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O estado a que chegámos*

13 Novembro, 2009

Como todos sabem, há diversas modalidades de Estado. Os estados sociais, os corporativos e o estado a que chegámos” – Foi assim que Salgueiro Maia explicou aos seus homens a razão do golpe militar que ia ter lugar naquela madrugada de Abril de 1974. Os militares não costumam ser muito eloquentes e alguns, como acontecia com Salgueiro Maia, usam as palavras com tal parcimónia que transformam o laconismo numa espécie de recurso estilístico. Donde, neste ano de 2009, por mais voltas que dê não vejo nada mais adequado para definir Portugal do que aquele “estado a que chegámos” dito por Salgueiro Maia, há 35 anos, na Escola Prática de Cavalaria, em Santarém. Mas deste estado a que chegámos em 2009 não nos livram tanques nem cravos, nem militares nem líderes providenciais. Em 2009 estamos aqui sozinhos e adultos num país que empobrece e que se confronta com uma grave crise moral. Da pobreza se falará outro dia. Hoje fico-me pela moral. A palavra moral faz mesmo muita falta neste estado a que chegámos pois o problema reside em termos trocado os valores pelo Código de Processo Penal. Nem tudo o que não é crime é moralmente aceitável. Sobretudo quando se ocupam cargos políticos. Para nosso azar temos como primeiro-ministro alguém que não faz essa distinção: “Estava convencido que não estava a violar nenhuma lei nem nenhum regulamento. Infelizmente há essa polémica em Portugal e eu quero lamentar essa polémica.” – afirmou José Sócrates. Quando? No momento em que percebeu que alguns jornais portugueses tinham revelado que ele fumara a bordo de um avião da TAP, isto após o governo que chefiava ter aprovado uma severa legislação anti-tabágica. Mas, se procurarmos, encontramos este argumentário do estar “convencido que não estava a violar nenhuma lei” no Freeport, na Cova da Beira, no Vale da Rosa, na licenciatura domingueira, no caso da TVI… É um círculo vicioso: José Sócrates está sempre convencido de que é possível provar que não infringiu regulamento algum e vê como uma infelicidade que alguns suscitem tal polémica, que entende invariavelmente como um ataque pessoal. Ou seja, estamos perante alguém que usa o poder político para produzir legislação sobre tudo e mais alguma coisa, como se todos movimentos, espaços e atitudes tivessem de ter enquadramento dum decreto-lei genesíaco. E que acredita que lhe basta provar que tudo foi legal para que os casos sejam arquivados na nossa memória ou mesmo apagados como as escutas podem ser nos tribunais. Uma das consequência desta identificação entre legal e moral, que não começou em Portugal com José Sócrates mas que muito se acentuou com ele, é que paulatinamente o país se transformou numa imensa sala de audiências: as oposições políticas esperam que chegue finalmente a escuta, a declaração ou o documento que ponha os juízes a fazer o trabalho que é o seu enquanto oposições e que até agora não fizeram. Veja-se por exemplo o sobressalto causado agora na classe política pelas escutas do caso Face Oculta (raio de nome!) e compare-se com a indiferença que mostraram perante a revelação de que o processo de construção e concessão da Estação de Resíduos Sólidos Urbanos da Associação de Municípios da Cova da Beira tinha sido ilegalmente destruído em 2007, por decisão da Autoridade de Gestão do Programa Operacional do Ambiente. Exigir saber donde veio essa ordem e quem a mandou executar, sabendo que era ilegal, teria sido um extraordinário serviço à democracia. Mas dava trabalho, não havia escutas e exigia empenhamento na transparência. Mais tarde ou mais cedo uma qualquer escuta (em Portugal as investigações policiais reduzem-se a escutas?) devidamente filtrada por uma fuga de informação alcançaria o alvo. Mas nessa imensa sala de audiências a que está reduzido Portugal, os políticos não estão sós. Os jornalistas também estão lá alimentando-se das fugas de informação que têm origem no mundo da Justiça que por princípio não só devia saber guardar segredo como até é suposto impô-lo. Mas investigar em jornalismo implica tempo e uma autonomia face aos poderes político e económico que entre nós nunca foi muito grande e que tem vindo a diminuir. Por fim temos o primeiro-ministro e o seu círculo. Garantem invariavelmente que tudo se passou e vai passar na legalidade. E como habitualmente até é tudo legal e como não se discute mais nada além da legalidade, cá vamos apodrecendo de caso em caso. Afinal o reverso natural desta nossa redução da moral ao legal é o estarmos mergulhados em casos disto e daquilo. Estes quase invariavelmente  não levam a lado algum pois não só a Justiça em Portugal funciona muito mal como seria absolutamente perverso que os tribunais começassem a constituir arguidos e a condenar com ligeireza como forma de compensação da falta de valores morais dos detentores de cargos públicos e políticos. Tal como descriminalizar um comportamento não quer dizer que ele passe a ser desejável ou sequer aceitável também não podemos criminalizar a sociedade e as atitudes na esperança que os juízes distingam, por nós, o bem do mal ou o certo do errado. O estado a que chegámos tem um problema moral coisa que não se resolve com armas, como há 35 anos, nem com leis como freneticamente temos feito. Ou avaliamos as pessoas e escolhemos os líderes pelo que são ou não saímos deste pesadelo em que tudo se reduz a provar o que não fizemos. Francamente anseio pelo dia em que se possa discutir o que faz e decide o primeiro-ministro, este ou outro qualquer, e deixar para trás este pântano das declarações sobre o que parece que aconteceu mas afinal não aconteceu e a ter acontecido era perfeitamente legal.

