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o problema é o césar, não tanto a sua mulher

23 Agosto, 2018
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Ao invés do que aqui escreve o Carlos Guimarães Pinto, com quem estou quase sempre de acordo, não me parece que o problema maior da Iniciativa Liberal seja o de um dos seus fundadores, e actual vice-presidente, ter sido apoiante e colaborador de José Sócrates e de António Costa. É que liberalismos há vários, e, inclusivamente, existe uma tradição histórica liberal portuguesa que foi muito mais próxima do socialismo fabiano do que do liberalismo clássico de livre-mercado, pelo que nada haveria a dizer sobre a evolução do seu vice-presidente, se fosse por aí que a IL se posicionasse. O problema, para mim, é que tudo, ou quase tudo, na Iniciativa Liberal cheira a fake, isto é, a um produto de mero oportunismo político, que tem vindo a evoluir ao sabor das críticas que lhe são feitas, de modo a tentar reparar as asneiras e imprudências anteriores. Veja-se, a título de exemplos meramente figurativos, a evolução da Declaração de Princípios para o Programa, ou a introdução de temas sobre a redução do estado no discurso dos seus dirigentes, que anteriormente nem afloravam o assunto.

Mas também é verdade que, quando se funda um partido para ir a votos, esses votos pedidos servirão para que algumas pessoas recebam e exerçam poder em nosso nome. Donde, obviamente, mais importante do que votar em «ideias» é conhecer as pessoas a quem vamos dar esse poder. Nesse pressuposto, mais do que saber donde veio e por onde andou o vice-presidente actual da IL, parece-me muito mais importante saber donde vieram todos os seus fundadores e dirigentes, que não me lembro de nenhum que, nos últimos vinte anos, tenha escrito um artigo ou um livro, mantido ou participado num blog ou numa revista, dado uma conferência ou uma entrevista em defesa do tal «liberalismo» que agora perseguem. Donde vieram estas pessoas que, de repente, começaram a aparecer nos meios de comunicação social, reuniram 7.500 assinaturas e fundaram um partido para «tornar o estado mais pequeno»? Como se lhes revelou, tão subitamente, um credo liberal que nunca antes lhes ouvimos pregar? Não sei, mas gostaria de saber.

Posto isto, um esclarecimento fundamental: eu não faço críticas à IL; faço perguntas e espero respostas. A democracia, felizmente, permite-nos e obriga-nos a isso. Mas até neste aspecto a IL não esteve bem, visto que se empertigou furiosamente contra quem, num exercício democrático e obrigatório para qualquer espírito liberal, procurou escrutinar as suas origens e intenções. E acusou quem inquiria de se tratarem de «teóricos de sofá», de «velhos do Restelo», quando eles – coitados! – andavam com a cruz do liberalismo às costas, para nos conseguirem o tal «estado menor» que tanto os molesta.

Falta de autenticidade, liberais e liberalismo de geração espontânea e pouco espírito democrático e crítico são os problemas que a Iniciativa Liberal transporta consigo. O Alexandre Krauss e a evolução da sua página no Facebook – do socialismo de Costa a um novo partido liberal – são apenas sintomas mais visíveis desses outros problemas. Que não se ficam pela mulher de César, mas pelo César em si mesmo.

12 comentários leave one →
  1. Daniel Ferreira permalink
    23 Agosto, 2018 15:40

    Liberalismo é só o eufemismo comuna da moda para chegar ao estado final da Anarquia Social.
    Mais um partido para enriquecer a “geringonça” e enraizar mais a máxima em curso do “dīvide et imperā”. Já falta pouco para chegarem ao objetivo supremo dos amigalhaços do lema “Ordo Ab Chao”.

