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Ainda não perceberam o buraco em que estamos metidos*

20 Novembro, 2010
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Metade da última semana foi passada a especular sobre se recorríamos ou não à ajuda do fundo de resgate europeu e do FMI ou se não precisávamos de o fazer. A outra metade foi a ouvir declarações piedosas sobre o apoio ao “esforço orçamental” português, manifestações de solidariedade e, por fim, proclamações de intenção sobre o rigor que não se teve no passado e se terá no futuro. Infelizmente, é tudo espuma. Com ou sem FMI, temos e teremos trabalhos de Hércules pela frente. Com mais palavras a enervar “os mercados” ou mais declarações a tentar acalmá-los, não deixámos de estar na corda bamba.
Deixemos de lado, por agora, saber como e com quem entrámos para o buraco em que nos encontramos – o tempo é sempre um juiz implacável, mesmo quando se faz esperar. Fixemo-nos antes nos problemas que temos e em como ultrapassá-los.
Comecemos por um breve recordatório dos problemas. Primeiro que tudo, uma economia anémica, incapaz de crescer, quase estagnada há dez longos anos, sinal do esgotamento dos factores que proporcionaram o nosso desenvolvimento nos últimos 50 anos. Depois, um Estado gordo, demasiado presente, demasiado burocrático, que asfixia a economia porque cobra demasiados impostos, porque produz regulamentos a mais, porque desconfia dos cidadãos, porque tem um défice crónico que gera uma dívida crescente. Por fim, um país que se habituou a viver acima das suas capacidades, com um número excessivo de dependentes do Estado e uma cultura avessa ao risco e ao empreendorismo, um país onde há demasiados particulares e demasiadas empresas sobrendividadas.
Boa parte destes problemas existe porque, como disse esta semana Fernando Ulrich, presidente do BPI, “aquilo que os países que entraram na Zona Euro fizeram foi aderir ao marco”. Ora “a elite e os decisores políticos portugueses não perceberam isto. Não devíamos ter deixado subir os salários e a despesa pública como deixámos”. Ou seja, ao contrário do que por aí se anda a dizer, o problema não é da Alemanha, que fez o seu trabalho de casa, mas de “Portugal, da Grécia e da Irlanda, que tinham de ter a capacidade para gerir a situação”. Não tiveram e não vale a pena chorar sobre o leite derramado: ou fazemos agora o que já devia ter sido feito, ou arriscamos ficar sem crédito, sem investimento, na bancarrota e a sermos tratados como um simples protectorado. É certo que há por aí quem ainda vá ao Parlamento defender que não nos devíamos preocupar com a dívida (como sucedeu esta semana com o secretário de Estado do Orçamento), mas é tempo de acabar com tais “estados de negação”.
Ora, romper com o “estado de negação” começa por assumir que o esforço que teremos de fazer não é passageiro – é estrutural e deverá exigir muitos e longos anos de correcção gradual se quisermos evitar uma ruptura brutal. Porque só há uma forma de sairmos do buraco onde estamos: sermos mais competitivos. E só há uma maneira de o conseguir: trabalhando mais, trabalhando melhor, começando por ganhar menos até conseguir ganhar mais, consumindo menos até voltarmos a equilibrar as contas. Poucos políticos têm dito isto preto no branco, mas reconheça-se que entre eles se contam Pedro Passos Coelho (no Facebook) e Manuela Ferreira Leite (na AR).
Um Governo que queira recolocar Portugal no mapa – isto é, um Governo que não se satisfaça com deitar foguetes cada vez que faz um novo acordo comercial com a Venezuela ou com a Líbia – tem que tomar muitas medidas estruturais. Tem de fazer emagrecer o peso do Estado e das regulamentações, única forma de diminuir o défice e, ao mesmo tempo, diminuir as contribuições que penalizam o trabalho (como a taxa social única) e as actividades económicas (como o IRC). Não vejo forma de isso acontecer sem, como vai fazer o Reino Unido, dispensar funcionários públicos. Isso mesmo: quebrar o tabu do “emprego para a vida” na administração pública.
Também não será possível aumentar a competitividade do país – e corrigir a enorme injustiça geracional que é o desemprego jovem – se não se liberalizar a lei laboral. Temos uma lei do despedimento individual de betão e uma lei de despedimentos colectivos que é manteiga, o que penaliza tanto os bons trabalhadores como as boas empresas. Ao mesmo tempo, será necessário quebrar o poder das corporações que se apoderaram de partes da administração pública, umas tomando-as por dentro, outras cercando-a por fora.
Em suma: mesmo que o “cadernos de encargos” não seja exactamente o que descrevi, o trabalho é imenso, implicará muitos sacrifícios, gerará temíveis resistências e, para ser absolutamente franco, não acredito que possa ser concretizado por um só partido, mesmo que este tivesse a maioria absoluta. Hoje por hoje, é evidente para todos que nunca será o actual Governo a levar por diante – mesmo que obrigado pelo exterior – um tal processo de reformas. Mas também não imagino que, após umas eventuais eleições antecipadas, uma nova maioria de centro-direita, se viesse a existir, pudesse concretizá-las tendo de enfrentar a resistência feroz de um PS regressado à oposição. Cairia o Carmo e a Trindade e não faltariam apelos a que se regressasse às trincheiras do “Estado social”.
Não me surpreendeu, por isso, a entrevista de Luís Amado. Ele sabe o que dizem lá fora de Portugal, sabe que não temos credibilidade nem margem de manobra e sabe onde (não) nos leva a actual solução de governação e o seu primeiro-ministro. Da mesma forma que não me surpreenderam as reacções de Sócrates ou de Miguel Relvas, a não quererem sequer falar do assunto. Ou os textos, no PÚBLICO, de Vital Moreira e Luís Filipe Menezes, a reduzirem a temática ao simples cálculo partidário: Vital não quer que o PS fique com o ónus das medidas difíceis, Menezes quer que “quem comeu a carne roa agora os ossos”. São duas faces da mesma moeda: gincana eleitoral de curto prazo.
É por tudo isto que me escuso de fazer previsões, juízos de valor ou mesmo a defender a formação agora ou depois de umas hipotéticas eleições de uma “grande coligação”. Apenas fico por esta constatação: a situação do país é tão difícil que não vejo como poderá um Governo sem uma ampla maioria enfrentá-los. E nem sequer é garantido que, mesmo existindo essa ampla maioria, os partidos que temos corrijam os seus péssimos hábitos clientelares e tenham o sentido de Estado que há décadas desapareceu da governação e que tanta falta faz.
É por isso que também é fundamental existir na sociedade um forte movimento a exigir que se mude realmente de vida, mas isso é um outro problema.

