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Os limites da regulação

22 Setembro, 2008

Pedro Arroja coloca a seguinte questão sobre o papel regulador do Estado:

Por outras palavras, deve ou não o Banco de Portugal supervisionar a banca, a CMVM as empresas cotadas em Bolsa, o Instituto de Seguros de Portugal as empresas seguradoras, o Ministério da Saúde os medicamentos lançados no mercado, a ASAE as empresas que produzem e distribuem bens alimentares?

Existe uma questão prévia a esta pegunta e que eu tentei explicar neste post: que regulação dos mercados financeiros é que é possível? A analogia entre os produtos financeiros e os produtos alimentares tem sido frequentemente repetida neste debate, mas estes produtos têm naturezas radicalmente diferentes. A qualidade alimentar é objectiva. Existem testes que a determinam com rigor. A natureza dos produtos financeiros é subjectiva. A natureza subjectiva dos produtos financeiros é a razão pela qual eles devem ser transacionados em mercados. Só os mercados é que podem reunir a informação dispersa por toda a economia para determinar a qualidade de um produto financeiro. Se o regulador o conseguisse fazer, não seria regulador mas trader.

 

Existem por isso limites à regulação que são inerentes à actividade financeira e que não podem ser ultrapassados. Reconhecer que estes limites existem e que determinadas formas de regulação introduzem ruído nos mercados é muito mais importante do que discutir se deve ou não deve existir regulação. Até porque a regulação já existe, não vai deixar de existir, quando não existe é o próprio mercado que a cria e não foi ela que evitou a crise. A questão prática que deve ser colocada não é se deve haver regulação, mas sim como é que a regulação que existe deve ser reformada. Qualquer reforma que se faça não pode deixar de ter em conta que a regulação concreta não é possível. Toda a regulação tem que ser abstracta e respeitar os princípios básicos de uma economia de mercado (ver A CRISE FINANCEIRA E O PRAGMATISMO). Isto implica que um reformador da regulação deve preocupar-se em primeiro lugar em eliminar toda regulação concreta para em seguida introduzir elementos de regulação abstracta. A partir daqui, a regulação até pode ser pública, mas se for privada, melhor.

38 comentários leave one →
  1. José Rocha permalink
    22 Setembro, 2008 14:00

    Sempre que houver monopólio ou abusos das liberdades individuais dos clientes e trabalhadores, deve haver regulação e sistema de justiça.
    Wall St. caiu porque os americanos estão falidos. A regulação evitaria que as coisas chegassem tão longe, mas não evitaria a falência financeira de uma sociedade.

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  2. 22 Setembro, 2008 14:15

    Miranda,

    Já percebi no que é que isto te faz confusão:

    “Só os mercados é que podem reunir a informação dispersa por toda a economia para determinar a qualidade de um produto financeiro. Se o regulador o conseguisse fazer, não seria regulador mas trader.”

    Esta afirmação não faz qualquer sentido, por várias razões. Se assim fosse, seria impossível, também, a autoregulação porque os organismos internos dos bancos não conseguiriam medir risco porque, se soubessem, seriam traders. A mensuração de risco, que é quase tudo na regulação bancária, é ela mesmo uma medida da incerteza portanto não é necessário reunir toda a informação, basta saber aquela que não se tem para se estabelecer que intervalo de desconhecimento é permitido. Porque quem sabe tudo não é trader, é mentiroso.

    Todo o negócio da banca se baseia nisso (e toda a teoria de investimento), que rendibilidade espero e com que risco, sendo que este é a medida da incerteza com que vou obter a primeira. Dizer que isto é demasiado complicado para ser regulado é desconhecer, em primeiro, de que negócio estamos nós a falar, certo?

    Quanto à afirmação ” um reformador da regulação deve preocupar-se em primeiro lugar em eliminar toda regulação concreta para em seguida introduzir elementos de regulação abstracta. A partir daqui, a regulação até pode ser pública, mas se for privada, melhor.”, sugiro que aprofundes um bocado o teu conhecimento da regulação bancária uma vez que esta é exactamente aquilo que estás a defender, mas com um protocolo de comunicação entre as partes que se pode confundir com aquilo que chamas “concreto”.

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  3. 22 Setembro, 2008 14:19

    Adenda ao comentário anterior:

    Boa parte dessa regulação “abstracta” foi estabelecida pelo mercado e depois passada para legislação local em que o concreto são as formas de comunicação do estabelecimento do cumprimento com esse “abstracto”.