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  2. CGP permalink
    23 Agosto, 2018 15:44

    Rui,

    1. Custa-me a perceber onde possa estar o oportunismo político de dezenas (centenas?) num projecto onde, no melhor dos casos, se produzirá um ou dois cargos políticos (e mesmo isto, improvável). É esta a beleza dos novos projectos. O Rui talvez não conheça, mas eu conheço inúmeros membros activos da IL e não consigo vislumbrar ponta de oportunismo. Há muito realismo e boa-vontade (como disse, acredito que também haja um ou dois burros que não sabem fazer contas, mas estão longe de ser a maioria)

    2. Eu vi uma linha mais ou menos consistente de defesa de liberdades económicas. Vi também alguma precaução na defesa de políticas concretas até estar feito o programa político.

    3. O Rui parece-me que coloca exigências mais elevadas num grupo de pessoas amadoras, com pouca experiência política do que nos partidos com máquinas a funcionar há mais de 40 anos. Acha que este grupo de pessoas que mal começou já tem que ter todas as respostas prontas. Os grandes partidos refazem o seu programa político todos os anos, mudam de opinião e estratégia, e até fazem alianças inesperadas. Mas um grupo pequeno de pessoas, necessariamente focados nos aspectos operacionais, já têm, na sua opinião de ter todas as respostas prontas e devidamente documentadas.

    4. Finalmente, de todas as críticas e “perguntas” que faz, e deixando de lado a sua má-vontade geral contra a ideia de um partido liberal, quantas não se aplicam em muito maior magnitude aos restantes partidos? É esse o ponto de comparação. Não há outro. A Iniciativa Liberal (ou o D21, ou a Aliança) não precisa de ser essa entidade perfeita que o Rui aspira (?), basta ser menos mau que os outros. E, mesmo partilhando defeitos com os partidos existentes, até agora parece ser.

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    • rui a. permalink*
      23 Agosto, 2018 16:06

      Carlos, as referências aqui feitas são aos fundadores do partido e ao projecto inicial, que – salvaguardei – se tem vindo a apurar com o tempo, imagino que pela contribuição dessas muitas pessoas de que falas. O texto trata disso, que me parece muito mais importante do que o Krauss, mas, já agora, acrescento outra pergunta: que lugares de importância efectiva no partido é que foram ocupados por estes últimos? E quantos permanecem nas mãos dos seus fundadores? Seria interessante proceder a essa contabilidade.

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      • CGP permalink
        23 Agosto, 2018 16:15

        Rui, não sei bem o que são lugares de importância num partido pequeno (são os que dão mais trabalho sem grande retorno esperado, para além de alguma exposição mediática, para quem goste disso). Imagino que a composição das listas respondam a isso. Sei que aqueles que foram eleitos foram-no por larga margem. Mas imagino que nos partidos alternativos aquilo esteja cheio de monges do liberalismo e seres imaculados.

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      • rui a. permalink*
        23 Agosto, 2018 16:25

        Não se trata de querer anjos na terra e muito menos nos partidos, Carlos. Apenas de não fazermos figura de anjinhos.

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    • 23 Agosto, 2018 16:43

      “Custa-me a perceber onde possa estar o oportunismo político de dezenas (centenas?) num projecto onde, no melhor dos casos, se produzirá um ou dois cargos políticos (e mesmo isto, improvável). É esta a beleza dos novos projectos. O Rui talvez não conheça, mas eu conheço inúmeros membros activos da IL e não consigo vislumbrar ponta de oportunismo. ”

      (…)

      “Rui, não sei bem o que são lugares de importância num partido pequeno (são os que dão mais trabalho sem grande retorno esperado, para além de alguma exposição mediática, para quem goste disso).”

      Em termos de dinheiro, ou mesmo de poder efetivo, é muito pouco provável que alguém se junte a um micro-partido por oportunismo; mas em termos de status, talvez seja outra história – a probabilidade de em pouco tempo alguém estar na direção nacional, sem saber bem como, é muito maior do que num grande partido; e no que diz respeito a concelhias e afins, é praticamente só querer. É verdade que esses lugares não rendem nada, só dão trabalho, e não dão poder real nenhum (ter poder numa organização sem poder nenhum acaba por ser também não ter poder quase nenhum), mas dão uma certa sensação de o individuo se sentir importante (poderá perguntar-se qual é o interesse de se sentir “importante” num grupo de poucas dezenas de pessoas – mas para aí 90% na nossa história evolutiva foi passada em bandos de caçadores recoletores mais pequenos que a Iniciativa Liberal ou que o Movimento Alternativa Socialista).

