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“O Homem não nasceu para trabalhar!”*

11 Dezembro, 2010

“E a prova é que se cansa!”.

Este elevado pensamento foi utilizado, em tempos, por um aluno espirituoso, como prólogo de um trabalho académico, precisamente sobre matérias de Direito Laboral. Aquela espécie de máxima, reflecte, em dose significativa, a filosofia-base da legislação que mantemos em matéria de trabalho. O sistema legal continua a pressupor como objectivo, de um modo quase absoluto, a protecção rígida do trabalhador, presumindo-o, sem qualquer excepção, como a parte mais fraca e sacrificada de toda e qualquer relação laboral. Pressente-se aqui, ainda, a ideia de que o trabalho, qualquer trabalho, contraria a nossa natureza, sendo um sacrifício ao qual, sem remissão, temos que nos sujeitar, causando-nos, sempre e por conseguinte, não só o inevitável cansaço, como infelicidade. Parcamente atenuada, apenas, pelo salário.

É certo que a vida não deve ser só trabalho; mas há quem, no uso da sua liberdade, viva, por opção e gosto, para o trabalho. Hoje em dia, a Lei deve prever novas formas de trabalho dependente, nas quais o ascendente técnico, de informação e de conhecimentos do trabalhador, face a quem lhe paga, dificilmente permitirão tratá-lo como o elo injustamente mais fraco daquela relação. Além disso, a legislação deverá desenvolver-se tendo como referência não só um único modelo de trabalhador (o operário não qualificado) e de patrão (o industrial explorador), espartilhando tudo e todos numa espécie de inevitável “luta de classes”, mas sim prevendo novos modelos quer de trabalhador, quer de entidade empregadora, quer ainda de trabalho.

Importa não esquecer que, nos tempos que correm, infelizmente, o Direito Laboral não poderá pensar unicamente nos trabalhadores actuais: aqueles que não têm trabalho devem, igualmente, merecer as preocupações do legislador. Um sistema excessivamente protector e, sobretudo, protector em aspectos muitas vezes já desajustados da realidade, acaba, em jeito de compensação, por fechar as portas ao primeiro emprego e àqueles que ficaram sem trabalho, contribuindo para perpetuar o desemprego.

Assim, mesmo aceitando, por agora, não perturbar algumas “vacas sagradas” ideológicas – como o conceito de “justa causa de despedimento” – impõe-se uma flexibilização das regras e do mercado de trabalho. Concretizando e exemplificando apenas dois aspectos que reclamam tal flexibilização: não se compreende que a legislação impeça a possibilidade de mudança de funções dos trabalhadores ou que dificilmente se enquadre com a hipótese de se instituírem prémios, pelo mérito, beneficiando os melhores (aqueles trabalhadores que não se cansam!). É, também, estranha e incómoda a confusão que, por vezes, as Convenções Colectivas de Trabalho introduzem na gestão dos recursos humanos das empresas, dada a respectiva disparidade de regimes.

Aguardemos, portanto e sobre esta questão, os próximos desenvolvimentos políticos.

* Grande Porto, Ed. 10.12.2010.

18 comentários leave one →
  1. João Leite permalink
    11 Dezembro, 2010 15:39

    É extraordinário como é possível escrever sem, verdadeiramente, se conseguir sentir e perceber o estatuto de quem trabalha no privado porque é, objectivamente, para estes que se dirigem todas as baterias dos que agora descobriram na lei laboral a panaceia para todos os males.
    Acobertados pelas supostamente doutas (ainda que empíricas) opiniões/impressões dqueles que, em primeira mão, beneficiariam das alterações – os patrões (e alguns, muito poucos, empresários).
    Já agora, arrisco perguntar:
    “Para quem trabalha o PMF? Que tipo de relação laboral tem? Alguma vez esteve ou viveu sob as regras de gestão de uma qualquer entidade privada? E, muito em particular, de uma qualquer onde as regras de gestão são uma quimera?”

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  2. Fincapé permalink
    11 Dezembro, 2010 15:48