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  4. JoaoMiranda permalink*
    22 Setembro, 2008 14:21

    ««Se assim fosse, seria impossível, também, a autoregulação porque os organismos internos dos bancos não conseguiriam medir risco »»

    Pois, mas auto-regulação não é um processo racional centralizado nos organismos internos dos bancos. É um processo descentralizado, não racional que resulta das opções dos agentes, incluindo das opções erradas, e dos mecanismos de falência ou de acumulação de capital.

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  5. 22 Setembro, 2008 14:29

    “Pois, mas auto-regulação não é um processo racional centralizado nos organismos internos dos bancos. É um processo descentralizado, não racional que resulta das opções dos agentes, incluindo das opções erradas, e dos mecanismos de falência ou de acumulação de capital.”

    Mais uma vez, cais no mesmo erro. Para isso será preciso que o mercado não colapse com as opções dos agentes e é exactamente por isso que os mercado no seu conjunto encontrou regras para evitar o colapso e as passou para as legislações nacionais de cada um dos países do mundo civilizado. Essa equação é linda, mas só funciona longe das condições fronteira. A regulação bancária, por acaso, não é uma invenção dos estados ou de um estado. Foi uma invenção dos bancos e imposta aos estados.

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  6. JoaoMiranda permalink*
    22 Setembro, 2008 14:42

    ««Mais uma vez, cais no mesmo erro. Para isso será preciso que o mercado não colapse com as opções dos agentes e é exactamente por isso que os mercado no seu conjunto encontrou regras para evitar o colapso e as passou para as legislações nacionais de cada um dos países do mundo civilizado.»»

    Para a auto-egulação funcionar é necessário que o risco de colapso exista. É necessário que o risco de erro exista, etc. Quando a regulação pública é acompanhada com garantias públicas e obrigações concretas, os incentivos que geram auto-regulação desaparecem. A legislação não evitou colapso nenhum, pois não? O que evitou o colapso foi o dinheirinho público que os agentes de mercado já sabiam que os ia salvar. Então para quê insistir nessa ficção de que a regulação evita o colapso?

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  7. 22 Setembro, 2008 14:49

    “dinheirinho público que os agentes de mercado já sabiam que os ia salvar”

    Claro que sabiam, por isso é que as bolsas cairam enquanto o dinheirinho público não apareceu…

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  8. JoaoMiranda permalink*
    22 Setembro, 2008 14:57

    O ponto principal, Tonibler, é que a regulação pública concreta, especialmente quando associada a garantias públicas, distorce o mercado e destrói os mecanismos de auto-regulação.

    Por exemplo, se o Estado proíbe o short seeling, isso elimina um mecanismo de correcção do valor das acções sobreavaliadas. O mercado funciona durante mais tempo com preços fictícios. A proibição do short selling é um caso tipo de regulação concreta que visa obter objectivos concretos (reduzir o risco de colapso), mas que tem como consequência a manutenção em actividade de empresas falidas. A partir do momento em que as falências se tornam menos prováveis, as empresas passam a arriscar mais.

    Outro exemplo de regulação concreta é a fixação das taxas directores. Este tipo de regulação para alem de ser propenso a erros (ninguém sabe ao certo o valor correcto das taxasde juro porque a poupança é desconhecida) está muitas vezes contaminado de objectivos políticos concretos (por exemplo, reduzir o desemprego). Ora, esta fixação das taxas de juro destrói os mecanismos de auto-regulação. Taxas de juro baixas, por exemplo, levam as empresas a correr mais riscos e fazem aumentar o tamanho das empresas (reduzindo a compartimentação).

    Outro factor que torna a regulação um factor de destruição da auto-regulação é o estabelecimento de garantias públicas implicitas ou explicitas. Essas garantias levam os agentes a correr mais riscos e a criar cadeias de risco elevado responsáveis pelo colapso do sistema.

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  9. 22 Setembro, 2008 15:08

    Há várias medidas de reforço da regulação que não interferem com a formação de preços per se, e que minimizam o impacto destas crises financeiros na economia real, como por exemplo o aumento da transparência, a separação de contas, o fim dos bónus milionários (que geram um incentivo perverso para o gestor de fundos assumir risco acima do que o fundo prevê), e a não privatização, parcial ou total, dos fundos de pensões do estado.

