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Os limites da regulação III

23 Setembro, 2008

O blog Marginal Revolution tem vindo a chamar a atenção para o facto de ser pratica comum utilizar determinados instrumentos financeiros para substituir outros que estão limitados pela regulação financeira:

The net transfer of credit risk away from banks is estimated to account for 30 percent of the market.  Furthermore a bank may go short on the credit risk of a company it is lending to.  A CDS [credit default swap] is then a substitute for selling or securitizing the loan.  If you think securitization is overdone, CDS has this benefit namely that it is a potential substitute. 

A bank also can short the credit risk of a company by dealing in its bonds and other securities.  But these other security markets are regulated and replete with restrictions on short sales and the like.  The CDS markets don’t have comparable restrictions.  You can think of the CDS market as, in part, an attempt to circumvent regulations and trading costs in other securities markets.

A regulação é a causa e não a solução para estas práticas:

Pundits continue to link the Enron debacle to a need for increased regulation, especially of derivatives. What most of these people…don’t appreciate is that regulation and/or accounting rules are the most fertile breeding ground for derivatives and synthetic or packaged securities. Regulations and accounting rule-inspired transactions describe the bulk of the well known derivative-related blow-ups of the last two decades. Proscriptive regulation and the derivative trade have a symbiotic relationship.

Aqueles que defendem mais regulação concreta não percebem que um sistema dinâmico onde trabalham as pessoas mais criativas do mundo não vai seguir passivamente a regulação. Os efeitos não pretendidos da regulação concreta são muito piores que os problemas que a regulação é suposto evitar. Só há uma forma de tornar a regulação concreta eficaz: tornar o sistema financeiro num ramo da burocracia do Estado.

24 comentários leave one →
  1. 23 Setembro, 2008 11:37

    A regulação concreta, como lhe chamas, é a forma de comunicação entre o regulado e o regulador. Como queres tu regular apenas no abstracto?

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  2. JoaoMiranda permalink*
    23 Setembro, 2008 11:46

    Tonibler,

    Regulação abstracta: imposição de princípios gerais (respeito pelos contratos, responsabilização dos agentes individuais, respeito pelo direito constituído)

    Regulação abstracta: imposição de regras concretas (rácios de capital, proibição do short selling, mudança de regras a meio do jogo, regras dirigidas a instrumentos financeiros específicos que deixam de fora instrumentos equivalentes etc)

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  3. Anónimo permalink
    23 Setembro, 2008 11:47

    ” um sistema dinâmico onde trabalham as pessoas mais criativas do mundo”

    tao criativas tao criativas que levaram as casas onde trabalham à falencia e com rsco de perderem todos o emprego por encherem o sistem de falhas que permitem que pessoas ainda mais criativas ganhem sempre e as casas perdem até ficarem sem recursos. Fantástico..lol

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  4. Anónimo permalink
    23 Setembro, 2008 11:50

    .. e ainda por cima suspeito que nem sabem onde estao as falhas. Se calhar até é simples eos informáticos ue comeram zeros à direita.

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  5. Filipe permalink
    23 Setembro, 2008 11:52

    João

    Se a regulação é a causa do problema, depreendo que na Europa existe menos regulação que nos EUA, visto a crise ter atingido sobretudo bancos e seguradoras americanas.

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  6. António Parente permalink
    23 Setembro, 2008 11:55

    João Miranda

    As pessoas mais criativas do mundo conseguiram acabar com a banca de investimento americana. Os cds’s já estavam regulamentados antes de existirem. Todos os produtos financeiros novos são “carimbados” com um requisito de capital de 8% sobre o valor nocional.

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  7. 23 Setembro, 2008 11:56

    Miranda,

    As regras concretas têm que existir sempre para defesa dos regulados. A banca é um excelente exemplo porque as regras de regulação foram criadas pelos regulados e, em boa aproximação, cumprem com os objectivos abstractos da regulação. Para se conseguir um efeito semelhante num nível de abstração superior acabavas por dar um poder (ainda mais) discricionário ao amanuense sentado algures no FED ou no Banco de Portugal porque, na realidade, bastava-lhe dizer que uma qualquer prática violava os princípios gerais.