Jornalista (twitter.com/jmf1957)

*Público, 21 de Novembro de 2010

23 comentários leave one →
  1. 20 Novembro, 2010 22:38

    A questão dos funcionários públicos parece-me muito mal colocada.

    Se o problema é o seu excesso, porque é que em muitos serviços do estado há uma falta crónica de funcionários? E porque se encomendam fora tantos serviços que poderiam ser feitos dentro? Comece-se por evitar as despesas quase criminosas (como os imprescindíveis blindados, certas PPPs, etc.)

    Como se viu com a saúde, quanto mais se tentou “racionalizar” a despesa e contratar os privados, mais os custos aumentaram e mais pioraram os serviços.

    A liquidação do estado que tem estado a ser feita pode interessar a certos privados mas não parece estar a trazer nenhumas vantagens ao orçamento.

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  2. 20 Novembro, 2010 22:59

    E a maioria, larguíssima maioria da populaça-NADA, nada perceberá: “paga e não bufa !”.
    Provavelmente votará (e reelegerá) o carrasco, que com mais uma choramingueira, o enaltecimento dum feito e a “atenção” para com os mais necessitados, os convencerá que “não há alternativa” — e “se calhar” não há mesmo uma esperançosa , diferente e motivante alternativa…

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  3. 20 Novembro, 2010 23:23

    JMF sabe, há muito tempo, tudo o que, agora, aqui escreve. Nada de novo …. Mas termina com um conceito: “movimento”, em “… existir na sociedade um forte movimento…”. Poderia ser um bocadinho mais explícito?

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  4. balde-de-cal permalink
    20 Novembro, 2010 23:26

    todos muito contentes pelo aumento da dívida pública.
    os contribuintes terão de pagar os empréstimos.

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  5. JCA permalink
    20 Novembro, 2010 23:49

    .
    estes dizem que o buraco é outro:
    .
    http://www.ronpaulforums.com/showthread.php?t=187864
    .
    O dinheirinho e os ‘ball-outs’ …..