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  10. José Rocha permalink
    22 Setembro, 2008 15:21

    Pois, que a regulação não sirva para a preservação da incompetência ou da falta de espírito concorrencial. Do género, eu sou um bom consultor, vamos todos dizer isso bem alto e que os outros não prestam, e vamos regular isso.
    Cuidado que os estados podem estar reféns da incompetência de terceiros.

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  11. Carlos Duarte permalink
    22 Setembro, 2008 16:10

    Caro JM,

    Veja se consegue perceber uma coisa: o mercado NÃO se auto-regula em situações “limite”, de forma satisfatória. Se Vc. acha “satisfatório” que o pessoal volte e meia ande aos tiros, então está bem, caso contrário, tem de existir sempre mecanismos-travão (sim, mesmo à custa do crescimento) que impeçam estes casos.

    Aliás, acho bastante interessante que alguém formado em Eng. Química, “ache” que situações de run-away sejam impossíveis nos mercados. São, e os exemplos foram muitos!

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  12. JoaoMiranda permalink
    22 Setembro, 2008 16:29

    ««Veja se consegue perceber uma coisa: o mercado NÃO se auto-regula em situações “limite”, de forma satisfatória.»»

    Pois, mas o que é relevante é o que acontece antes de se chegar às situações limite. Se antes das situações limite o regulador destrói a auto-regulção então o mais provável é que ocorram situações limite. As situações limite criadas por uma regulação que anula a auto-regulação.

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  13. JoaoMiranda permalink
    22 Setembro, 2008 16:31

    ««“ache” que situações de run-away sejam impossíveis nos mercados.»»

    Não são impossíveis. O que são é mais frequentes quando os mecanismos de auto-regulação são destruídos.

    O que eu acho interessante é que o que eu defendo nem sequer seja compreendido.

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  14. Carlos Duarte permalink
    22 Setembro, 2008 17:10

    Caro João Miranda,

    Não são nada… e mudando para “termos” fisíco-químicos, o run-away ocorre em reacções auto-catalizadas, ou seja, é a próprio mecanismo interno da coisa (que deveria auto-regular-se) que não o faz e resulta na “destruição” do sistema (ou se quiser, a regulação em ponto limite).

    Já o PA tentou explicar-lhe isso em termos fisiológicos. Tem um bom exemplo nos cancros, que são processo biológicos fora de controlo. Ou em estados de choque. Em que os mecanismos INTERNOS de regulação pura e simplesmente ou não funcionam ou, pior ainda, catalizam a coisa.

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  15. Carlos Duarte permalink
    22 Setembro, 2008 17:14

    Você parece aquelas pessoas que gangrenam uma perna (normalmente por não se “regularem” e mandarem os diabetes para números astronómicos) e que os médicos mandam amputar. As pessoas recusam-se (vão “perder a perna”) e acabam por morrer…

    É óbvio que uma regulação externa levará ao aparecimento (se calhar com maior frequência) de situações limite, mas essas situações serão sempre de menor impacto do que “deixar a coisa rolar”. É igualmente óbvio que a regulação tem de ser adequado e adaptável. Agora, não ter nenhuma irá sempre resultar, a médio-longo prazo, na destruição do sistema.

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  16. 22 Setembro, 2008 17:14

    Miranda,

    “se o Estado proíbe o short seeling, isso elimina um mecanismo de correcção do valor das acções sobreavaliadas” A possibilidade de short selling é relativamente recente em Portugal, por exemplo, e os mercados funcionavam na mesma. De qualquer forma, a venda a prazo continua permitida pelo que se o mercado o quiser podem surgir opções e futuros de maturidades mais curtas. Mas o facto é que nunca apareceram, pois não???

    “mas que tem como consequência a manutenção em actividade de empresas falidas” Embora seja normal que as empresas falidas tenham quebras no valor das suas acções, o contrário não é verdade pelo que a relação de causa-efeito que aqui se estabelece não é verdadeira. Como facilmente se observou nas últimas semanas, aquilo que vem vindo a acontecer é compras ao desbarato que estão a provocar o aparecimento de gigantes que podem influenciar, mais que um mercado, uma sociedade. Antes de um colapso global podemos assistir a um não menos nocivo nascimento de um “sistema solar financeiro”. Imagino que em vez de estares a refilar com o BCE por causa das taxas de juro, tivesses que papar com uma taxa de um banco chinês da qual não podes refilar, a coisa seria diferente. Certo?? E aí refilavas com quem a pedir pelo funcionamento do mercado????

