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O medo da cidade aberta*

21 Setembro, 2011

Polícias fecham olhos às multas na Semana da Indignação: A partir de hoje e até dia 28, serão muito menos os polícias que estarão nas ruas, esquadras e postos.  A hipótese de uma greve por parte das forças de segurança está em cima da mesa sendo óbvio que ensta matéria se assiste a um conflitos entre um sindicalismo organizado que o PCP sabe capitalizar e uma tentativa de furar essa hegemonia por parte dos movimentos ditos espontâneos como sucedeu na convocatória para 1 deste mês do Dia sem Polícias .  Desde Agosto que esta possibilidade paira no ar.

As greves, é bom recordá-lo, há muito que em Portugal estão restringidas ao sector público e assemelham-se mais a um protesto ritualizado, quase a uma espécie de procissão laica de adeus a um mundo que acabou, do que a greves propriamente ditas, se por greve se entender um protesto no fim do qual os grevistas esperam obter uma vitória. Pois sendo os grevistas funcionários públicos, ou de empresas públicas, têm pela frente um obstáculo mais intransponível que qualquer Governo: o bolso vazio dos contribuintes. Esta ameaça de greve por parte das forças de segurança é completamente diferente pois a ameaça de uma greve por parte das polícias tem hoje o mesmo efeito que tinham no passado os rumores sobre a insatisfação dos militares: gera medo. Medo nas populações que não querem(re)viver o terror de algo que se imaginava definitivamente passado: a cidade aberta. Ou seja, uma cidade donde as autoridades partem para evitar travar batalhas que consideram perdidas e também para poupar a própria cidade e os seus habitantes às represálias dos agressores.

Até há pouco tempo, o conceito de cidade aberta era militar: Paris, Bruxelas, Roma foram declaradas cidades abertas durante a II Guerra. Mas, de repente, na televisão e na Internet alguns bairros de Londres em Agosto de 2011 tal como Paris em 2009 pareciam ter-se tornado cidade aberta: a polícia recuava enquanto os cidadãos assistiam à destruição dos seus bens. Impotentes, pegavam nos telemóveis e filmavam.  As imagens de Londres terão chocado sobretudo os residentes dos bairros mais abastados, aqueles onde, numa espécie de “síndroma cidadela”, se multiplicam as câmaras de videovigilância, os muros e os condomínios fechados. Mas terão parecido bem familiares aos outros, os que residem naquelas zonas a que os franceses, numa reactualização do vocabulário aplicado à época das tribos bárbaras, chamam os territórios dos gangs. Ou seja, aqueles bairros onde abundam as armas e os cães de raças perigosas e onde os jornalistas já só se deslocam quando acompanhados pela polícia ou sob a tutela do que designam como membros da comunidade. E onde boa parte dos residentes se vê confrontada com uma ordem que não é a pública mas sim a do mais forte.
Hoje, as cidades da Europa não temem a chegada dos invasores. Temem sim quem têm dentro. Receiam particularmente essa massa indistinta que, com mais subsídio para isto e apoio para aquilo, vão mantendo arrumada nas periferias. Até que um dia se irrita. E pode irritar-se por qualquer coisa: porque, ao fugirem da polícia, se despistam, porque se escondem numa caixa de electricidade e morrem electrocutados, porque sim ou porque não. Se repararmos, existe quase uma obsessão em perceber o que terá irritado aquela turba-tribo de modo a que da próxima vez ninguém cometa a imperícia de a irritar e, consequentemente, levá-la a sair dos becos cheios de graffitis e desses centros “onde se faz não interessa o quê desde que por lá estejam entretidos” e a traga de novo, furiosa e descontrolada, à cidade bilhete-postal.
Ora, perante um inimigo que de externo passa a interno, os polícias ocupam o lugar dos militares. A par dessa transferência simbólica e politicamente nada irrelevante, as polícias ocupam também o vazio criado pela desautorização dos professores, das famílias, dos funcionários dos serviços públicos ou até dos motoristas dos transportes públicos (já viram o ar constrangido de quem viaja num autocarro ao lado de uma criatura que ouve música no máximo e tem medo de lhe pedir que baixe o volume?). E as polícias ocupam. Por isso, a ameaça de uma greve por parte das polícias tem hoje o mesmo efeito que tinham no passado os rumores sobre a insatisfação dos militares: gera medo. Medo nas populações que não querem(re)viver o terror da cidade aberta. E medo nos governos. Hoje, um almoço de sargentos, capitães ou generais não tira o sono a nenhum ministro. Mas se à mesa estiverem representantes das forças de segurança, o caso é bem outro. O poder político tem sérias razões para ter medo. Pois se alguma coisa o passado ensina em Portugal é que quanto mais os governos estão dependentes da força para assegurar a ordem e a paz mais frágeis politicamente se tornam.