    .

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  6. Lionheart permalink
    21 Novembro, 2010 00:50

    Pois claro que não perceberam o buraco em que estamos metidos. Aliás não vêm boi. Fica tudo muito admirado de os americanos não investirem no nosso país, mas só podem estar desatentos a TUDO. Mas os americanos, habituados a uma economia, para o melhor e para o pior, flexível, vinham investir num país em que, por exemplo, se discute se baixar os salários é inconstitucional?? Mas os portugueses pensam que a riqueza se decreta? É surreal!
    A elite política portuguesa vive numa redoma, é uma classe social protegida, que desde cedo vive de favores e dependências, que não tem de esforçar-se para nada, enquanto o país está inserido em sistemas político e económico altamente competitivos. As eleições em Portugal são “compradas” (o controlo do orçamento do Estado, da comunicação social e dos financiamentos aos partidos são meio caminho andado para permancer no poder largo tempo) e custa pouco chegar ao poder, mas por outro lado a realidade internacional é muito mais complexa e concorrencial.
    A provinciana classe política nacional (c0m poucas excepções) não consegue entender o estrangeiro e projecta a sua pequenina realidade nacional e ideologia nas relações internacionais. São uns saloios a ver o mundo, começando pelo emplastro que andou por todo o lado a pôr-se em bicos de pés, não perdendo uma oportunidade para aparecer em fotos e planos com líderes estrangeiros. Portugal não tem a presidência da NATO ou da UE era portanto dispensável (a não ser para efeitos da propaganda socialista) o frenesim mediático de Sócrates. Ser o chefe de “governo” do país anfitrião não é posto algum. RIDÍCULO! Mais ridículo ainda é mandar tropas para o Afeganistão sem se saber se há dinheiro para pagar aos militares em Dezembro. Sem se saber que importância REAL passa a ter o comando de Oeiras (desconfio que pouca, dado que a comunicação social nem falou nisso hoje, e logo esta que era a questão mais importante para o país anfitrião). Portugal é a todos os níveis um país de fachada.

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  7. tric permalink
    21 Novembro, 2010 00:59

    nao implementem o modelo economico-social de Salazar o mais rapidamente possivel, nao…FMI em Portugal so para fazer a transiçao do Euro para a nova moeda portuguesa e negociar as nossas dividas…

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  8. Por outra permalink
    21 Novembro, 2010 01:42

    Eh, nem parece que essa gente enxerga alguma coisa, sem olhos para ver nem orelhas para ouvir o que se passa. Refiro-me aos mercados internacionais, of course.
    Então ainda estrelejam foguetes da festa, que foi de arromba, ninguém nega, e os gajos não vêem mais que as nossa nalgas, ora poças, já é vício.
    Eu é que não sou parvo e dava-lhes todos os dias festança.
    Mas já cansa, já é fixação a mais e, como eu disse, já é vício, c’um caramba.

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  9. 21 Novembro, 2010 01:59

    O problema do país é moral. De ganâncias, compadrios, corrupção, manipulações e mentiras.
    Essa é a doença.

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  10. 21 Novembro, 2010 02:20

    JMF não sabe que mais de metade da chamada dívida pública é dívida dos bancos?????
    Não sabe que o crédito concedido pela banca se cifra em 7,3% de crédito foi concedido à agricultura, pesca e indústria e 78,1% foi para a construção, habitação, imobiliário e consumo????? ´
    Que a riqueza produzida pelos portugueses vai em grande parte para empresas offshore???? (consta que cerca de 10000 milhões/ano)????
    Ainda quer que os portugueses trabalhem mais e aufiram salário piores???? Portugal é o país com maior desníveis salariais (diz a OCDE)????
    O problema em Portugal não é o de que todos falam de privado mas querem que seja o público a pagar ??? Que raio de empreendadorismo é este????
    Em Portugal que raio de empresários existem???? Na maioria nem para engraxadores em outro país serviam …
    E chefes???? Quanto piores, melhores.