    “Taxas de juro baixas, por exemplo, levam as empresas a correr mais riscos e fazem aumentar o tamanho das empresas (reduzindo a compartimentação”
    Taxas de juro mais baixas tiram dinheiro do colchão fazendo as pessoas investirem nas actividades produtivas e criando novas empresas, novos postos de trabalho e aumenta a granularidade do tecido económico. Pois é, há mais que uma derivada parcial na coisa, por isso é que o mundo não é a preto e branco…

    “Outro factor que torna a regulação um factor de destruição da auto-regulação é o estabelecimento de garantias públicas implicitas ou explicitas. Essas garantias levam os agentes a correr mais riscos e a criar cadeias de risco elevado responsáveis pelo colapso do sistema”
    Não. A ideia é que essas garantias cobram esse risco ou partilhem esse risco, colocando mais eficiência na prestação de uma qualquer necessidade pública. Afinal, tu tanto defendes a prestação de serviços públicos por privados e aqui condenas? Essas garantias existem porque existe um bem público a ser financiado e o estado, correctamente, passa esse financiamento a privados pagando apenas parte de um prémio de risco. Se isto fosse educação ou saúde estavas a bater palmas, sendo crédito é mau?

    Ponto fundamental, Miranda, é que regular não é virar um botão todo para um lado ou para o outro. É fazer o tunning à medida que se vai aprendendo.

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  17. JoaoMiranda permalink*
    22 Setembro, 2008 17:17

    ««Não são nada… e mudando para “termos” fisíco-químicos

    Os sistemas económicos não são sistemas fisico-químicos, logo não estou a ver onde pretende chegar.

    ««, o run-away ocorre em reacções auto-catalizadas, ou seja, é a próprio mecanismo interno da coisa (que deveria auto-regular-se) »»

    Devia regular-se porquê? Já me viu alegar que todos os sistemas são estáveis? O que eu alego é que os sistemas económicos são mais estáveis se determinados princípios abstractos forem seguidos. Não defendi nada em relação a sistemas fisico-químicos.

    ««Já o PA tentou explicar-lhe isso em termos fisiológicos.»»

    Os sistemas económicos também não são sistemas fisiológicos. Analogia errada leva à conclusão errada.

    ««Tem um bom exemplo nos cancros, que são processo biológicos fora de controlo. Ou em estados de choque. Em que os mecanismos INTERNOS de regulação pura e simplesmente ou não funcionam ou, pior ainda, catalizam a coisa.»»

    Pois, mas nada disso tem a ver com sistemas económicos nem prova que é possível regulação concreta em sistemas económicos.

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  18. JoaoMiranda permalink*
    22 Setembro, 2008 17:19

    ««Imagino que em vez de estares a refilar com o BCE por causa das taxas de juro, tivesses que papar com uma taxa de um banco chinês da qual não podes refilar, a coisa seria diferente. Certo?? E aí refilavas com quem a pedir pelo funcionamento do mercado????»»»

    Mas o que é que isso tem a ver com a qualidade da regulação?

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  19. JoaoMiranda permalink*
    22 Setembro, 2008 17:22

    ««Não. A ideia é que essas garantias cobram esse risco ou partilhem esse risco, colocando mais eficiência na prestação de uma qualquer necessidade pública. »»

    O facto de alegadamente tornar mais eficiente a pretação de uma necessidade pública não tem nada a ver com o que está em discussão. O que está em discussão é: as garantias públicas destroem ou não destroem os mecanismos de auto-regulação do mercado?

    ««Afinal, tu tanto defendes a prestação de serviços públicos por privados e aqui condenas? Essas garantias existem porque existe um bem público a ser financiado e o estado, correctamente, passa esse financiamento a privados pagando apenas parte de um prémio de risco. »»

    Tudo isso é irrelevante para o tópico em discussão. O facto de baixar o prémio de risco destroi os mecanismos de auto-regulação da economia. Menos custo no risco leva os agentes a correrem mais riscos.

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  20. Carlos Duarte permalink
    22 Setembro, 2008 17:39

    Caro JM,

    São AMBOS sistemas complexos e têm comportamentos semelhantes (com as devidas adaptações, claro). Vc. faz a mínima ideia de como de modela um sistema financeiro? Que tipo de modelos se usa para o automated trading? Pois… são do “estilo” dos sistemas físico-químicos e fisiológicos. Sabe-se lá porquê!

    Portanto, a analogia não está errada. Está até mais certa do que aparenta!