    “O Homem não nasceu para trabalhar!”
    Como deve saber, Agostinho da Silva aplicava com alguma propriedade esta máxima. E acrescentava, “nasceu para criar”. Quer dizer mais ou menos que o homem nasceu para utilizar a inteligência que tem. De certa forma, foi isso que permitiu andarmos hoje aqui a “conversar” e a “controversar” uns com os outros.
    Mas lembro-me de provavelmente a maior aberração que chegou ao poder num país ocidental um dia na televisão do seu país elogiar uma cidadã que tinha quatro empregos para sobreviver, dizendo que ela personalizava o espírito americano.
    E, de certa forma, personalizava. Não tinha tempo para ler, para estudar, para descansar, para ver um filme, para conversar com ninguém e, cereja em cima do bolo, para pensar!
    Não sei se há ou não estratégias concertadas, tipo Bilderberg, mas sei que os objectivos do capitalismo convergem para isso. Claro, que estará prevista a existência de uma casta que vá comprando “luxos”, como livros (alguns), filmes, bilhetes para a ópera e outras iguarias que deverão ser retiradas ao comum dos mortais.
    Seja como for, numa altura em que não faltam artigos, úteis e inúteis, no mercado, e em que as máquinas fazem mais trabalho em segundos do que os seres humanos faziam todos juntos em anos de trabalho, se venha agora dizer que temos de voltar a ser escravos.

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  3. 11 Dezembro, 2010 16:11

    Grande post nas duas primeiras frases.
    O resto não li, cansei-me de tanto trabalho.

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  4. 11 Dezembro, 2010 16:19

    João Leite:

    “Acobertados pelas supostamente doutas (ainda que empíricas) opiniões/impressões dqueles que, em primeira mão, beneficiariam das alterações – os patrões (e alguns, muito poucos, empresários).”…. Mas que alterações? Conhece-as?

    Por outro lado, em que é que as propostas feitas (prémios, reestruturar CCT’s e ius variandi) prejudicam, assim tanto, o “estatuto (já existente) de quem trabalha no privado”? (reconheço, as mais das vezes não muito bom….sendo pior o de quem não tem, pura e simplesmente, trabalho).

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  5. 11 Dezembro, 2010 16:22

    Ficapé,

    sou levado a concordar, no essencial, consigo, pese embora (e permita-me a repetição), “(…) É certo que a vida não deve ser só trabalho; mas há quem, no uso da sua liberdade, viva, por opção e gosto, para o trabalho”

    Em suma, há muitos trabalhos, trabalhadores e, consequentemente, “estatutos”; o que não parece mto bom é a redução num só paradigma de trabalho de todas as hipóteses legalmente previstas….

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  6. Fredo permalink
    11 Dezembro, 2010 16:44

    “viva, por opção e gosto, para o trabalho”
    Só que estes não trabalham. Quem trabalha por gosto até poderia pagar para o fazer, e não receber.

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  7. será permalink
    11 Dezembro, 2010 17:26

    Portugal é o terceiro país da União Europeia (UE), depois da Polónia e de Espanha, que apresenta a mais alta taxa de trabalhadores contratados a prazo, de acordo com os números avançados pelo Eurostat.
    e ainda se fala em liberalização…

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  8. Anarca permalink
    11 Dezembro, 2010 18:17

    @será
    É óbvio que ignora que é a rigidez, entre outros factores promovidos pela imbecilidade socialista, que causam tantos contratos a prazo e recibos.

    Se os patrões têm medo de contratar devido às regras impostas pelo Estado, que nada percebe de como produzir, então não o fazem, ou fazem-no com o menos risco possível que possam.

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  9. L M D permalink
    11 Dezembro, 2010 18:27

    A culpa é do parvo que negociou o descanso…

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  10. será permalink
    11 Dezembro, 2010 18:28

    o contrato sem termo é mole, o com termo é rigido…estamos entendidos…lembre-se as críticas do BE aquando da mudança da lei faz dois anos…

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  11. maurio permalink
    11 Dezembro, 2010 20:01

    Trabalhar enobrece o homem e diviniza a mulher.
    Todo o homem, macho que se preze, deve prescindir do seu direito à nobreza.
    De que adianta ser nobre se podemos ser servidos por verdadeiras DEUSAS
    Razão tem as tribos africanas em que os homens prescindem do seu direito ao trabalho em favor da divinização das mulheres.
    Mas mesmo na nossa sociedade existem benfeitores que prescindem do seu direito ao trabalho em prole dos outros, gente de nobres princípios que nunca fará nada que outro possa fazer por ele. Graças a esses benfeitores, alguns energúmenos conseguem trabalhar inúmeras horas por dia enobrecendo diariamente.
    Existem dois grupos, de benfeitores, em extremos opostos da sociedade. Na base os que vivem na penúria e no topo os ” big dogs”. Ao contrario da malta da penúria em que a sua solidariedade social, ao não fazer nenhum, deixa trabalho para mais um, os big dogs conseguem arranjar trabalho para um, que faz o trabalho que ele devia fazer e para muitos mais que o servem a seu bel-prazer. Ele é secretárias, colaboradores, personal trainers, empregados domésticos, motoristas, mulheres de menage, etc.
    Os big dogs geram um aumento generalizado da carga de trabalho suportada por uma sociedade, gerando empregos/trabalhos, contribuindo em muito para o aumento do PIB.
    Ora aqui esta a salvação para a Europa e o mundo em geral, arranjar uma quantidade de dinheiro muito maior do que a que foi utilizada para salvar os bancos e criar mais big dogs.
    Seriam criados dois tipos de big dogs: os big dogs boss e os big gogs boys. Os big dogs Boss recebiam do banco central europeu cerca de 10milhoes de euros, cada um, os big dogs boys recebiam do estado português um ordenado de 15.000 euros mensais e um gabinete.
    Apenas com 50.000 de cada tipo de big dog, acabava-se o desemprego em Portugal, pois o numero de empregos para servir os big dogs facilmente atingiria os 800.000 (só para os gabinetes dos big dogs boys seriam necessários mais de 100.000 colaboradores).
    Escusado será dizer que a categoria de big dog seria vedada às mulheres pois elas têm de trabalhar para se dignificarem tornando-se assim nas verdadeiras deusas que servirão no paraíso construído por ALA