*PÚBLICO

31 comentários leave one →
  1. Eduardo F. permalink
    13 Novembro, 2009 17:00

    A Ética Republica e Socialista resume-se assim ao cumprimento (e conhecimento) da lei. Ética pobrezinha, esta. A Moral é que está ausente. Creio que a Situação desconhece mesmo o conceito.

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  2. Eduardo F. permalink
    13 Novembro, 2009 17:00

    A Ética Republicana (…) naturalmente

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  3. 13 Novembro, 2009 17:06

    Tenho várias bíblias e catecismos.
    Abro um deles em Moral e leio esta frase de Einstein:

    A personalidade criadora deve pensar e julgar por si mesma, porque o progresso moral da sociedade depende exclusivamente da sua independência.

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  4. Piscoiso permalink
    13 Novembro, 2009 17:07

    Helena, após reunião magna com todas as minhas tias, algumas das quais nem sequer ainda falei, foi por uninamidade e aclamação aprovado o seu escrito.E, de futuro vou lutar com o meu outro eu para que não saia mais asneira, como muitas das vezes saiu…

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  5. 13 Novembro, 2009 17:09

    Mas Nietzsche também é engraçado:

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  6. 13 Novembro, 2009 17:09

    Vejo uma vantagem nisto tudo: nos cafés e nos autocarros as pessoas já não falam só de futebol e de telenovelas, também falam de política. Só é pena que, em vez do fatídico “eles são todos iguais”, não digam “eles são QUASE todos iguais”.

    Mais a sério: acho que há muita gente que, tal como o CAA, começa a estar farta desta III República. O que será necessário para vencerem a inércia?

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  7. 13 Novembro, 2009 17:10

    Não há fenómenos morais, mas apenas uma interpretação moral de fenómenos….

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  8. 13 Novembro, 2009 17:15

    Já o poeta brasileiro Mário Quintana, sai-se com esta:
    Ah, esses moralistas… Não há nada que empeste mais do que um desinfectante!

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  9. Tio Estanislau permalink
    13 Novembro, 2009 17:19

    Não percebo por que razão o Meu Capitão Salgueiro Maia é chamdo à colacção

    O Senhor Salgueiro Maia não admitia tal abuso do seu nome e a sua proveniência nausebunda abusiva

    Sócrates é o melhor PM desde o 25.4 quer se goste quer não

    Quem aguentaria tal desgaste se não fosse o incrível Hulk

    Palhaçadas, baboseiras,rancor, ódio, condenamentos sem julgamento, moral e cívicamente repulsivos

    A mim dá-me um certo gozo assistir a este desfile deprimente de personilidades inócuas, iletradas, pseudo inteletuais, mentalmente entupidos, estúpidos, burros e……

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  10. anónimo permalink
    13 Novembro, 2009 17:19

    helena! se sabe alguma coisa de interesse não se acanhe, bote aí para a malta saber. está ficar parecida com a susan boyle, só sabe essa letra, só não desafina com a orquestra porque foram treinados.

