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Notícias Sábado, 3.VII.2011

5 Julho, 2011
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Retratos do país que ainda somos

«Este Governo é do pior que há», garantia o gestor público, alteando a voz até à perigosa raia do falsete. E prosseguiu em tom histriónico: «fazem tudo à toa, ignoram a realidade». O discurso continuou, redundante, e sem deixar margem para qualquer incerteza acerca do juízo político que o seu autor fazia dos governantes e das suas políticas. Abandonei a reunião com a sensação de que tinha conhecido alguém desassombrado.

Semanas mais tarde, já no início da campanha eleitoral, recebi um convite da instituição a que aquele gestor presidia para uma cerimónia com a presença de alguns governantes. Fui, espicaçado pela curiosidade, algo pérfida, confesso, em observar o modo como o gestor público conseguiria moldar a sua indesmentível repulsa pelo Governo diante dos seus responsáveis directos.

Porém, quase nada, nem mesmo a espessa crosta de cepticismo perante a natureza humana que a experiência de vida me gerou, fazia prever a intensidade trágico-cómica da cena a que iria assistir.

Os oradores seguiram-se uns aos outros, parecendo querer rivalizar até à exaustão nos encómios aos que ainda estavam no poder. Aguentei, com estoicismo não disfarçado, o desenrolar daquela reposição imprevista do pior que «As Farpas» nos desfiou sobre o Portugal de há 140 anos. Contudo, confiava numa intervenção sóbria do gestor – deu-se o contrário.

O homem quis sobressair no rol de panegíricos ao poder que ali se exalava. Com ele, os elogios atingiram o ponto da glorificação – as virtudes do ministro foram gabadas, as suas escolhas enaltecidas de modo vibrante, as suas putativas qualidades políticas, pessoais e por aí fora, avivadas e muito louvadas. Até outros governantes, estranhos àquela área, e que ali se encontravam por meras razões eleitorais, viram-se celebrados na labareda bajuladora do gestor, publicamente consumada com a mesma fúria verborreica com que tinha condenado os mesmíssimos titulares poucas semanas antes – em privado, bem entendido.

Primeiro, ri-me do ridículo óbvio da cena. Depois, rapidamente, enjoei e saí.

Há qualquer coisa de muito doentio na nossa relação com o poder. Naquelas personagens involuntariamente burlescas, percebi o retrato real de um país acanhado e mesquinho que, tantas vezes, parece dolosamente apostado em encolher-se mais ainda até à exiguidade derradeira.

Agora, suponho, aqueles que se esforçavam por agradar pateticamente aos socialistas abusarão do mesmo louvaminhar defronte dos novos governantes. Somos um povo de cerviz irremediavelmente curvado perante o poder. Ostentamos uma triste e costumada pose de «chapéu na mão» perante os senhores do Governo (quaisquer que estes sejam). Exorbitamos a cultura da lisonja despudorada a quem manda que matiza toda a lógica de exercício dos pequenos poderes – que, pronta e ufanamente, tende a replicar «para baixo» a atitude que tanto adubamos «para cima». Pois quem bajula por hábito gosta de ser adulado por sistema.

Si non è vero…

Os media avançaram com inúmeros nomes de ministros tidos como certos. A novela repetiu-se, impune, com a escolha dos secretários de Estado: contei mais de cinco dezenas de nomes aventados em cerca de semana e meia, quase metade dos quais não se confirmaram.

O caso mais singular sucedeu com o administrador da Media Capital, Bernardo Bairrão – anunciado em prime time televisivo por Marcelo Rebelo de Sousa, terá visto o seu nome desaparecer da lista dos escolhidos à última hora. Alguns garantem que por divergências quanto ao destino da RTP. Outros, ainda, defendem que terá sido a primeira vítima inconsciente do pressuroso comentador. Afinal, o modo mais idóneo para afastar alguém de uma posição continua a ser o apregoar aos quatro ventos que o dito está assegurado quando apenas estará apalavrado…

19 comentários leave one →
  1. Fredo permalink
    5 Julho, 2011 16:37

    Desculpe que lhe diga, mas o post hoje saiu muito foleiro.

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  2. esmeralda permalink
    5 Julho, 2011 16:37

    Este seu artigo trouxe-me, de imediato, à ideia uma coisa que não suporto: quando entro numa loja e, sem me conhecerem de lado nenhum, me respondem ao cumprimento, dizendo “bom-dia Sôtora, como está?”. É elucidativo de como se vive só com bajulação!

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  3. 5 Julho, 2011 16:41

    Não se esqueçam que o Marcelo é o “Carlos Castro” da política. Ele “mata”.

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  4. 5 Julho, 2011 16:42

    Foleiro é o nome com que V. Exa. se retrata, Fredo…

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  5. 5 Julho, 2011 17:40

    Quererá o CAA explicar-nos a telenovela do Bernardo Bairrão? È que se o Expresso anda a mentir é muito feio, se está a falar verdade o CAA não fica muito bonito na fotografia.

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  6. Arlindo da Costa permalink
    5 Julho, 2011 17:52

    Se esse gestor público certamente deve ser do PSD, pois desde 1975 os «gestores» e os «barões» tomaram conta das nacionalizações.
    E ainda querem continuar a mamar?

