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Sexo gay é mais perigoso do que sexo com seropositivos?

17 Maio, 2015

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Esta é a manchete do DN de hoje. É, obviamente, falsa.Quem tenha um parceiro sexual seropositivo não pode dar sangue, ponto.

Lida a notícia, o que parece espantar o DN é o IPS ter um critério genérico para homossexuais (não podem doar sangue) e outro para heterossexuais (podem dar, desde que respeitem determinados critérios).Há boas razões para isto. A segmentação de uma pequena população com prevalência elevada de hiv é, por um lado, uma perda de tempo, e por outro, um risco. Por isso é que o IPS não refina a triagem de pessoas que declarem ter tido sexo com homens e refina a triagem de heterossexuais.

Imagine-se que o IPS decide não excluir toxicodependentes a priori. Em vez disso decide refinar a triagem. Pergunta à pessoa quando se injectou pela última vez, se usou seringas descartáveis e se se prostituiu para comprar droga. Estando a trabalhar com uma população com elevada incidência de HIV, o IPS estaria a fazer perguntas muito delicadas sobre questões em que as pessoas teriam tendência para se autoiludir. Seria seguro? Valeria a pena?

Quanto aos heterossexuais, estamos a falar de pelo menos 95% da população, com baixa incidência de HIV. Não podem ser excluídos à partida. Vale a pena refinar a triagem. Faz-se, obviamente a pergunta: tem ou teve um parceiro sexual seropositivo? Se tem, não pode dar sangue. Se teve há mais de 6 meses, a pessoa tem que explicar o que está ali a fazer. Fez o teste do HIV? Deu negativo? Tem acompanhamento médico? Acho que é óbvio que sem acompanhamento médico e um teste negativo prévio não pode ser dador. E tudo isto pode ser avaliado.

Quando o DN afirma “Para Instituto do Sangue, sexo gay é mais perigoso do que sexo com seropositivos” não está na realidade a perceber o problema. Para o ISP sexo gay implica a pertença a uma população que não vale a pena refinar (porque a redução de segurança não compensa o aumento de dádivas). Quanto ao sexo com seropositivos, o ISP considera que é um risco até haver informação concreta que não é.

Portanto, o que está em causa são dois raciocínios completamente diferentes:
1. Perante uma população sobre a qual apenas se sabe que é pequena e o risco é relativamente elevado o IPS opta por excluir todos para não pensar mais no assunto. Perante informação difusa que sugere risco elevado a opção é por minimizar o trabalho.
2. Perante factos concretos, analisáveis, (caso dos parceiros seropositivos) o IPS opta por usar a informação bastante detalhada que tem para decidir.

Claro que tudo isto podia ser feito de outra maneira. Podia, por exemplo, aceitar-se homossexuais que tenham testado negativo há menos de 2 meses ou rejeitar-se sem perguntas adicionais quem tenha tido parceiros sexuais seropositivos. São regras plausíveis, que podem vir a ser adoptadas no futuro se se demonstrar que melhoram o sistema. Convém no entanto perceber que o objectivo é produzir lotes de sangue seguros e em quantidade suficiente para as necessidades e que o sistema está concebido para atingir esse objectivo da forma mais prática possível. Sistemas destes são conservadores e baseiam-se no que está provado que não causa dano.

6 comentários leave one →
  1. 17 Maio, 2015 15:35

    Quando os jornalistas trabalham para o lucro não há regras que resolvam. Assumir cada um o risco de decidir sobre a informação que lê é a unica resposta; seja na net seja noutro media .Tudo menos controle pŕevio ou leis especiais; as que temos chegam e sobram; e as entidades reguladores fazem bem em mostrar a sua inutilidade; que lhes façam bom proveito os salarios que recebem e mantenham-se mansos.

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  2. Churchill permalink
    17 Maio, 2015 16:25

    Obviamente foi algum gay do DN que escreveu isto, e outro(a) que aprovou.

    Qualquer pessoa que já tenha dado sangue sabe que há um conjunto vasto de critérios para inviabilizar a dádiva, é a normal avaliação e gestão do risco. Não vale a pena estar a retirar sangue a uma pessoa para depois o deitar para o lixo (ainda por cima é um lixo caro), e a probabilidade de homossexuais terem transmissão de doenças pelo sangue é muito superior à dos heterossexuais.

    Vendo pela lógica do que o DN escreve
    – uma pessoa que tenha tido 2 parceiros sexuais no semestre tem menos direitos que os homossexuais?
    – uma pessoa que tenha viajado para o Brasil tem menos direitos (e isso não é racismo contra os brasileiros?)?

    Para quem não entre na espuma da noticia, a questão de aceitar dadores com elevado potencial de risco não faz sentido, e não é pela orientação sexual ou outro comportamento por si que se faz a distinção, é pela avaliação cientifica.

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    • JoaoMiranda permalink*
      17 Maio, 2015 16:57

      Miguel,

      Acho que no meu último parágrafo dou isso de barato. Poderia excluir-se sem problema quem fez sexo com seropositivos. Ou mesmo incluir quem sendo gay testou negativo recentemente. Simplesmente não foram essas as opções e o sistema funciona.

      O meu ponto é apenas que os dois critérios são em pontos diferentes da triagem e envolvem raciocínios diferentes e não requerem comparação de risco entre eles.

      Crítico para o sistema fazer sentido é a existência de mais de um teste em quem fez sexo com seropositivos. Só isso assegura que o risco é aceitável.

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  3. Buarqueiro permalink
    17 Maio, 2015 18:10

    Fico preocupado pois o primeiro ministro do Luxemburgo não pode ser dador e o marido também não.
    São 2 e fazem falta

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  4. luís p.jesus permalink
    18 Maio, 2015 17:08

    Há tempos bastava ter diversos parceiros nos últimos 3 meses para no H. Santa Maria sermos considerados promíscuos e ficar sem doar sangue.

    E «diversos» o sentido temporal, sem agrupar , e «parceiros» no sentido hetero e banal. Ou seja, ser «namoradeiro».

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