*Adaptado de um texto que escrevi para o  PÚBLICO

21 comentários leave one →
  1. A. Silva's avatar
    A. Silva permalink
    21 Setembro, 2011 09:59

    Tenho pena de ti helena e de todos os que pensam como tu, a vida para vocês deve ser terrivel, angustiante, um pesadelo em carne viva. Como será que conseguem andar na rua com o coração sempre nas mãos?
    Que tristes vocês são!

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  2. JP Ribeiro's avatar
    JP Ribeiro permalink
    21 Setembro, 2011 10:47

    O texto está muito bom e fotografa a realidade tal qual era há uns anos atrás.
    Agora já não. As polícias existem simplesmente, mas não actuam, e como tal são desprezadas. São o espelho do Estado que se está a desintegrar frente aos nossos olhos, e ainda bem que assim é.
    Estamos à beira de uma revolução mundial que vai fazer a Revolução Francesa parecer uma brincadeira de crianças.
    As esquerdas ainda não perceberam isso.
    Mas também é sina das esquerdas nunca perceberem nada.

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  3. zazie's avatar
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  6. Portela Menos 1's avatar
    Portela Menos 1 permalink
    21 Setembro, 2011 10:59

    helenafmatos e amigos só não dizem em que país, cidade, bairro, pretendem viver. Que tristeza de post, que cheiro a bofo.

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  7. zazie's avatar
    zazie permalink
    21 Setembro, 2011 10:59

    http://www.dailymail.co.uk/news/article-2033206/Anger-UN-says-Dont-knock-illegal-traveller-site-culturally-appropriate-home-found.html
    .
    Portanto, o que a HM podia fazer, era uma boa pesquisa e contar quem são os lobbies que estão por trás disto, com lugar na ONU e UE e a legislarem toda a protecção possível.

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  8. zazie's avatar
  9. Piscoiso's avatar
    21 Setembro, 2011 11:01

    A novidade para mim,
    seria haver um dia com polícias!

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  10. zazie's avatar
  11. zazie's avatar
  12. Piscoiso's avatar
    21 Setembro, 2011 11:07

    A Vanessa Redgrave sempre elegante.

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  13. zazie's avatar
    zazie permalink
    21 Setembro, 2011 11:10

    A Redgrave precisava de apanhar com isto em casa dela para ver se gostava:
    http://www.dailymail.co.uk/news/article-2026723/Gypsies-immigration-officers-home-Proms.html

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  14. Hugo daGraça Pereira's avatar
    21 Setembro, 2011 11:13

    Juvenal resumiu bem a coisa: panem et circenses. O problema é quando falta o pão, que é como quem diz os subsídios pagos por quem trabalha…

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  15. JPT's avatar
    JPT permalink
    21 Setembro, 2011 11:56

    Não sei que polícias a Helena Matos conhece, mas se os que eu conheço desaparecem todos não se notava qualquer diferença, salvo no estacionamento automóvel.