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  8. JoaoMiranda permalink*
    23 Setembro, 2008 11:57

    ««Se a regulação é a causa do problema, depreendo que na Europa existe menos regulação que nos EUA, visto a crise ter atingido sobretudo bancos e seguradoras americanas.»»

    Outra hipótese: a Europa (continental) tem a regulação demasiado apertada, o que evita crises, mas também evita criação de riqueza.

    O que é certo é que a Europa parece ter uma política monetária mais responsável que a dos Estados Unidos.

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  9. 23 Setembro, 2008 11:58

    “Todos os produtos financeiros novos são “carimbados” com um requisito de capital de 8% sobre o valor nocional.”

    Todos não. A maior parte dos instrumentos derivados nem existiriam com uma regra dessas.

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  10. Anónimo permalink
    23 Setembro, 2008 12:01

    Faço um resumo muito smplificado. Dantes na bolsa havia um que ganha um que perde e a financeira ganhava sempre. O sistema evolui e agora há um que ganha e outro que ganha também e a financeira nao sabe para onde vai o dinheiro.

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  11. JoaoMiranda permalink*
    23 Setembro, 2008 12:02

    ««As regras concretas têm que existir sempre para defesa dos regulados. »»

    O que é que impede os regulados de escolherem o seu estatuto jurídico, com as respectivas obrigações, e deixarem o mercado decidir qual é o Estatuto jurídico mais adequado a cada actvidade? A regulação abstracta permite a que possam existir diversas empresas com diversos estatutos jurídicos, cada uma com as obrigações que voluntariamente aceitou. A avaliação fica do lado do mercado. A regulação concreta coloca a avaliação do lado dos reguladores que decidem o que é que as empresas podem fazer, independentemente das obrigações decorrentes do seu estatuto.

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  12. JoaoMiranda permalink*
    23 Setembro, 2008 12:05

    ««Para se conseguir um efeito semelhante num nível de abstração superior acabavas por dar um poder (ainda mais) discricionário ao amanuense sentado algures no FED ou no Banco de Portugal porque, na realidade, bastava-lhe dizer que uma qualquer prática violava os princípios gerais.»»

    Claro que a regulação abstracta só funciona se a arbitragem de conflitos for feita pelos tribunais.

    Ou então, nada impede que as instituições adiram voluntariamente a um regulador com poderes de regulação concreta, mas esse regulador não pode ter poderes sobre quem optou por outro estatuto jurídico.

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  13. 23 Setembro, 2008 12:22

    Miranda,

    Então, como no caso da banca, em que a regulação concreta foi criada pelo próprio mercado, devemos proibir o mercado de arranjar regras concretas para a regulação???

    “Ou então, nada impede que as instituições adiram voluntariamente a um regulador com poderes de regulação concreta, mas esse regulador não pode ter poderes sobre quem optou por outro estatuto jurídico.”

    Pois, no caso da banca, quem não aderiu não é banco e os bancos centrais só têm poder sobre…bancos. Qual é a diferença?

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  14. JoaoMiranda permalink*
    23 Setembro, 2008 12:38

    ««Então, como no caso da banca, em que a regulação concreta foi criada pelo próprio mercado, devemos proibir o mercado de arranjar regras concretas para a regulação???»»

    Não. Mas não se devem impedir actividades similares fora do mercado regulado, desde que os clientes percebam claramente a diferença de risco.

    A regulação criada pelo próprio mercado deve ser feita por instituições sem poderes públicos baseadas apenas no direito contratual. Não tenho nada contra a criação de entidades autónomas do Estado com poder de regulação sobre as instituições que o desejem. Essa entidade autónoma não pode é depois ser também emissor de moeda ou um órgão político, criando um conflito de interesse.

    ««Pois, no caso da banca, quem não aderiu não é banco e os bancos centrais só têm poder sobre…bancos. Qual é a diferença?»»

    A diferenças está no facto de não se poder exercer a actividade semelhante à bancária fora da regulação. (Não me oponho a que quem tenha o estatuto de banco tenha determinadas obrigações. Isso é enquandrável na auto-regulação. Oponho-me a que se criem regras que limitem a actividade mesmo a quem declaradamente se assume como instituição de risco).

