Saltar para o conteúdo

Galvão de Melo

21 Março, 2008

Retirado do Jaquinzinhos:

14 de Agosto de 1975. O deputado da UDP, Américo Duarte, faz mais um dos seus discursos em que distribuiu insultos a eito. Começou assim:

Américo Duarte: “O povo trabalhador de Portugal vive hoje um dos momentos mais difíceis da sua luta desde o 25 de Abril. Os fascistas levantam a cabeça e estão em plena escalada no Centro e Norte do País. O assassino Spínola já dá entrevistas à BBC, onde diz que lutará, citamos, «em todos os tantos e por todas as formas», nós sublinhamos «por todas as formas», por aquilo a que chama a libertação de um povo.”

Agitação na Assembleia.

Américo Duarte: “Este colonial-fascista, assassino dos povos irmãos das colónias e assassino do povo português fez até ameaças veladas de guerra civil em Portugal, a exemplo, também, do Sr. Galvão de Melo.”

O discurso prosseguiu com insultos e acusações da mesma estirpe a Cunhal, Soares, Melo Antunes, aos imperialistas americanos e os sociais-imperialistas russos e aos lacaios de Cunhal. Alguns minutos mais tarde, Galvão de Melo, o general que fizera parte da Junta de Salvação Nacional e que era agora deputado do CDS, pediu a palavra para ler um requerimento:

Galvão de Melo: “Sr. Presidente e Srs. Deputados: Vou ler um requerimento que acabei de entregar na Mesa:

Sr. Presidente, Srs. Deputados:

Já por repetidas vezes o nosso distintíssimo colega Sr. Américo Duarte, Deputado pela UDP, aqui proferiu criticas pessoais visando directamente Deputados de todos os restantes partidos, eu próprio, e, certa vez, nem o Movimento das Forças Armadas escapou, ao ser «atacado» um dos seus membros: o Sr. Tenente Judas, presidente da comissão de desmantelamento da Direcção-Geral de Segurança.

Estes «ataques», que o nosso distintíssimo colega não pensou nem escreveu e tão-somente nos leu o melhor que pode, só não são insultantes por virem de quem vêm; só não são insultantes porque aquele que os proferiu é o primeiro a não compreender (risos). Estes desabafos, para além de simples divergência política, revelam um nervosismo e uma raiva incutida que começa a ser suspeita. Revelam medo! Medo de quê?

O excesso de agressividade é sempre revelador de um sentimento de medo.

Ora, tenho verificado que a agressividade do Sr. Américo Duarte explode com violência impressionante sempre que, directa ou indirectamente, vem ao caso mencionar a antiga Polícia Internacional e de Defesa do Estado, que mais tarde passou a designar-se por Direcção-Geral de Segurança.

Porquê esta preocupação tão específica?

Será que com o seu vozear tonitruante o Sr. Américo Duarte pretende abafar algum prurido de consciência antiga?

Será que o Sr. Américo Duarte, ou alguém que por trás dele se esconde, ou na frente se mostra (risos), tenha, de qualquer modo, tido ligações profissionais com a polícia que durante meio século foi sustentáculo da ditadura derrubada em 25 de Abril?

De facto, possui o Sr. Américo Duarte duas características que, bem aproveitadas, teriam feito de si um informador por excelência de qualquer polícia política:

Obediência de autómato;
Ousadia em declarar o que não sabe.

Tendo em conta as considerações expostas, e ao abrigo do artigo 6.º, n.º 9.º, e artigo 12.º, n.º 1, alínea a), do Regimento, requeiro ao Presidente deste Assembleia que use de todos os meios ao seu dispor para esclarecer os duzentos e cinquenta. membros desta Assembleia, representantes do povo de Portugal, aqui reunidos, sobre esta grave dúvida: foi ou não o Sr. Américo Duarte informador da PIDE/DGS?”

Após as gargalhadas e bastante burburinho, a sessão prosseguiu. Mais tarde, no período da ordem do dia, Américo Duarte manifestou a sua indignação com uma declaração de protesto que foi lida pelo secretário da mesa da Assembleia:

“Declaração de protesto ao Presidente e de alerta ao povo português:

1.º O Sr. Galvão de Melo acabou de lançar uma provocação ao povo português (risos), quando, depois de fazer um discurso reaccionário, perguntou a certa altura «de que é que se esperava?», na clara intenção de perguntar às forças reaccionárias se não seria esta a altura de lançar um golpe fascista;

2.º Esse senhor, não contente com isso, faz um requerimento atacando a posição da UDP, representada nesta Assembleia, lançando provocações e calúnias que não são tomadas por uma afronta pessoal, mas a tentativa de uma provocacão generalizada às massas populares;”

Aplausos e manifestações das galerias.