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      • CGP permalink
        23 Agosto, 2018 16:44

        Meh, para isso há o Associação na hora.

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  3. 23 Agosto, 2018 16:21

    O ponto da autenticidade que o rui a. levanta neste postal é interessante e legítimo. E também tenho uma série de pontos de interrogação relativos à estratégia e certos posicionamenotos do IL, como já o disse aqui (https://blasfemias.net/2018/08/23/iniciativa-liberal-krauss-e-a-mulher-de-cesar/#comment-2065369):

    No entanto uma achega. O rui a. diz: “parece-me muito mais importante saber donde vieram todos os seus fundadores e dirigentes, que não me lembro de nenhum que, nos últimos vinte anos, tenha escrito um artigo ou um livro, mantido ou participado num blog ou numa revista, dado uma conferência ou uma entrevista em defesa do tal «liberalismo» que agora perseguem”

    Se é verdade que aqueles que agora aparecem à frente do IL nunca se leram, viram ou ouviram em blogs e conferências sobre liberalismo, também é verdade que aqueles que escreviam ou falavam nesses blogues e conferências não tiveram qualquer iniciativa em montar um movimento político. Muitos parecem ser até abertamente contrários a partidos…

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    • rui a. permalink*
      23 Agosto, 2018 16:32

      Eu sou, por princípio, contrário à existência de «partidos liberais», porque me parece uma contraditio in terminis. Escrevo-o há muitos anos, pelo que não é novidade nenhuma. E, já agora, para tornar clara a minha opinião, parece-me que as ideias liberais poderão estar bem representadas em quase todos os partidos democráticos, e que é lá que devem fazer o seu caminho. Mais em partidos conservadores, do que em social-democratas e socialistas, mas se em todos eles há, como dizia o Hayek, socialistas, parece-me que poderá também haver liberais. E digo que foi através desses partidos que os liberais conseguiram, nos últimos anos, fazer alguma coisa, bastando lembrar a Sra. Thatcher, no Partido Conservador inglês, e o Aznar, aqui ao lado, no PP. Mas também não levo a mal que se façam partidos liberais, desde que sejam coisas genuínas e não aproveitamentos de circunstância, de modas ocasionais. É o que me falta saber da IL, a quem dou, mesmo assim, o benefício da dúvida, apesar do fraco espírito democrático que por lá me parece pairar. Isso não me inibe de lhes levantar objecções, a que eles responderão se estiverem interessados, ou não, se lhes for indiferente. É apenas isto.

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      • 23 Agosto, 2018 16:45

        Sim, a sua posição é perfeitamente coerente. Quanto ao IL, revejo-me também na sua expressão de que “cheira a fake”. Até pode ser 100% legítimo, mas cheira.
        Por exemplo, uma coisa curiosa — que vale o que vale, mas para mim vale qualquer coisa –, é constatar nas fotos dos eventos do IL a malta toda vestida a rigor com as cores do partido. São liberais e vão todos com a “farda”. Quem é genuinamente liberal e gosta de vestir uma farda? Sinceramente acho estranho.

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      • rui a. permalink*
        23 Agosto, 2018 17:16

        Eheh, essa da «farda» não me tinha ocorrido! Mas tem razão.

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  4. Arlindo da Costa permalink
    24 Agosto, 2018 05:33

    Bem vistas as coisas a Iniciativa Liberal é a única oposição credível a António Costa.

    Por isso é que os velhos «liberais» que passam por aqui ficam marados do juízo.

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