    O risco político que existe neste momento é o de se criar regulação que elimina actividades produtivas ou que força os agentes a fugir para actividades que o regulador ainda não regula porque ainda não percebeu como funcionam.

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  15. JoaoMiranda permalink*
    23 Setembro, 2008 12:43

    Vale a pena lembrar que quando se fala em regulação em Portugal, está-se a falar da intervenção do Estado nos mercados através de instituições monopolistas, com poderes públicos e pseudo-independentes. Está-se a falar em intervencionismo socialista.

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  16. Anónimo permalink
    23 Setembro, 2008 13:53

    Estes tipos gostam é do monopolio privado e de regulaçao privada de pessoas que nem conhecem , nem elegem e que se estao nas tintas para eles. É só tótós.

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  17. 23 Setembro, 2008 14:18

    “A diferenças está no facto de não se poder exercer a actividade semelhante à bancária fora da regulação”

    Pois, já lá vai o tempo e razões houve para isso.

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  18. Miguel permalink
    23 Setembro, 2008 14:52

    “A diferenças está no facto de não se poder exercer a actividade semelhante à bancária fora da regulação. (Não me oponho a que quem tenha o estatuto de banco tenha determinadas obrigações. Isso é enquandrável na auto-regulação. Oponho-me a que se criem regras que limitem a actividade mesmo a quem declaradamente se assume como instituição de risco).”

    “Loan sharks – Loan sharks are unlicensed lenders, they operate illegally and away from any sort of regulation that governs the financial industry.

    They are prepared to lend to the financially vulnerable but charge astronomical interest and the borrower is not protected by any form of contract or terms and conditions. The lobbying group Debt on our Doorsteps estimates that as many as 7m people are forced to use loan sharks because they can’t find credit elsewhere.”

    Regulam se muito bem e tem formas muito variadas e criativas de conceder e cobrar credito. 🙂

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  19. António Carlos permalink
    23 Setembro, 2008 15:04

    Caro João Miranda,

    escreveu há alguns dias um post interessantissimo sobre a complexidade dos sistemas e a impossibilidade de os tentar regular de forma centralizada (grosso modo).
    Já depois disso vi posts a defenderem a short selling porque teria um determinado efeito benéfico … Se os sistemas financeiros são complexos como é que se pode então afirmar que os efeitos da short selling (só para dar um exemplo de um instrumento financeiro que agora em voga) são benéficos, ou simplesmente, podem ser determinados com exactidão? Como saber, num sistema complexo, precisamente quais os seus efeitos considerando, por exemplo, a combinação com outros instrumentos ainda mais complexos (e ao que parece a imaginação dos financeiros é ilimitada)?
    Refraseando. Antes do aparecimento do short selling o sistema financeiro já existia e já era complexo. O short selling foi introduzido (alguma autoridade teve de o autorizar?) sabendo-se que não era possível determinar todos os seus efeitos. Com que argumentos se autoriza então o short selling?
    Generalizando. Será que a introdução de instrumentos financeiros cada vez mais complexos num sistema já de si muito complexo, como afirma, faz sentido? Será que o sistema financeiro (bolsista) já perdeu de vista o seu objectivo inicial, isto é, financiar as empresas e está hoje inundado de instrumentos financeiros que não é possível comprovar que sirvam para cumprir esse objectivo?

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  20. JoaoMiranda permalink*
    23 Setembro, 2008 15:59

    ««Se os sistemas financeiros são complexos como é que se pode então afirmar que os efeitos da short selling (só para dar um exemplo de um instrumento financeiro que agora em voga) são benéficos»»

    Porque é facil de perceber que um mercado sem short selling não funciona. Proibir o short selling tem efeitos semelhantes a proibir o long selling.

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  21. JoaoMiranda permalink*
    23 Setembro, 2008 16:01

    O short selling resulta naturalmente dos princípios de mercado. Qualquer um pode assinar um contrato prometendo entregar ou comprar X acções no dia Y ao preço Z.