O Presidente: “O público não está autorizado a manifestar-se.”
O Secretário: “Não era público, Sr. Presidente. Eram duas pessoas …”
O Presidente: “Componentes do público.”

continuou o secretário:

“3.º A UDP foi a única a apresentar nesta Assembleia, logo na primeira sessão que a Comissão de Verificação de Poderes, averiguando das ligações dos Deputados presentes nesta Sala, e em especial de Galvão de Melo, que tanto no 28 de Setembro como no 11 de Março apareceu embrulhado nos golpes, com forças fascistas;

4.º Para nós, as duas intervenções desse senhor feitas hoje e que até agora não tinha falado, mostram bem o levantar de cabeça do fascismo, perante o qual o povo tem de estar preparado para responder, e mais do que isso, que o Sr. Deputado Galvão de Melo está disposto a passar das palavras aos actos, ou seja ser a cabeça e o corpo de um novo golpe fascista, como afirmou a um jornal espanhol. Daqui alertamos as massas populares para estafem vigilantes e unidas, de formei â esmagar o avanço fascista.”

Galvão de Melo pede a palavra: “Sr. Presidente, Srs. Deputados: …”

Manifestações nas galerias.

Américo Duarte abandona a Sala e de caminho grita para Galvão de Melo: “Hás-de ir parar ao Campo Pequeno!”

Galvão de Melo acabou por pedir desculpa à Assembleia por ter abusado da paciência dos deputados.

17 comentários leave one →
  1. 21 Março, 2008 18:12

    Não creio que Galvão de Melo concordasse com um tal epitáfio, em que é dada tanta notoriedade a Américo Duarte.

    Gostar

  2. Zenóbio permalink
    21 Março, 2008 18:47

    Não se fez história como gostaríamos. Aquilo do 25 de Abril foi mesmo um azar, quando tudo ia tão bem, vieram os chatos dos capitães mailas as manias de democracia e liberdade.O que nos salva é o Mercado, o liberalismo e o seu profeta, João Miranda.

    Gostar

  3. Luis Moreira permalink
    21 Março, 2008 19:04

    JM

    A sua intenção é mostrar que a extrema direita e a extrema esquerda se equivalem e estão bem uma para a outra?

    Que na extrema esquerda militavam pessoas que não tiveram acesso á instrução ao contrario da extrema direita?

    Que o deputado da extrema direita (que descanse em paz) nada teve a ver com a preparação e o golpe de 25 de Abril? Que a UDP tambem não?

    Que entre a extrema direita e a extrema esquerda há um amplo leque de opções políticas que foram libertadas pelo 25 de Abril?

    Que GM fez parte da Junta por acaso?

    Que pretende JM mostrar com isto? Se é heróis que procura anda longe!

    Gostar

  4. lucklucky permalink
    21 Março, 2008 19:05

    Que descanse em Paz.

    Américo Duarte = Euroliberal? 😀 O estilo é parecido…talvez seja o nosso Cat Stevens…

    Gostar

  5. bipennis permalink
    21 Março, 2008 19:49

    Vera Lagoa (Maria Armanda Falcão) conhecia os “curricula” da vadiagem politica. disse no seu 1º jornal e não foi desmentida, que um destes udpês era visto, antes do 25.IV, a correr nas estações do metro com carteiras de senhora debaixo do braço perante gritaria “agarra que é ladrão”. agora há ladrões mas ninguém grita.
    depois deste Galvão de Melo vieram os generais de aviário onde não incluam Eanes, o melhor PR

    Gostar

  6. yoda permalink
    21 Março, 2008 20:56

    Já o Galvão de Melo não era informador da PIDE, era informado por ela. Viva o Galvão de Melo! Que vivam a liberdade e os generais deste mundo de Francos e Pinhochets.

    Gostar

  7. salvaterra permalink
    21 Março, 2008 21:02

    O JM ainda não deu o “tomei conhecimento” do Marco António e Guilherme Aguiar a despacharem na A1 a 180 kms/h. A despacharem desta forma a DHL a Chronopost e outras que se cuidem.

    Gostar

  8. 21 Março, 2008 22:41

    -O gen. Galvão de Melo, foi indubitavelmente um grande português, mais um dos que após a abrilada, e principalmente após a golpada comuna do 11 de Março, resistiu, tal como outros, com o apoio da maioria silenciosa, aos histéricos vermelhos que apregoavam os amanhãs que cantam, felizmente ficaram mudos, os quais empunhavam uns panos vermelhos pendurados nos paus, com foices que significavam o ceifar das liberdades, martelos a representar o seu esmagamento e a opressão, visando colocar Portugal na órbita da execrável e felizmente já extinta, ex-URSS, o regime mais infeme que algum dia existiu no planeta.

