A escravatura nos jornais
As crises, como sintomas de doença exigindo cura, têm sempre coisas positivas; a evidência de sintomatologia é fundamental para o diagnóstico; o medicamento, por muito amargo que seja, é a única forma de resolver a doença. Um dos efeitos laterais da necessidade de terapêutica é aferir-se a determinação do doente para a resolução do problema. Assim, uma crise, por efeito lateral, permite evidenciar a estupidez do paciente.
“É cada vez maior o número de portugueses sujeitos a trabalho escravo no seu próprio país” é um título-tratado em estupidez. Só no título levantam-se várias questões:
- “É cada vez maior” em relação a quê?
- O que é “trabalho escravo”?
- Escravatura é mais relevante se for no próprio país e não no estrangeiro?
As respostas de Carlos Dias, no corpo do texto, poderão ser inferidas: não sei; não tenho a certeza; não sei.
Mais à frente, o sagaz jornalista consegue borrar um pouco mais a pintura (parece impossível) referindo que os “na fronteira do trabalho escravo” (afinal não são escravos, só borderline) recebem entre 20 e 30 euros por dia; em 22 dias isto origina entre 440 e 660 euros mensais. Com uma média mensal de 550€, o brilhante artigo de Carlos Dias acaba a demonstrar através da apanha de azeitona que um jornalista recém-contratado por um jornal nacional é, na realidade, um escravo. O que podemos constatar é a sorte de Carlos Dias: pode escrever estas coisas em vez de estar a apanhar azeitonas.
Poderia perguntar, perante uma dificuldade embaraçosa, o que é um “falso recibo verde” mas nem vale a pena entrar por aí.
Nota: correndo o risco de fomentar “trabalho escravo”, vou desligar os comentários neste artigo.
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