    Mas admitamos que está errada. Agradecia que provasse a validade da sua teoria. Citar economistas austriacos mortos não vale.

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  21. JoaoMiranda permalink*
    22 Setembro, 2008 17:45

    ««São AMBOS sistemas complexos e têm comportamentos semelhantes (com as devidas adaptações, claro). Vc. faz a mínima ideia de como de modela um sistema financeiro? Que tipo de modelos se usa para o automated trading? Pois… são do “estilo” dos sistemas físico-químicos e fisiológicos. Sabe-se lá porquê!»»

    Não conheço nenhum modelo que consiga prever os mercados financeiros. Mas se existe, dou os parabéns ao autor que por esta altura deve estar rico. Por outro lado, conheço vários modelos que prevêem na perfeição sistemas fisico-químicos (que obviamente são muito menos complexos que os sistemas económicos).

    ««Portanto, a analogia não está errada. Está até mais certa do que aparenta!»»

    A analogia está errada desde logo porque uma coisa é modelizar, outra bem diferente é prever com o rigor necessário para criar mecanismos de controlo.

    ««Mas admitamos que está errada. Agradecia que provasse a validade da sua teoria. Citar economistas austriacos mortos não vale.»»

    Eu já expliquei a minha teoria. O Carlos parece não a ter compreendido. Se eu não consigo explicar uma teoria, dificilmente a conseguirei provar.

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  22. JoaoMiranda permalink*
    22 Setembro, 2008 17:53

    Já agora Carlos, a sua analogia com sistemas fisico-quimicos sugere-me que está a pensar em modelizar sistemas económicos com métodos estatísticos. Existe aqui uma diferença fundamental, que também distingue os processos complexos dos não complexos. Nos processos fisico-quimicos que podem ser modelizados estatísticamente, o efeito das propriedades micro pode ser representado por propriedades macro. Por exemplo, agitação das partículas pode ser representada pela temperatura e difusão. No caso dos sistemas económicos, as propriedades micro não podem ser representadas por estatísticas sem perda de informação relevante. É esta propriedade que torna os sistemas económicos sistemas complexos. Em termos de modelização, para ter um modelo com capacidade para ser usado em controlo, é necessário modelizar à microescala. Isso implica que o nível de detalhe necessário é de tal forma elevado que está fora das capacidades actuais e futuras dos sistemas computacionais e de recolha de dados.

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  23. Sokal permalink
    22 Setembro, 2008 18:05

    Há uma característica dos activos financeiros que é frequentemente esquecida, aquela que faz a diferença em relação aos activos reais e dificulta a Regulação financeira. É que, enquanto um activo real figura no Activo de uma única entidade, um activo financeiro figura sempre simultaneamente no Activo de uma e no Passivo de outra. Se a Regulação não olha para os dois poisos, deixa escapar qualquer coisa. Que pode dar origem a uma grande bronca.

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  24. Carlos Duarte permalink
    22 Setembro, 2008 18:12

    Caro JM,

    Claro que existem modelos que prevêm o mercado financeiro. Vc. “acha” que o trading é feito com base em “hunches” e afins? Existem modelos de risco, de volatilidade, de futuros e por aí fora. E sim, muitos dos que usam os modelos estão ou estavam ricos. Todas as grandes casas de trading usam imensos modelos e simulações computacionais. O grande problema dos modelos é a incerteza futura, uma vez que os dados não podem ser ensaiados e apenas se podem basear em dados passados (i.e. os modelos são cegos).

    É óbvio que um modelo químico, em ambiente controlado, é consideravelmente mais simples. Mas se “descer” na escala e tiver que operar processos em pontos de elevada eficiência (não-estacionários) e depois tiver que fazer o scale-up disso, a complexidade é brutal. De igual forma, se simplificar os modelos económicos (e for para uma zona de menor “proveito”, i.e., menor risco) a modelização dos mesmos torna-se comparativamente simples.

    Nos modelos fisiológicos ainda pior. São comparativamente mais complexos que qualquer “sistemita” económico, pelo que o que existe baseia-se SEMPRE em assumpções gerais (que funcionam 70-80% dos casos), que são refinadas paciente a paciente (que eleva, talvez, para 90%), sendo TODOS os imprevistos “lidados” por pessoas (médicos e afins). Que mesmo assim não acertam muitas das vezes… o que vai safando é que a margem de erro é de tal forma “esmagada” que os erros caem dentro do aceitável.