    Que raio de país defende, JMF ? Sul – americanização? Mais???
    Como é possível um pensador, um homem inteligente e sensível como você ser capaz duma análise tão desfocada dos verdadeiros problemas de que enforma o país … ? Como?
    Um problema das elites que não temos …

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  11. Tiradentes permalink
    21 Novembro, 2010 10:43

    Claro que é inconstitucional baixar os salários.
    Depois…bem depois levamos a nossa querida constituição à sra. Merkl e traduzimos a ver se ela dispensa mais uns euritos. Se essa “gaja” não ficar convencida quiçá o presidente Chinês? Sempre podemos dizer que a nossa foi inspirada no antigo dirigente dele.

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  12. 21 Novembro, 2010 11:10

    Do ficcionismo instalado
    após anos de alucinações,
    este país tão descontrolado
    vive intensas congeminações.

    Essa ficção tão criativa
    parece ter os dias contados,
    desta década abortiva
    ficam juros agigantados.

    Esses juros mais elevados
    que nós teremos de suportar
    brotam de males bem cavados
    por quem só soube desbaratar.

    Desse estado de negação,
    que há muito é defendido,
    emerge essa aberração
    de um regime tão perdido…

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  13. PMP permalink
    21 Novembro, 2010 12:36

    O JMF ainda não percebeu que temos dois problema económicos distintos (déficit público elevado e déficit comercial/externo muito elevado e neste caso não existem propostas).
    – despesa pública demasiado elevada, que se pode resolver cortand0 25% nos bens e serviços externos (cerca de 2000 milhões de euros por ano) e 5% nos custos com pessoal reduzindo o tamanho do governo e do numero de chefias e entidades em 25%. (mais 2000 milhões de euros).
    Reduzir em 25% o numero de empresas publicas por fusão, reduzir 5% as transferencias para municipios e regiões, vai poupar mais 300 milhões.
    Poderão ser poupados juros se os certificados de aforro tiverem uma rentabilidade de 3% em vez de 1%, pois estamos a pagar mais de 6% na divida emitida.

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  14. 21 Novembro, 2010 13:54

    Do Portugal Profundo
    http://www.doportugalprofundo.blogspot.com/

    Passos Coelho e o complexo bancário-construtor

    O Dr. Pedro Passos Coelho foi eleito presidente do PSD em 27-3-2010.
    Estamos em 16-5-2010. Teve, por aqui, cinquenta dias de graça.

    A minha opinião sobre a sua candidatura e o que representava foi clara
    no período anterior à sua eleição e no acto da sua vitória: entendia
    que representava alguns interesses muito prejudiciais ao País e ao PSD
    e que a sua eleição seria, por isso, muito desastrosa, ainda mais pela
    época crítica que se atravessava. Mas o facto da sua eleição devia ser
    respeitado, com a concessão de um tempo de graça, um tempo de prova em
    que ele pudesse contrariar a minha análise e enfileirar uma linha
    justa ou perder-se sem remédio na teia que já o envolvia.

    Pedro Passos Coelho não contradisse a expectativa que eu tinha e
    expressei. Pelo contrário, agravou-a. Depois de um período inicial em
    que, distanciando-se da imagem de criado da profana eminência parda
    Ângelo Correia, mostrou prudência e sentido de Estado, nomeadamente na
    questão presidencial, e certa ousadia ideológica – em seguir a
    proposta de que, com excepção de doentes e inválidos, não deve haver
    prestação social sem trabalho social -, não demorou a ceder aos
    interesses económicos de bancos e construtoras. Não era uma
    inevitabilidade: após a eleição, Passos Coelho podia seguir um caminho
    próprio, passar a representar a vontade do PSD e a interpretar o
    desígnio nacional, renegando a imagem de testa di ferro* – de
    interesses económicos e que excedem, agora, muito o universo
    pardacento da Fomentinvest. A eminência parda é agora uma hidra com
    várias cabeças, muito mais poderosa.

