim à I República e ao seu célebre: o País é para todos, mas o Estado é dos republicanos. Esta concepção do Estado enquanto coisa nossa por parte dos partidos torna o Portugal de 2010 muito mais próximo dos vícios I República do que dos abusos do PREC. A memória não nos faz melhores e nem sei se nos fará decidir melhor. Mas é de facto uma coisa tramada.
*PÚBLICO
tramada é a hipocrisia que tresanda dos seus textos, não há desorrorizante que disfarce esse odor colonial.
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Subscrevo.
Muito bom!
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Note-se, (em cont. do com. antecedente): subscevo o excelente post de Helena Matos.
O anónimo #1. é que parece, apesar de tudo, padecer, também não de moralismos ideaológicos, mas de reflexos pavlonianos: odor co,onial?!?!
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Agora aplaudem-se uns aos outros.
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Grande texto. Na verdade a esquerda sempre cantou “todos iguais” mas lá no fundo ela quer ser mais igual que os outros. George Orwell explicou isto na perfeitção no seu livro “O Triunfo dos Porcos”…..que fiquem com as ruas só para eles e continuem a chafurdar nos preconceitos bacocos dos tempos do prec….hoje, felizmente é possivel perceber qual a “democracia” que eles queriam….
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Tretas.
O bom texto foi o do Aguiar Branco.
Esta posta apenas se aproveita dele.
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oh três! o muralismo ideológico caiu com o muro e a disputa do entulho é muita. aqui a campaínha do prec ainda é baita mobilizadora dos espoliados do ultramar.
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os ultramarinos nucleares foram periscopar para o meco, envergando a bela chemisette la coste caparique.
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Não há hipocrisia alguma nem paradoxo nenhum.
Também gosto, e muito, de ouvir Zeca Afonso, considerando até que o seu disco é o melhor disco da mpp de sempre.
A política, ideologia e partidarite não têm lugar entre as notas de música que tanto servem para dar som a Zeca Afonso como a Frei Hermano da Câmara ou à Banda do Casaco,do grande António Pinho outro portento da nossa mpp que pouca gente conhece.
A mensagem das canções panfletárias de Zeca Afonso destinava-se ao exercício do “poder popular”. A música configurou a sublimação desse desejo que trespassava o espectro politico-ideológico e transfigurou-se naquilo que é: um símbolo universal dos sons agradáveis ao ouvido que perduram para sempre. É por isso que Zeca Afonso é um dos maiores artistas de Portugal de sempre. Por causa da música. As letras são apenas um pano de fundo que se contextualiza numa época e nada mais.
E por falar em Zeca Afonso lembro que foi reeditada a obra dos GAC-Vozes na Luta, outro grupo de pessoas politicamente empenhadas no PREC e que cantavam A Cantiga é uma Arma, de José Mário Branco, outro grande autor de mpp.
O que vale para Zeca Afonso vale para estes: são artistas cuja obra musical constitui património nosso e muito valioso. Independentemente dos panfletos que a acompanham.
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Bolas! linkei o texto quase todo. Desculpas, mas ouvir o Traz Outro amigo também no dia de hoje sabe bem. Aproveitem.
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E o disco era…
Traz outro amigo também
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fui mil e tante nº 29 do ppd (ml) de emídio guerreiro.
alguns obreiros do grande oriente não conseguiram criar um partido por isso fomos destacados para vários dos existentes.
é uma história de pulhice dum ps que está por contar e deixarei no meu espólio da BNP
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#9 – “Por causa da música, As letras são apenas um pano de fundo…”
cá me parecia que o branco tinha ido dar música ao parlamento. as letras são para protestar e o que rende juro são partituras a prazo.
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e eu que pensava que o ppd (ml) era a facção manela leite guronzada pelo pacheco.
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pois é, oh caga! quando o valor é reconhecido, retiramos-lhe a letra e acrescentamo-lhe a nossa palavra. na justiça basta a música, porque a letra compõe-se ao momento.
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“É óbvio que o Zeca Afonso, se hoje fosse vivo, outras canções criaria, sabe-se lá com que letras!”
oh coisas de loiça! se fosse vivo, ainda não tinha morrido e o resto é adivinhação que faz mitos como aquele que teria sido o grande estadista do século passado, um tal sá carneiro.
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> “[…] Não haverá limites para o oportunismo eleitoral?” – perguntava Vital Moreira
Tirando a palavra ‘eleitoral’, parece que não senhor, não há limites para o oportunismo.