    O problema dos bancos e investimentos e por aí fora é, como disse, a ganância ser ilimitada, o que leva a querer operar em pontos de lucro máximo (e risco máximo) que são instáveis e de baixo controlo. E as coisas volta e meia “explodem”. A regulamentação tem de servir para evitar esses pontos e “obrigar” os investidores a sacrificarem (parte) do risco por retornos mais modestos.

    Claro que pode dizer que quem quiser que arrisque. Isso é verdade quando o risco não é transmissível. Para passar para a analogia química (que não gosta), é como admitir que se instale uma fábrica que trabalhe com processos altamente instáveis perto de uma cidade. O risco, em “absoluto”, é da fábrica mas é transmissivel às pessoas, pelo que estas actividades TÊM de ser reguladas.

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  25. JoaoMiranda permalink*
    22 Setembro, 2008 18:30

    ««Claro que existem modelos que prevêm o mercado financeiro.»»

    O que está em causa não é se existem. O que está em causa é se podem ser usados para controlo.

    «« Vc. “acha” que o trading é feito com base em “hunches” e afins? Existem modelos de risco, de volatilidade, de futuros e por aí fora. E sim, muitos dos que usam os modelos estão ou estavam ricos. »»

    E muitos outros estão falidos. Ou seja, o uso de modelos nos mercados financeiros é uma actividade empresarial com grande risco de falhar. Alegar que há quem tenha sucesso não chega. Os sucessos que existem ocorrem em oportunidades que o próprio uso dos modelos faz desaparecer rapidamente. O sucesso é contingente, não é sistematico. Ora, se é contingente, não pode ser usado como ferramenta de controlo.

    ««O grande problema dos modelos é a incerteza futura»»

    A incerteza futura era o problema que os modelos supostamente resolveriam. Os modelos de trading são contingentes precisamente porque a estrutura do mercado é incerta. E a estrutura do mercado é incerta porque os modelos não conseguem capturar os efeitos da microestrutura (ao nível da decisão e das preferências humanas) na macro-estrutura.

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  26. José Rocha permalink
    22 Setembro, 2008 21:00

    As leis da termodinâmica aplicam-se a todos os sistemas com essas características, qualquer economista estudou isso assim como qualquer alunos de ciências socias. A previsibildade destes sistemas está bem estudada.

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  27. JoaoMiranda permalink*
    22 Setembro, 2008 21:13

    «« A previsibildade destes sistemas está bem estudada.»»

    Pois está. São imprevisíveis.

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  28. 22 Setembro, 2008 21:34

    João Miranda:

    Não vale a pena, a ignorância é muito atrevida.

    Os modelos matemáticos que existem são feitos para potenciar lucros. E mesmo esses têm dado maus resultados porque foram feitos com uma lógica de crescimento. No caos não funcionam.

    Agora prever factores psicológicos é que é coisa de maluco. Nenhum banco, nenhum trader, nenhum expert em AI, alguma vez preveu alguma crise.

    Eles nem dos seus défices sabem. E as previsões internas são trimestrais e mesmo assim falham. Por isso é que é ir gferente para a rua que faz favor.

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  29. 22 Setembro, 2008 21:57

    Os dos modelos são os quantum developers. Não existe qualquer previsão de crise. Só se for o doutor Karamba.

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  30. Carlos Duarte permalink
    22 Setembro, 2008 22:27

    Cara Zazie,

    Mas eu concordo consigo (apesar de modelos de volatilidade serem igualmente usados para prever flutuações no mercado). O problema é que os modelos são baseados em dados “passados”, pelo que um “novo tipo” de crise não é captado.

    Ainda mais, concordo que há uma sobredependência dos modelos – que os tomam como sendo infalíveis – quando os mesmos devem ser alvo de supervisão. Não era crível, p.ex., que o preço das casas nos EUA aumentassem “ad eternum” e avisos não faltaram, inclusivé na imprensa da especialidade com mais de UM ANO de antecedência.

    Caro JM,

    Claro que muitos estão falidos. Mas o problema do (não) uso de modelos prende-se exactamente com o reverso: a probabilidade de ganhar mais dinheiro (que está associada ao risco mais elevado) é maior quanto mais se “automatizar” o sistema, permitindo um maior número de transações e a sua aplicação ao milésimo de segundo.