    Tenho para mim, e para os leitores, que o acudir de Pedro Passos
    Coelho a José Sócrates, na véspera da quarta-feira negra, de pânico na
    dívida soberana de Portugal e de queda das bolsas, que redundou no
    pré-acordo de 28 de Abril de 2010, foi um movimento ditado pelos
    interesses económicos em questão. A bancarrota do Estado português, em
    7-5-2010, que aqui denunciei, e a submissão de Portugal a um regime de
    protectorado da UE-FMI, na cimeira europeia de 9-5-2010, consolidaram
    o entendimento. E foram esses mesmos interesses que se lhe impuseram
    no inédito pacto de governo da madrugada de 13-5-2010, em que, à parte
    os interesses que mamam, um partido chucha e o outro chora, e o
    obrigaram a «dar a mão» a José Sócrates. A maratona negocial entre os
    lugares-tenentes Fernando Teixeira dos Santos e António Nogueira
    Leite, que, segundo o Expresso (de 15-5-2010) foi concluído às 6:55 da
    manhã, que entretanto promete uma redução adicional do défice em 2011
    para 4,6% do PIB, foi motivada pela necessidade de enterrar o pacote
    da austeridade (o tal segundo Programa de Estabilidade e Crescimento,
    para substituir a irresponsabilidade do primeiro), debaixo da
    ubiquidade noticiosa da celebração papal de Fátima, no 13 de Maio de
    2010, esvanecendo a indignação imediata pela dureza das suas medidas.
    Com natureza de escorpião, o primeiro-ministro fez constar que era
    mais suave no plano fiscal, e mais preocupado com as pequenas e médias
    empresas, do que o PSD queria, quando, segundo o Expresso de
    15-5-2010, subiu, nesse acordo, a isenção de aumento do IRC para as
    empresas até dois milhões de euros de lucro; e mandou criticar o
    parceiro de acordo pelo facto de Passos Coelho ter pedido desculpa aos
    portugueses pelo apoio à austeridade e aumento dos impostos do Governo
    Sócrates!…

    A reunião de pré-acordo PS-PSD entre Sócrates e Passos Coelho, no
    fatídico 28-4-2010, quando o Estado se encontrava à beira da
    bancarrota (que aconteceu em 7-5-2010), decorreu na mesma manhã em em
    que o Governo socialista celebrou o contrato de concessão rodoviária
    do Pinhal Interior (variante do Troviscal e outras obras absolutamente
    urgentes e imprecindíveis) no valor de 1,244 mil milhões de euros (que
    fez crescer a dívida portuguesa em mais de cerca de 1% face ao Produto
    Interno Bruto-PIB) ao consórcio Mota-Engil/BES. Não acredito que essa
    concessão, que faz crescer a dívida portuguesa face ao PIB em cerca de
    1%, não tenha sido discutida, nem que Passos Coelho se tenha oposto
    veementemente a que tal sucedesse – se assim fosse, o líder do PSD
    expressaria a sua indignação específica com tal procedimento de má-fé
    negocial e denunciaria o pré-acordo logo nessa noite ou nos dias
    seguintes. Porém, nada li da indignação do líder do PSD com esse
    absurdo despesismo do Pinhal Interior na pré-eminência da bancarrota
    nacional, o que me leva a supor ter sido consentida essa concessão.
    Mais ainda, o Governo socialista celebrou o contrato de adjudicação do
    patético troço do TGV Caia-Poceirão em 8-5-2010, no valor de 1,494 mil
    milhões de euros ao consórcio liderado pela Brisa e Soares da Costa,
    que representa mais de 1% da dívida pública portuguesa face ao PIB, na
    mesma altura em que decorria em Bruxelas a reunião crítica em Bruxelas
    para impor a José Sócrates as medidas de austeridade a tomar por
    Portugal face à bancarrota do Estado português, que tinha ocorrido na
    véspera, medidas essas em contrapartida de uma linha caritativa de
    crédito adicional e do compromisso dos bancos centrais em comprar
    dívida portuguesa para evitar a subida exponencial dois juros… E
    também neste caso não vi o PSD a denunciar o acordo por má-fé
    socratina, o que me leva a crer que esta concessão tenha sido
    consentida, por mais que se disfarce. Como se vê, cerca de dois por
    cento de aumento de dívida face ao PIB consignados a obras públicas
    não urgentes e de escassa utilidade imediata, mais ou menos o que se
    pretende poupar no défice em dois anos à custa do bem-estar do povo,
    nos salários, pensões, subsídios e impostos – e não se diga que essa
    questão não se põe por causa da diluição dos encargos ao longo de
    dezenas de anos, pois a dívida aumenta, o serviço da dívida aumenta,
    os juros aumentam e a credibilidade financeira da República Portuguesa
    diminui. Em conclusão deste assunto, verifica-se também um pacto de
    grandes obras públicas entre Sócrates e Passos Coelho, em que metade
    desta despesa de cerca de 2% da dívida pública face ao PIB, é para a
    Mota-Engil/BES e outra metade para a Brisa, do Grupo José de Mello, e
    a Soares da Costa, da Investifino, que aumentam o endividamento do
    País e diminuem o bem-estar dos portugueses, sem que o povo se
    tranquilize quanto à solvência do Estado. E, estranhamente, Bloco de
    Esquerda e PC alinham nesse despesismo absurdo das grandes obras
    públicas, realizadas á custa do bem-estar do povo.