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  11. 13 Novembro, 2009 17:23

    Tenho uma dúvida: este Piscoiso é sarna ou lepra? Uma das duas é de certeza.

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  12. Luís Marques permalink
    13 Novembro, 2009 17:24

    Ainda só um canalha anónimo? Não trabalham Sexta feira à tarde?

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  13. Eduardo F. permalink
    13 Novembro, 2009 17:25

    Depois da “urdidura”, da “cabala” e da “campanha” negra, alguém quer dar um palpite sobre o próximo vocábulo a ser invocado? Será “conspiração”?

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  14. anónimo permalink
    13 Novembro, 2009 17:40

    #13 – exactamente, conspiração contra o psd, é só começar a contar a quantidade deles já arguidos na coisa das sucatas que era só para entalar o sócrates. já disseram o que queriam, já podem abafar a operação face oculta, antes que a reciclagem entre em belém.

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  15. anónimo permalink
    13 Novembro, 2009 17:41

    já irritei mais um cabotino

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  16. 13 Novembro, 2009 17:55

    «e o estado a que chegámos»
    E poderia ter sido de outra maneira?
    Primeiro, ainda governados por gente formada e enformada no anterior regime.
    Depois, com a sucessão dos comics que sabemos.
    Produtos de uma nova Universidade (pós revolucionária)e de novas Éticas e Disciplinas (democráticas), ei-los que passam:
    Barroso / Santana / Sócrates.
    Têm muita sorte. É que «já não há padres nem militares» (expressão com uma década, de Joaquim Aguiar)
    Que mais irá acontecer?

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  17. a governação permalink
    13 Novembro, 2009 18:01

    por muito menos jorge sampaio demitiria santana lopes…

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  18. Kolchak permalink
    13 Novembro, 2009 18:18

    José Sócrates representa, quer se queira quer não, o pior do nosso regime político: 35 anos depois do 25 de Abril, nada nos parece restar senão o cego cumprimento da Lei. As sociedades decadentes agarram-se, por norma, a duas coisas: ao enriquecimento fácil do «laissez-faire, laissez passer»; e ao estrito cumprimento da Lei, por mais injusta que esta seja.
    Se Salgueiro Maia tivesse cumprido a Lei (Lex inniusta non est Lex, diziam os Romanos!), teria ficado com os seus homens em Santarém!

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  19. truz-truz permalink
    13 Novembro, 2009 18:28

    Ora bem… Se não está escrito é ambiguo. Se é ambiguo permite julgamentos arbitrários, logo, é melhor estar na lei. Que historieta é essa da moral, que moral? Ou está na Lei e se julga nos tribunais ou se são apenas questões morais e comportamentais são julgadas nas urnas. Essa das consequências politicas…

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  20. Persa permalink
    13 Novembro, 2009 18:49

    Casa Pia.
    Assaltaram o edificio e fotocopiaram as partes que quiseram do processo.
    Afastaram e agora perseguem Rui Teixeira.
    Demitiram o director da PJ.
    Enxovalharam pedagogos, vítimas, médicos e policias.
    Acabaram por correr com a pobre Manuela Moura Guedes.
    Correram com o PGR da altura.

    Quem são e com que ocupam o tempo nos “tempos que correm”.

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  21. Per Caso permalink
    13 Novembro, 2009 18:52

    #9 Tio

    “Sócrates é o melhor PM desde o 25.4 quer se goste quer não”, diz o Tio, que não liga e dá de barato patifarias.