Aliás, a mim, Vital Moreira e compinchas só me fazem lembrar outra canção do Zeca Afonso, que ouvi pela primeira vez hà muitos anos, numa cópia em cassete fanhosa passada de mão em mão às escondidas:
“pela noite, pela calada, vêm os vampiros … eles comem tudo, eles comem tudo, e não deixam nada”
Hoje andam à luz do dia, e falam que se fartam, sem vergonha nenhuma. Continuam a odiar crucifixos.
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“A não ser naqueles espectáculos-rituais em que os outrora jovens cantores da intervenção, agora cada vez mais velhos, dão os braços e se embalam, cantando-a, como quem regressa a um tempo que já não é o seu e que, embora nunca o afirmem, parecem aliviados por ter terminado.”
Você não sabe o que diz. Não espera que a levem a sério…
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Cruzei-me com José Afonso quando entrei para o então Ciclo Preparatório. Ele era professor de história. Foi forçado a sair ainda no 1º período por razões por todos conhecidas.
Uns anos mais tarde, fui “iniciado” à sua discografia no gira-discos do meu primo, dois anos mais velho que eu. Ouvíamos, às escondidas da família, os “Cantares de Andarilho”, “Traz outro amigo também”, “Cantigas de Maio” (o meu disco preferido), “Eu vou ser como a toupeira”, assim como “Os Sobreviventes” do Sérgio Godinho e, do José Mário Branco, “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” e também “Margem de certa maneira”. De Espanha, por processos rocambolescos, chegavam-nos os discos dos Aguaviva.
Já depois do 25 de Abril, em pleno Verão quente, certa noite, encontrei-me frente a frente com o Zeca Afonso, militante político que percorria Setúbal num automóvel (actividade que vim a saber depois ser frequente), em conjunto com outras “personalidades” que não vou citar porque só o menorizam, com o intuito de prevenir a ocorrência de eventuais actos contra-revolucionários. Recordo-me de ter sido submetido, em conjunto com os meus “camaradas de pichagem”, a um interrogatório cerrado visando esclarecer o verdadeiro significado semântico da palavra de ordem “Contra o fascismo e o social-fascismo, independência nacional”. Na 1ª ronda, ficaram satisfeitos com a nossa explicação. À segunda ronda do automóvel, nessa mesma noite, talvez porque entretanto se tenham ido informar melhor sobre o grupúsculo a que pertencíamos, o resultado foram umas bofetadas e pontapés e umas camisas rasgadas. Enfim, nada que o espírito revolucionário não aguentasse.
Tentar circunscrever a admiração pela música de José Afonso apenas ao “povo de esquerda” é tão idiota e fascista quanto pretender que só os nazis podem admirar Wagner e os colabos Céline.
Um bom 1º de Maio para a comunidade do Blasfémias!
“Venham mais cinco”, José Afonso, 1973
Venham mais cinco, duma assentada que eu pago já
Do branco ou tinto, se o velho estica eu fico por cá
Se tem má pinta, dá-lhe um apito e põe-lhe a andar
De espada cinta, já crê que rei aquém de além-mar
No me obriguem a vir para a rua
Gritar
Que é já tempo d’ embalar a trouxa
E zarpar
Tiriririri buririririri, Tiriririri paraburibaie, 2X
A gente ajuda, havemos de ser mais eu bem sei
Mas há quem queira, deitar abaixo o que eu levantei
A bucha dura, mais dura a razão que a sustém
só nesta rusga não há lugar prós filhos da mãe
No me obriguem a vir para a rua
Gritar
Que já tempo d’ embalar a trouxa
E zarpar
Bem me diziam, bem me avisavam como era a lei
Na minha terra, quem trepa no coqueiro o rei
A bucha dura, mais dura a razão que a sustém
só nesta rusga não há lugar prós filhos da mãe
No me obriguem a vir para a rua
Gritar
Que já tempo d’ embalar a trouxa
E zarpar
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oh peluche! à falta de passado cultural de direita, adoptas o de esquerda. o caga ia mais longe, alterava-lhe as letras e aproveitava a música.
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Estou-me nas tintas para a bimbisse da música do zeca (o afonso) e cia. São todas horrorosas. Aliás, cresci na época em que só se ouviam esses horrores pimba da “gaivota” e da “muralha d’aço”, o que levou a juventude a refugiar-se na música anglo-saxónica, que ao menos era agradável e permitia dançar.
Felizmente, tudo isso é passado. Agora temos um problema muito mais grave porque não há uma ideia tão generalizada de que isto é nocivo. Refiro-me ao “governo” bandalho que tarda em ser corrido.
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O Zeca escreveu músicas comunistas para comunistas.
Porque haviam a malta de direita de usar as músicas dele? Não faz qualquer sentido, é incoerente, uma tentativa de corrupção do sentido original das músicas
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