    Para os interesses económicos predominantes no País, Pedro Passos
    Coelho significa uma emulação fresca de José Sócrates e mais
    defensável. Não, por acaso, as sondagens começam a fazer um caminho
    inverso, numa tentativa sistémica de reciclagem ambiental do
    primeiro-ministro que tem o consenso geral, mesmo no PS – com a
    excepção do próprio Sócrates… Sócrates, que veio da Cova da Beira para
    a capital ainda agarrado aos conhecimentos regionais, evoluíu, depois
    de chegar ao Governo, para um entendimento trinitário, sem perder a
    tutela profana omnipresente, que se junta nas alturas mais críticas
    quando teme que o poder possa cair… no povo. A mesma tutela, e os
    interesses do mesmo género, têm confiança de que Passos Coelho seguirá
    a mesma política promíscua e de submissão áquilo que posso chamar, na
    acepção do general Eisenhower, o complexo bancário-construtor. O
    desperdício do dinheiro do Estado em investimentos faraónicos absurdos
    tornou-se um problema tão grave quanto o ócio socialista da
    subsidio-dependência.

    Nenhum líder da oposição ignora que a co-responsabilização por um
    programa de austeridade, de um governo mortalmente afectado pela
    corrupção, lhe é prejudicial e ao seu partido: o consolo dos eleitores
    socialistas pela atitude de Passos Coelho não traz um voto ao PSD.
    Pedro Passos Coelho poderia ter feito como Mariano Rajoy, que
    responsabilizou o Governo Zapatero pela situação dramática de Espanha
    e apresentou um plano alternativo ao plano de austeridade do Governo
    socialista, deixando ao Governo de José Sócrates a responsabilidade
    pela tragédia das finanças públicas e da economia nacional e pela
    decisão de um pacote de austeridade que aumenta a receita à custa do
    bem-estar do povo em vez de diminuir a despesa das obras públicas
    socraónicas. Não é do seu interesse eleitoral arrostar com a culpa e o
    contágio do socratismo.

    Nem é do interesse do País a aliança com José Sócrates. A decisão de
    Passos Coelho apoiar o pacote de austeridade de José Sócrates não se
    pode justificar com o patriotismo. A linha patriótica não consente
    qualquer aliança com este PS ou co-responsabilização do PSD pelo
    pacote de austeridade do Governo Sócrates. Por dois motivos: porque a
    substituição do Governo socialista e a sua responsabilização é uma
    necessidade da recuperação nacional e porque o pacote de austeridade,
    mais o que tem escondido, é nefasto para as finanças e a economia do
    País. A constituição do novo bloco central de Sócrates-Coelho prolonga
    a agonia do povo e penhora ainda mais o Estado à satisfação dos
    interesses de grupos bancários e de obras públicas.

    Por tudo isto, julgo que a liderança de Passos Coelho, e da sua
    direcção, está a ser um desastre para o PSD e o País. Portanto, deve
    ser criada no PSD uma alternativa justa, moderada, reformista e sem
    qualquer compromisso com o socratismo que se prepare, durante esta
    inevitável erosão do governo socialista e as elições presidenciais,
    para servir o País em representação do povo.