    Os modelos são criados efectivamente para prever incerteza futura – se esta tiver origem em factores idênticos a crises passadas. Na realidade os modelos são reactivos e não preditivos. Mas o problema mantém-se: quando confrontados com o inesperado, normalmente não se safam sem ajustes. Da mesma maneira que num modelo fisiológico, se acontecer um imprevisto, o modelo vai ao “charco”.

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  31. 22 Setembro, 2008 22:31

    Curiosamente, o tema do debate era se devem ou não os mercados financeiros serem regulados e supervisionados (vigiados). Convém não perder de vista o tema central, apesar da grande qualidade das intervenções.

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  32. JoaoMiranda permalink*
    22 Setembro, 2008 22:33

    ««Claro que muitos estão falidos. Mas o problema do (não) uso de modelos prende-se exactamente com o reverso: a probabilidade de ganhar mais dinheiro (que está associada ao risco mais elevado) é maior quanto mais se “automatizar” o sistema, permitindo um maior número de transações e a sua aplicação ao milésimo de segundo.»»

    Claro. Mas, como disse é uma vantagem estatística. Não serve para orientar a regulação concreta. A regulação concreta requer:

    – previsão de condições que conduzam a crises
    – previsão das consequencias das ecisões regulatórias

    Nenhuma destas previsões é possível. Logo, a regulação só pode ser abstracta.

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  33. JoaoMiranda permalink*
    22 Setembro, 2008 22:36

    Outro ponto importante é que, mesmo para se fazer uma previsão rudimentar (probabilistica e contingente) é necessário um mercado a funcionar. São necessários dados de mercado. Este simples facto impede que as autoridades reguladoras possam aprovar ou proibir produtos com base na sua suposta toxicidade (uma das ideias que por aí circula).

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  34. Carlos Duarte permalink
    22 Setembro, 2008 22:47

    Caro JM,

    Mas eu nunca disse (se fizer o favor de verificar) que os modelos deveriam ser usados para regulação. Toda a “conversa” (chamemos-lhe assim, já que foge ao tópico) vem a propósito de analogias que são passíveis de ser feitas entre sistemas financeiros e outros.

    Eu concordo consigo que a regulação deve ser abstrata (ou adaptável) de forma a poder responder rapida e eficazmente aos problemas. Agora, o que eu acho é que esta deve existir e tem de ser “externa” ao mercado.

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  35. 23 Setembro, 2008 00:47

    Miranda,

    “Mas o que é que isso tem a ver com a qualidade da regulação?” Tem a var com o colapso que dizes ser necessário

    “as garantias públicas destroem ou não destroem os mecanismos de auto-regulação do mercado?” Claro que não, simplesmente passam o risco do cliente para o cliente estado, como acontece em qualquer serviço público(no sentido estatal) prestado por privados. Ou pensas que algum banco emprestaria dinheiro às construtoras portuguesas, por exemplo? Não entendo porque é que isto destroi os mecanismos de auto-regulação do mercado, há um mercado de dívida pública que funciona perfeitamente e com um carácter global.

    Quanto à discussão da termodinâmica, tens toda a razão.São válidos alguns princípios, mas há que ter em atenção que as leis económicas não são universais e intemporais como as físicas, há limites para transformar estatística em probabilidades. O erro é relativamente vulgar, tão que toda esta crise se deve a esse erro.

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  36. JoaoMiranda permalink*
    23 Setembro, 2008 00:51

    ««“as garantias públicas destroem ou não destroem os mecanismos de auto-regulação do mercado?” Claro que não, simplesmente passam o risco do cliente para o cliente estado, como acontece em qualquer serviço público(no sentido estatal) prestado por privados.»»

    Os mecanismos de auto-regulação dependem de o risco ficar do lado de quem tem o benefício. Se o risco passa para o estado, quem tem o benefício tenderá a incorrer em riscos cada vez mais elevados que serão pagos pelo Estado.

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  37. 23 Setembro, 2008 01:13

    “Os mecanismos de auto-regulação dependem de o risco ficar do lado de quem tem o benefício. Se o risco passa para o estado, quem tem o benefício tenderá a incorrer em riscos cada vez mais elevados que serão pagos pelo Estado.”

    Ou sou eu que não estou a perceber, ou estás a ver mal a coisa. Quem tem o benefício, tem-no em função do risco que corre, é por isso que o estado dá a garantia, para que o preço do dinheiro desça porque há benefícios económicos no destino do dinheiro. Certo? Portanto, ninguém está a dar almoços a ninguém.

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