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  12. 11 Dezembro, 2010 20:29

    Ou és ignorante e falas do que não sabes, ou então estás de má fé.
    Quem conhece o actual código de trabalho, não pode subscrever o que escreves-te.
    Clarifica a tua posição e faz uma declaração de interesses.
    Espero que tenham a hombridade de publicar este post.

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  13. 11 Dezembro, 2010 22:20

    O título do post é genial. Ler o resto é uma grande canseira.

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  14. 11 Dezembro, 2010 22:49

    Se o trabalho fizesse bem às pessoas, não era preciso pagar-lhe!

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  15. PMP permalink
    11 Dezembro, 2010 23:14

    Não podemos separar o aumento da flexibilização das leis laborais, com o facto de que o desemprego está muito elevado e a aumentar.
    .
    Sem existir crescimento económico com criação de emprego significativa, a maior flexibilização dos depedimentos no sector privado pode ter como consequência principal a redução dos salários médios.
    .
    Só uma estratégia colectiva de desenvolvimento económico, centrado no apoio ao sector exportador e à agricultura, poderá conseguir tirar o país das elevadas taxas de desemprego e pobreza que se verificam.

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  16. 12 Dezembro, 2010 02:37

    Uma empresa é uma organização social em que um conjunto de pessoas trabalha para um mesmo objectivo. A empresa é formada por todas que nela trabalham e os lucros e prejuízos devem ser igualmente repartidos. Correcto?
    Com tanta tecnologia, com um aumento brutal na produtividade no planeta nas últimas décadas e há pessoas que ainda defendem o trabalho como escravatura ????!!! E eu a pensar que a qualidade de vida iria aumentar na razão destas conquistas civilizacionais, com os consequentes momentos de ócio e usufruto de bens imateriais … (claro que quem tem muito prazer em fazer coisas vulgo trabalhar, continuaria ).

    Este post é um tratado esclavagista ??!! Quem trabalha … é porque não sabe fazer mais nada. Pobreza de espírito.

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  17. Nuno permalink
    12 Dezembro, 2010 02:57

    Eu vivo. Faço o que me apetece e sei quando preciso, e não trabalho.

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  18. diogo permalink
    12 Dezembro, 2010 10:14

    Há coisas básicas a considerar, e reais.
    > Hoje em dia, familias há que nem tempo têm para os filhos. Casos existem em que as crianças já falam um português com sotaque ucraniano, tantas são as horas que passam com a ama.
    >Outro exemplo é o caso de mães e pais com dois empregos. Saem às 6 de casa, chegam às 22 ou 23. Para um grande número de famílias é impossível pagar uma creche ou uma ama. A questão educativa é posta de lado e as crianças crescem sem que ninguém as guie.
    >Convém não esquecer também, e isto é do mais óbvio que há no mundo, que quem produz a toda a riqueza mundial, são os trabalhadores, portanto a economia deve ser posta ao dispor dos trabalhadores e não o contrário.

    De facto, “olhando do topo da montanha” não se tem o panorama particular por que muitas famílias estão a passar neste momento. Nota-se muitas vezes em várias opiniões um desconhecimento do que a maioria das pessoas, famílias, passa no seu dia a dia e das suas dificuldades.

    >Por último gostaria de referir o quão mal se paga em Portugal bem como o facto de que cada vez menos a riqueza é direccionada para os salários, sendo alarmante a distribuição de riqueza no nosso país. Até mesmo no sector bancário, verifica-se que a parte da riqueza dirigida aos salários tem vindo a ser cada vez menor.

    A conclusão é óbvia.

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