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  7. 5 Julho, 2011 18:25

    Arlindo,

    Foi de todos e de mais alguns – todos os que restaram no poder. Esse seu maniqueísmo primário ainda o vai desgraçar…

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  8. parrana permalink
    5 Julho, 2011 18:27

    Oh Dr. CAA ,.ilustre deputado da Nação:
    Os nomes cá pra fora. É o seu dever como zelador das coisas do povo.
    O resto é conversa mole para iludir os incautos. Diga de quem se trata ou é um incobridor.

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  9. certo permalink
    5 Julho, 2011 18:56

    Realmente, a despropósito e tudo, foleiro é esse Fredo no seu coment (eiro).

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  10. Fredo permalink
    5 Julho, 2011 19:18

    Pois então desculpe lá V.Exª Sr. Doutor Deputado a foleirice do meu nome. Mas, sinceramente, a conversa mole do seu post classifico-a assim. Sempre achei bem mais vivos os seus posts anti-religiosos, pró-aborto, pró-Pintodacostistas. Esses classificava-os de execráveis, não de foleiros. Mas esta é a opinião de um Zé Ninguém, não se preocupe. Quem tem de curvar a cerviz, atento, venerando e obrigado, é este seu criado, ao seu dispor.

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  11. oberon permalink
    5 Julho, 2011 19:56

    Acho piada ao CAA agora na linha da frente dando o peito às balas, perdão palavras

    entretanto

    http://economia.publico.pt/Noticia/moodys-corta-rating-de-portugal-para-lixo_1501567

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  12. Ricciardi permalink
    5 Julho, 2011 20:27

    Caro CAA, deputado da nação, quer comentar o eventual encerramento dos estaleiros da cidade que o elegeu?
    .
    Pode garantir que o despedimento de metade dos funcionários (num negocio de mao de obra intensiva) aportará superavites orçamentais e regresso aos lucros?
    .
    Sabe dizer se o numero de funcionarios que permanecerão é suficiente para produzir um barquito que seja?
    .
    Tratar-se-á de má gestão ou de más opcções do terreiro do paço?
    .
    Ouvi dizer que há mercado para o produto, parece que no brasil a coisa corre bem, neste sentido, pergunto, com curiosidade, se considera que uma reestruturação – numa empresa aondeos especialistas de construção naval garantem precisar daquele numero de trabalhadores para encomendas regulares- eliminando os factores basicos de produção e que criam riqueza potenciual, algo aceitavel.
    .
    ~Cumpts e boa sorte
    .
    Rb

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  13. Unreal permalink
    6 Julho, 2011 02:31

    Caro Ricciardi,
    Venho de uma terra onde existem estaleiros há muitos anos. Não recebem um tostão do estado, o que acho bem. Já tiveram momentos de aflição graves. Têm os impostos em dia, SS em dia, etc. Se falharem, fecham, como os anteriores que cá existiam.
    Diga-me, se o conseguir, porque devem servir os impostos desse estaleiro para estimularem a concorrência directa de um sorvedouro que pode ter engenheiros brilhantes, mas gestores péssimos, como se vê? Diga-me lá se não acha isto um pouco injusto?

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  14. Leme permalink
    6 Julho, 2011 03:00

    Si non è vero…
    É curioso encontrar entre vários comentaristas do “Blasfémias” alguns que já viraram o bico a prego e, agora, zelam cuidadosamente pela integridade dos socretinos, os socialistas actualmente na oposição.

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  15. 6 Julho, 2011 06:57

    CASINO ESTORIL
    A DGERT tem por missão apoiar a concepção das políticas relativas ao emprego e formação profissional e às relações profissionais, incluindo as condições de trabalho e de segurança saúde e bem-estar no trabalho, cabendo-lhe ainda o acompanhamento e fomento da contratação colectiva e da prevenção de conflitos colectivos de trabalho e promover a acreditação das entidades formadoras.
    Tudo uma grande mentira, as provas são dadas com o despedimento colectivo de 112 pessoas do CASINO ESTORIL
    “Para Os Trabalhadores da empresa casino estoril no final se fará justiça, reconhecendo a insustentabilidade de um despedimento Colectivo oportunista promovido por uma empresa que, para além do incumprimento de diversas disposições legais, apresenta elevados lucros e que declara querer substituir os trabalhadores que despede por outros contratados em regime de outsoursing”.

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  16. 6 Julho, 2011 09:41

    A evolução do Homem devia ter chegado a uma coluna vertebral mais sólida e vertical.
    J. Gil

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  17. Jose Domingos permalink
    6 Julho, 2011 22:11

    Este tipo de “gestores”, assim como a maioria dos “jornalistas” e povo, servem qualquer amo, lambem qualquer bota, que lhes passe perto. É genético, e isso não se muda.
    O resultado, está aí.
    Continuamos, um povo labrego, pelintras, miseráveis na pobreza, e a armar ao fino.

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  18. Observador permalink
    7 Julho, 2011 09:43

    Diria que, este, é um texto escrito de frente para um espelho, tendo em consideração a sua nova posição. “Fala” com conhecimento de causa.

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  19. jorge silva permalink
    7 Julho, 2011 15:01

    esse gestor parece ser uma espécie de pequenio de protugal-~joão gonçalves- só que mais polido nas maneiras

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