    Gostar

  9. libertas permalink
    22 Março, 2008 00:00

    Galvão de Melo: um Português que ombreia em coragem e probidade com os portugueses de antanho. Que a sua alma descanse em paz.

    Gostar

  10. johnes permalink
    22 Março, 2008 00:06

    E o Sr Galvão de
    Mello dá exemplo
    do que um homem,
    Duarte ou Mello,
    ao fim lá deve fazer.

    Gostar

  11. 22 Março, 2008 01:11

    Essa do Américo Duarte ser o Euroliberal está muito bem apanhada.
    Pelo menos, algum ADN comum deve existir…

    Gostar

  12. Jomap permalink
    22 Março, 2008 08:29

    Não foi a Helena Matos que esteve na UDP e que ajudou a escrever esse discurso? Ou foi o Jorge Coelho?

    Gostar

  13. Zé Pardal permalink
    23 Março, 2008 01:58

    A verdade é que o contributo do sr. general para a democracia portuguesa foi diminuto, não adiantou nem atrasou grande coisa, ainda bem. RIP!
    Quanto ao ilustre deputado Américo Duarte, por mais que puxe pelos neurónios, não me recordo nem da cara nem de contributo que tenha dado à luta do povo trabalhador contra o capitalismo e o fascismo. É que não me lembro de nada, quem era o artista? Enfim, RIP também!

    Gostar

  14. anónimo permalink
    24 Março, 2008 10:45

    Paresce ser que na UDP aparte a Helena também havía algúm que outro a mais…nao podemos afirmar que ficava sozinha. Ai, o bisturí da historia…

    A União Democrática Popular (UDP) forma-se em 16 de Dezembro de 1974, a partir de 3 grupos marxistas-leninistas-maoístas, o Comité de Apoio à Reconstrução do Partido Marxista-Leninista (CARP ML), surgido depois de 1974, os Comités Comunistas Revolucionários Marxistas-Leninistas (CCRML), criados em 1970 a partir de uma cisão do CM-LP e que se assumiam como seus verdadeiros sucessores, e a Unidade Revolucionária Marxista-Leninista (URML), surgida em 1971, e que teve uma breve aproximação aos trotskistas. Tem o seu I Congresso em 9 de Março de 1975. Elege um deputado para a Assembleia Constituinte em 25 de Abril de 1975, Américo Duarte, após Pulido Valente, um dos fundadores do CM-LP em 1964, ter sido barrado do cargo por ter visitado um preso político de então que fora seu amigo de infãncia e que por sinal era banqueiro.

    Em 1976, nas eleições para a 1ª Assembleia Legislativa foi eleito como deputado Acácio Barreiros, um ex-estudante de engenharia que vinha dos CCRM-L e que mais tarde aderiria ao Partido Socialista de que viria também a ser deputado, e nas eleições de 1979 Mário Tomé é eleito deputado à Assembleia da República. Em 1976 participa como principal força política num movimento revolucionário unitário de apoio à candidatura presidencial de Otelo Saraiva de Carvalho, que chega a obter 16,5% dos votos nacionais, movimento que tenta persistir depois das presidenciais concorrendo com os GDUP às autárquicas de Dezembro de 1976 (apenas 2,49%).

    Em 1983 apresenta-se às eleições legislativas coligada com o Partido Socialista Revolucionário, após profundas cisões no interior do PCP(R) de que a UDP se pretendia a “frente de massas” e que levaram ao afastamento de Acácio Barreiros, João Carlos Espada, José Manuel Fernandes e outros, no rescaldo do fim da Revolução e dos GDUP. Só voltará a ter representação parlamentar no período 1991-95, fruto de um acordo com o PCP que leva Mário Tomé de novo à Assembleia da República.

    Na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, o partido consegue em várias ocasiões eleger deputados, conquistando um pequeno eleitorado de agricultores e trabalhadores do sector do artesanato, tendo tido em Paulo Martins o seu principal dirigente regional.

    O XVII Congresso da UDP, realizado a 2 e 3 de Abril de 2005, aprovou a passagem do partido a associação política, tendo sido eleito Pedro Soares presidente da direcção da associação.

    Gostar

  15. Goncalo Pereira permalink
    24 Março, 2008 15:09

    Então mas era ou não da PIDE???

    Gostar

  16. André Verneuil permalink
    24 Março, 2008 23:29

    Galvão de Melo está a cima das torpezas. Honra lhe seja feita.

    Gostar

  17. Toino permalink
    18 Novembro, 2011 00:57

    O Américo Duarte era um simples operário da Lisnave. Mas ainda houve outro antes do Américo Duarte, um tal Pisco, acho eu…

    Gostar

Indigne-se aqui.