    Tanto, acrescenta, que lhe dá “certo gozo assistir a este desfile deprimente de personilidades inócuas, iletradas, pseudo inteletuais, mentalmente entupidos, estúpidos, burros e……”

    E ele é dos poucos inteligentes, letrados, intelectuais, sem pseudo, como da sanita aberta e desentupi-hihi-da.

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  22. José permalink
    13 Novembro, 2009 19:08

    #13:

    O anónimo é sempre o mesmo. É o ferreira, inimputável que por aqui passa horas a vigiar o que se escreve. Disfarça com erros porque é outro varado que nem escrever sabe.

    Sabe como é que o Vara escreveu na carta para assumir a suspensão de funções no BCP. Conta o Correio da Manhã de hoje que numa pequena frase com meia dúzia de palavras escreveu três erros ortográficos de palmatória. Um deles é “suspenção”.

    O ferreira é da mesma escola rasca e de maus costumes. Similis cum similibus.

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  23. Hevel permalink
    13 Novembro, 2009 19:46

    Lamentável citar o nome de Salgueiro Maia, neste post.
    Solicita-se ao Sr Presidente Da República, que use os poderes que a CONSTITUIÇÃO lhe confere, para chamar o Sr. Procurador Geral da República, e exigir que se cumpram as Leis da República, com as consequentes responsabilizações.

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  24. Bum permalink
    13 Novembro, 2009 19:58

    12,
    “Ainda só um canalha anónimo? Não trabalham Sexta feira à tarde?”

    Então o Piscoiso, sempre tão trabalhador, que não conhece Domingos nem Feriados, já não conta?

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  25. OLP permalink
    13 Novembro, 2009 20:22

    O nosso sobrinho passou a desinfectante.
    Aquele desinfectante materialista dialéctico que tudo justifica.
    No caso dos outros o sobrinho já usa a moral (dos outros) para empestar.

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  26. 13 Novembro, 2009 22:40

    É triste ler alguém, com a Helena Matos, que nunca transgrediu. Deve ser a única neste mundo, e é pena…É como o pãozinho sem sal. Ninguém lhe pega.

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  27. 13 Novembro, 2009 22:41

    É que foi a transgredir que o Salgueiro Maia nos deu a LIBERDADE!

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  28. Anónimo permalink
    14 Novembro, 2009 00:45

    Errado Helena, as armas resolvem, só as armas resolvem, só a tiro no meio dos olhos, se desinfecta o país desta canalhada e dos seus sabujos.
    O salazar e o caetano não andavam a encher os seus bolsos com dinheiro roubado a todos. Esta canalhada só larga o osso se se lhes arrancar os dentes, partir os maxilares cortar as patas.
    Já faltou mais.

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  29. Bom Senso permalink
    14 Novembro, 2009 03:37

    27.Aquilino disse
    13 Novembro, 2009 às 10:41 pm
    .

    «É que foi a transgredir que o Salgueiro Maia nos deu a LIBERDADE!»

    Você vive adonde? Na Lua? è certo que tem liberdade para levar no cu.
    O Salgueiro Maia e uns quantos idiotas, já muito arrependidos,
    deviam ir cumprir prisão enclausurados e alguns, talvez mais de metade, executados. Fuzilados!

    Nuno

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  30. Bom Senso permalink
    14 Novembro, 2009 03:50

    .

    Eu não estou esquecido dos políticos. Também essa chusma de ladrões deveria ser posta à frente de um pelotão de fuzilamento.
    Traíram a Pátria, que venderam, e deixararam o Povo na miséria,
    com fome, sem futuro e com a vida destroçada.

    Mário Soares, Salgueiro Maia, Spínola, Costa Gomes e listas que não cabem em rolos de papel higiénico.

    Estão todos ricos, esses bandalhos, e o Povo está a arder para lhes deitar as mãoe e os esfanicar.

    Nuno

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  31. Tribunus permalink
    14 Novembro, 2009 16:07

    Socrates deixou de ter condições de continuar a ser primeiro ministro! 2019, vai ser a duodecimos, porque com o orçamento que vai sair è que não vamos a lado nenhum!
    O Presidente da Republica, de pedir oa PS, que indique o sucessor, um bom bocado melhor, senão vamos para eleições!

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