    Pós-Texto (23:45 de 17-5-2010): Beijos de Judas e o tango de Sócrates
    com Passos Coelho
    A alegada posição de Miguel Frasquilho, o economista do grupo Espírito
    Santo que faz parte da entourage de Passos Coelho, expressa no
    relatório «A Economia Portuguesa – Maio de 2010» da Espírito Santo
    Research, de elogio da «consolidação das contas públicas do Governo de
    José Sócrates» e onde, de acordo com o jornal, «assegura que Portugal
    não enfrenta riscos de liquidez, evoca o PEC para realçar os esforços
    do Governo para reduzir o défice das contas e reafirma a sua confiança
    no crescimento económico impulsionado pelas reformas estruturais» é
    mais outro ferroada de Sócrates a Passos Coelho, por intermédio da
    central governamental de informação, produtora dos tais conteúdos e
    veiculada pelos meios de confiança, neste caso o DN, de 17-5-2010.
    Beijos de Judas que culminam na frase assassina, e de muito mau gosto,
    de Sócrates que, hoje, no Foro ABC, em Madrid , revelou Passos Coelho
    como seu parceiro de… tango (i, de 17-5-2010):
    «Como se diz em espanhol [sic] para dançar o tango são precisos dois.
    Durante muitos meses não tinha parceiro para dançar. Felizmente houve
    uma mudança na oposição. Tem agora um líder que olha para a situação
    com responsabilidade e patriotismo».
    Sócrates é um dançarino que morde depois de beijar. E Passos Coelho
    não recuperará desta ferida.

    * A expressão «testa di ferro» terá origem no elmo fechado (e no
    serviço de Felipe II de Espanha…) de Emanuel Felisberto de Sabóia
    (1528-1580), que, após a morte de D. Sebastião, no desastre de Alcácer
    Quibir, em 4 de Agosto de 1578, foi pretendente ao trono de Portugal
    por ser filho da infanta Beatriz de Portugal, segunda filha de D.
    Manuel I e de D. Maria de Aragão, e cunhada do imperador Carlos V.

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  15. 21 Novembro, 2010 14:10

    “gincana eleitoral de curto prazo”
    Gincana? Não será chicana?
    Francamente…

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  16. lucklucky permalink
    21 Novembro, 2010 16:54

    “Primeiro que tudo, uma economia anémica, incapaz de crescer, quase estagnada há dez longos anos”
    .
    Errado, já estamos em recessão há 10 anos e só o crédito enorme que pedimos emprestado estimulou artificialmente a economia.
    Agora vamos ter a recessão diferida quando acabar o dinheiro dos empréstimos lá para 2012…

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  17. Bloody Mary permalink
    21 Novembro, 2010 20:58

    Mas lá para 2012 também dizem que vêm as tempestades solares que vão dar cabo desta pessegada toda… É só fazer as contas, como dizia o outro… Se não for do traseiro vai ser das ceroulas!

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  18. lucklucky permalink
    21 Novembro, 2010 22:14

    “O problema em Portugal não é o de que todos falam de privado mas querem que seja o público a pagar ??? Que raio de empreendadorismo é este????.
    Em Portugal que raio de empresários existem???? Na maioria nem para engraxadores em outro país serviam …”
    .
    O que é que isso diz dos trabalhadores portugueses?

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  19. Bulimunda permalink
    22 Novembro, 2010 10:36

    Quem tem cu tem medo..

    When I Have Fears ..by Jonh Keats…

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  20. JCA permalink
    22 Novembro, 2010 12:30

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    Pois é, ‘amarrações’ a ‘canhangulos e tapetes voadores’ ….
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  21. JCA permalink
    22 Novembro, 2010 13:03

