Olhe que não, olhe que não…

Mário Soares está preocupado com o futuro do partido que fundou. Receia que ele seja frito em lume brando. E tem razão para estar inquieto: o primeiro-ministro mais odiado pelo país desde Costa Cabral (Vasco Pulido Valente dixit) está a conduzir os socialistas ao cadafalso e poucos parecem capazes de, no interior do PS, lhe fazerem frente.

Mas Mário Soares tira as consequências erradas da sua intuição sobre o futuro do PS. Num artigo patético que hoje publicou no Diário de Notícias começa por defender o que não tem defesa. Ou seja, que “não interessa agora discutir, do meu ponto de vista, a quem cabem as culpas do impasse criado”. Porém é isso que está em causa. Não está em causa saber se existe ou não uma maioria favorável a medidas de consolidação orçamental, pois o PSD já demonstrou por mais de uma vez que essa maioria existe. O que está em causa é que temos um primeiro ministro com tiques autoritários, incapaz de negociar e partilhar decisões, que inviabilizou qualquer hipótese de se contruir um consenso. Mário Soares sabe bem que é assim, mas disfarça.

Para o ex-Presidente o “essencial, o problema que mais aflige o Povo Português” é o de saber como “como sair da crise, financeira e económica, em que estamos mergulhados”. Pois é. Mas nada no PEC nos diz como sair da crise. O PEC é apenas mais do mesmo, isto é, mais medidas desconexas e improvisadas para tentar agradar aos credores, nada nelas reflectindo uma linha coerente de recuperação económica.

É por isso que a crise económica não é independente da crise política: quando não existe um mínimo de consenso sobre as medidas a adoptar, não é com chantagens e birras do primeiro-ministro que se chega lá. Mário Soares também sabe isso, mas mesmo assim defende o indefensável.

E o que é indefensável? É indefensável, por exemplo, a ideia de que uma campanha eleitoral agora “só desacreditará os Partidos, os políticos e o País” (quando será que não há risco de isso acontecer? e será isso pior do que suspender o natural direito de o povo se pronunciar?). Ou a ideia de que é negativo, ou até anti-democrático, o povo pedir um “governo de salvação nacional” (mas não foi um governo desse tipo a que o próprio Soares presidiu entre 1983 e 1985?).

Não deixa por isso de ser curioso que o ex-Presidente se coloque na estranha posição de implorar ao actual Presidente que intervenha para salvar o Governo que tudo tem feito para o humilhar e marginalizar. O que Mário Soares devia fazer era algo muito diferente: reivindicar a sua qualidade de fundador, ou mesmo de criador, do PS para pedir a saíde José Sócrates ou, pelo menos, que este aceitasse eleições “à irlandesa”. Ele sabe, como todos sabemos, que Sócrates é parte do problema há muito tempo. Pior: que é único grande obstáculo à solução. Um PS sem Sócrates poderia conversar com o PSD. Agora com Sócrates já ninguém fala. Pior: alguém que se agarra desesperadamente ao poder porque sabe que, no dia em que o deixar, ficará reduzido, na melhor das hipóteses, ao estatuto miserável do herói de Garcoa Marques em “Ninguém Escreve ao Coronel”…

O passado de Mário Soares merece melhor do que artigos como o de hoje.