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  16. JCA's avatar
    JCA permalink
    21 Setembro, 2011 12:07

    .
    Antes chegue que o está na forja do Tempo de Portugal:
    .
    Grecia quiere echar al 30% de los funcionarios de los ministerios
    http://www.elpais.com/articulo/economia/Grecia/quiere/echar/funcionarios/ministerios/elpepueco/20110920elpepueco_9/Tes
    .
    impoem-se medidas imediatas de antecipação proativa por parte da Governança tendentes a reduzir 20% da massa salarial paga pelo Estado e Para-Estado (empresas publicas etc) à custa de cortes em todos os salários LIQUIDOS acima dos 2.000 € e a supensão de todas as medidas fiscais e salariais que foram tomadas pelo presente Governo sob pena dum ERRO POLITICO COLOSSAL de que Portugal não sairá nem em 2020.
    .
    Os dados que o Governo encontrou aquando da sua posse HOJE já estão totalmente embaralhados e ultrapassados donde as soluções que provocavam perderam quaisquer efeitos de solução ou reparação do País.
    .
    E se houve coragem das tomar sem dó nem piedade a reduçaõ da massa salarial sugerida não tem qualquer problema também. Apenas questão de querer. E todo o problema do deficit fica duma vez port todas arrumada.
    .

    .

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  17. JCA's avatar
    JCA permalink
    21 Setembro, 2011 13:31

    .
    Rajadas de vento que sopram dos Estados Unidos da América:
    .
    -Eleições:
    Ron Paul Can Win ?
    http://dailycapitalist.com/2011/09/17/ron-paul-can-win/
    .
    -Banco Nacional de Investimento Publico para não ir ao Deficit Publico como existe nalguns Estados sem Desemprego ? Solução para Portugal ?
    The Hoax That Is The Infrastructure Bank

    The idea of a national infrastructure bank is an innovative way to leverage private-public partnerships and maximize private funding to address our water, transportation, and energy infrastructure needs. In our current fiscal situation, we must be creative in meeting the needs of our country and spurring economic development and job growth, while protecting taxpayers from new federal spending as much as possible.
    http://dailycapitalist.com/2011/09/18/the-hoax-that-is-the-infrastructure-bank/
    .
    -Gigantesca operação “TWIST” ?
    Goldman Says ‘Operation Twist’ Is Going To Be $300-$400 Billion
    The idea behind OT is to drive down long-term rates by selling short-term Treasury bonds and buying long-term bonds. Thus they would be “bending” or “twisting” the yield curve downward.
    http://dailycapitalist.com/2011/09/20/goldman-says-operation-twist-is-going-to-be-300-400-billion/
    .

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  18. Rogério's avatar
    21 Setembro, 2011 14:19

    A Romena mais novinha é boa!
    R.

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  19. J.J.Pereira's avatar
    J.J.Pereira permalink
    21 Setembro, 2011 16:20

    A ONU é o ovo da serpente dos nossos dias.
    Até nisso o grande Reagan acertou…

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  20. silva's avatar
    silva permalink
    22 Setembro, 2011 08:35

    Convém recordar: Daniel Proença de Carvalho Proença de Carvalho é o responsável com mais cargos entre os administradores não executivos das companhias do PSI-20, e também o mais bem pago. O advogado é presidente do conselho de administração da Zon, é membro da comissão de remunerações do BES, vice-presidente da mesa da assembleia geral da CGD e presidente da mesa na Galp Energia. E estes são apenas os cargos em empresas cotadas, já que Proença de Carvalho desempenha funções semelhantes em mais de 30 empresas. Considerando apenas estas quatro empresas (já que só é possível saber a remuneração em empresas cotadas em bolsa), o advogado recebeu 252 mil euros. Tendo em conta que esteve presente em 16 reuniões, Proença de Carvalho recebeu, em média e em 2009, 15,8 mil euros por reunião. Pertence tambem à administração do Casino Estoril Sol III está por apurar se tem envolvimento no despedimento colectivo de 113 trabalhadores, com a empresa Casino Estoril a facturar 10 milhões euros de lucros.
    Este é um dos indivíduos que vai rotineiramente à televisão explicar aos portugueses a necessidade de sacrifícios e de redução de salários…

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