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    Ainda não querem perceber: os remendos no apodrecido já não resolvem Portugal.
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    10 REFORMAS POMBALINAS de fundo. Um pacote simples ‘all-in-one’ para reacender rapidamente Portugal. Sem necessidade de Austeridade que canibaliza definitivamente a Economia, o Tecido Económico e a Criação de Riqueza por Portugal:
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    -APROVAÇÃO PELA AR e EVENTUL INCLUSÂO POSTERIOR NA CONSTITUIÇÃO (embora não necessária):
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    1) RACIO máximo PIB/Carga Fiscal.
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    2) RACIO máximo PIB/Despesas do Estado (*)
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    (*) Provocadora da Reforma séria da estrutura de Governança, da Burocracia Publica e do Orçamento Geral do Estado. A ultrapassagem destes racios só viabilizada por 2/3 ou 3/ 4 de votos da AR.
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    -BANCA EM PORTUGAL:
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    3) SEPARAÇÂO ABSOLUTA da Banca Comercial de quaisquer actividades especulativas, Sociedade de Investimentos Financeiros e Hedge Funds para protecção absoluta das Poupanças e Dinheiro dos Depositantes para regresso da confiança nos Bancos.
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    4) Avaliação da utilidade de NACIONALIZAR o Banco de Portugal.
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    5) CONTRIBUIÇÃO DE GARANTIA BANCÁRIA calculada sobre todos os negócios e receitas da Banca habilitando financeiramente o Fundo de Garantias Bancárias para devolver a qualquer momento os Depósitos dos Cidadãos, Empresas e Entidades Publicas que confiaram no Banco que ficou inviabilizado, faliu ou fechou.
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    -IMPOSTOS E FISCALIDADE:
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    6) ABOLIÇÃO de todos os Impostos substituindo-os pelo INU – Imposto Nacional Único colectado sobre tudo o comprado e facturado dentro de Portugal (**)
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    (**) Pagamento dos Ordenados Brutos aos Empregados pelas Entidades Patronais.
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    7) AMNISTIA Fiscal para estancar o estado de falência do Tecido Económico Nacional e a insolvência dos Cidadãos, já praticado antes e depois do 25 de Abril.
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    -SEGURANÇA SOCIAL:
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    8) ABOLIÇÃO dos Descontos mensais de Empregadores e Empregados substituindo-os pelo ISU – Imposto Social Único colectado sobre tudo o comprado e facturado dentro de Portugal (***)
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    (***) Pagamento dos Ordenado Brutos a todos os Empregados pelas Entidades Patronais.
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    9) Instauração da PENSAO NACIONAL UNICA, igual a 2 ou 3 vezes o SMN-Salario Mínimo Nacional, universal e igual para todos os Reformados Portugueses.
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    10) Criação do Fundo Nacional de REFORÇO DA PENSÃO NACIONAL UNICA, gerido pelo Estado, para quem queira depositar mensalmente um valor incerto a qualquer momento para assegurar um reforço publico do valor mensal da Pensão Nacional Única atingida a idade de reforma até ao falecimento (****)
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    (****) Na transição do velho para o novo Sistema, passariam para o Fundo de Reforço da Pensão Única, os valores já descontados por Empregados e Empregadores correspondentes à diferença entre o valor da Pensão Única e a Pensão em vigor no momento da Inscrição na Segurança Social
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    Continuam e são impotentes os discursos partidários habituais para confundir a Árvore com a Floresta.

    A ÁRVORE, a ‘mãe de todas as guerras’ de Portugal e dos Portugueses, chama-se DINHEIRO, notas e moedas a circular na carteira dos Cidadãos e nas tesourarias das Empresas.
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    A FLORESTA chama-se ‘Capitalismo Selvagem’ e ‘Oportunismo chico-esperto’ na administração e gestão do Estado e na Burocracia Publica. E nos Direitos Civilizacionais: Saúde, Pensões, Apoio no Desemprego e Educação etc.
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    Estas Reformas, e outras acessórias, desencadeiam a maior Reforma de Portugal desde Marquês de Pombal e reacendem Portugal
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    Quem tiver intuição vê o alcance, a estratégia política e a força da reforma que resolverá Portugal com uma visão que observa o País de fora do sistema imobilizado, imobilizador, paralisado e destruidor continuo do Tecido Económico e do Aparelho Produtivo em Portugal.
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    Se já aplicadas sequer se falaria hoje de FMI por desnecessário.
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  22. josé carvalho permalink
    22 Novembro, 2010 19:46

    Reflexões de um simples cidadão :
    – Porque é que o factor importações (designadamente no que respeita a bens alimentares) anda praticamente arredado da discussão política/pública, quando se sabe que é uma das causas predominantes para o desequilíbrio das nossas contas. Não será urgente recuperar com vigor o sector produtivo primário (que foi quase desmantelado há 20/30 anos a troco de dinheiro fácil da CEE) e desenvolver o débil sector secundário (também ele ostracizado) ?
    – Com a adesão ao euro verificou-se o crescimento exponencial da dívida externa, o crescimento assustador do desemprego, a falta de competitividade e a continuação de uma economia rastejante. Como ainda não consegui descortinar entre os nossos economistas qualquer explicação racional que aponte para uma simples coincidência, chego à conclusão que a adesão ao euro foi/é a questão central desta problemática.
    – Não creio efectivamente que a mesma (esta) classe política que por incompetência, inépcia, clientelismo e desmazelo pela coisa pública nos trouxe ao longo dos anos até este buraco, se mostre agora capacitada para nos tirar dele.

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