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  22. António Carlos permalink
    23 Setembro, 2008 17:00

    Caro João Miranda,
    no meu exemplo falei de short selling porque, não sendo financeiro, é um dos termos que aprendi recentemente. Mas o princípio era geral e tinha a ver com a complexidade dos actuais instrumentos financeiros (penso que li em algum lado que o CEO de um banco de investimentos quando questionado sobre um desses produtos afirmou desconhecê-lo embora a sua empresa os utilizasse com muita frequência – será apenas um mito blogosférico?).
    A questão de fundo mantém-se. Para todos estes produtos provavelmente encontraria uma justificação de “resulta naturalmente dos princípios de mercado” e uma lista dos benefícios para o funcionamento destes. No caso do short selling, volto a insistir, afirma-se que ajudam a formar uma cotação mais “correcta” ao permitir que investidores que não possuam acções as vendam mesmo assim. E a minha pergunta, insisto, é: Sendo os mercados financeiros complexos como é possível sustentar esta afirmação ou mesmo provar a sua veracidade?
    Para além de que “prometer entregar acções” que não se detêm parece pouco consentâneo com os fundamentos de um mercado.
    “Porque é facil de perceber que um mercado sem short selling não funciona.”
    Uma pergunta que resulta da minha ignorância. Antes do short selling não havia mercados financeiros?
    Uma das estratégias para lidar com a complexidade é a simplificação. Se os mercados financeiros já funcionaram sem short selling, derivados, collateralized debt obligations (CDOs), hedge funds, … (resultado de uma pesquisa rápida na Internet) e se, devido à complexidade dos mercados não é possível determinar as consequências da sua utilização, e já só remotamente têm a ver com o objectivo central dos mercados de acções (se é que ainda têm), porque são permitidos?
    A simplificação tem obviamente um custo. Mas talvez esse custo seja superado pelas vantagens de ter um sistema de canalização de poupança para o financiamento de empresas mais transparente e que inspire mais confiança.

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  23. JoaoMiranda permalink*
    23 Setembro, 2008 23:45

    António Carlos,

    Não é possível ter economias muito desenvolvidas que sejam simultaneamente de baixa complexidade. Economias desenvolvidas não podem ser dirigidas. Ninguém é capaz de perceber as questões concretas necessárias para as dirigir. As economias desenvolvidas têm que funcionar espontâneamente.

    ««Sendo os mercados financeiros complexos como é possível sustentar esta afirmação ou mesmo provar a sua veracidade?»»

    A complexidade não nos impede de saber algumas coisas sobre a importância dos princípios abstractos nos mercados financeiros. O que a complexidade impede é a previsão e a direcção concreta dos mercados.

    ««Uma pergunta que resulta da minha ignorância. Antes do short selling não havia mercados financeiros?»»

    O short selling sempre foi possível de fazer. Não sei quando passou a ser prática comum. De qualquer das formas, quando os mercados financeiros são simples não faz grande diferença usar short selling. Mas o short selling é essencial em mercados financeiros mais complexos. Agora seria impossível passar sem short selling.

    ««Uma das estratégias para lidar com a complexidade é a simplificação. Se os mercados financeiros já funcionaram sem short selling, derivados, collateralized debt obligations (CDOs), hedge funds, … (resultado de uma pesquisa rápida na Internet) e se, devido à complexidade dos mercados não é possível determinar as consequências da sua utilização, e já só remotamente têm a ver com o objectivo central dos mercados de acções (se é que ainda têm), porque são permitidos?»»

    São permitidos porque os mercados hoje em dia desempenham multiplas funções e têm multiplos obectivos. Os instrumentos complexos tornam os mercados mais eficientes.

    ««A simplificação tem obviamente um custo. Mas talvez esse custo seja superado pelas vantagens de ter um sistema de canalização de poupança para o financiamento de empresas mais transparente e que inspire mais confiança.»»

    Se fosse esse o caso Portugal teria um sistema melhor que os EUA. Há uma boa razão para os EUA serem os líderes mundiais da finança. Os mercados são muito mais do que uma forma de financiar empresas.

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