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O polvo decidiu, está decidido

4 Dezembro, 2013

Faça-se a vossa vontade, povo; e por “povo” quero dizer “gente que perdeu as eleições”.

Os jacobinos do comité em defesa da coisa pública decidiram, está decidido: abandone-se a ideia do cheque-ensino. Quem pode pagar, paga – como o engenheiro Sócrates fez com os filhos; quem não pode pagar, não paga; paga só os impostinhos e grama o que lhe tocar na rifa. Diga-se de passagem, os que não pagam o premium podem ter sorte: não faltam profissionais dedicados nas escolas públicas que, apesar da megalomania chavo-madurista de controlo programático à vírgula do hiper-ministério, fazem maravilhas com os filhos dos remediados que ainda aguentam (“ai aguentam”) com a sociopatia embirrenta dos “verdadeiros democratas” quando estes perdem eleições. É uma injecção aberrante mas, bolas, o povo é quem mais ordena e agora ordenou estar revoltado por ninguém se revoltar. O doutor Soares tem a procuração da revolta e, pela ordem natural das coisas laicas e republicanas do bem absoluto, está disposto a usá-la mal o Otelo consiga reunir a malta no Campo Pequeno.

O que faz falta são edifícios, obras, um manifestódromo (podem reciclar o aeroporto de Beja). Tudo para o bem comum; porque a “defesa da escola pública” são horários, quadros-electrónicos, gimnodesportivos e muito granito negro impala intercalado com bujardado anti-derrapante, que impressiona – e muito – no dia das eleições enquanto o eleitor procura no cartão de cidadão o número de eleitor. A “defesa da escola pública” é como a defesa da saúde, dos correios, da estiva, dos estaleiros, da polícia (excepto quando oprime deputados), da micro-, da macro-, da tera-indignação. É a defesa da Lusa, da RTP, da TAP, da electricidade e da luz e das comunicações e dos links para o jogo de futebol e da decência pública contra os ataques ferozes dos hiper-neoliberais que estão a destruir o país com o pacto de agressão do Teixeira dos Santos. É a “defesa” do conceito do que parecia ser Portugal, esse país criado em Abril de 74, que antes disso era o nada até o cravo engatilhado decretar “fiat lux”.

E vamos sair do euro; não, ficar no euro; vamos aumentar o défice; não, vamos diminuir o défice; vamos aumentar os prazos; não, vamos diminuir os prazos; vamos rolar dívida; não, não vamos rolar dívida. “É preciso” isto, “é preciso” aquilo, “é preciso” que os outros façam assim ou assado que é para nós, os impolutos, nós podermos fazer como queremos, à nossa maneira, sem ingerências. Mandem lá o dinheirinho se faz favor (pura retórica: mandem o dinheiro ou ameaçamos com a bomba atómica e as pernas dos banqueiros alemães até tremem). Venha o PEC 5, o PEC 6, o PEC 7 e o resgate 4, o resgate 5, o resgate 6 e o não-há-mais-resgate. Vamos obrigar a Alemanha a fazer isto e a Áustria a fazer aquilo, nazis imperialistas esses polacos e finlandeses com a mania que sabem alguma coisa sobre nós, eles que nunca passaram Badajoz, estupores dos holandeses. A grande corrente humana dos povos do sul, oprimidos pelo sol que lhes lateja a testa com promessas de gulag e indemnização de guerra, a começar pela da expulsão dos mouros da península, ansiosa por ganhar mais que o vizinho nem que menos que ontem para pagar a justiça social que consiste nas pensões das Manuelas e dos Bagões pela batuta de semper fidelis Pachecos que ainda ontem aniquilavam sem recurso à Kalashnikov televisiva.

E sim, orgulho nacional, caramba; ai a nação, a nação… Portugal é dos portugueses e os portugueses são todos os que têm o coração na mioleira e mioleira na fé socialista, nacionalista, europeísta – hoje, amanhã quem sabe? – de extrema educação e ética republicana sacada de um website com citações de Voltaire, que isto de nunca mais voltaire o legitimo governo vitalício do povo já não se aguenta, pá.

Dito isto, hoje é dia de trabalho e não consta que a revolução se compadeça destas minudências. A revolta fica para amanhã. É que isto não se aguenta mesmo.

11 comentários leave one →
  1. Mario Braga's avatar
    4 Dezembro, 2013 00:50

    perdemos todos não foi?

    ah esquecia-me vocês ganham-nas sempre mesmo quando as perdem né…

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  2. Emanuel Lopes's avatar
    Emanuel Lopes permalink
    4 Dezembro, 2013 02:14

    bela prosa

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  3. neotonto's avatar
    neotonto permalink
    4 Dezembro, 2013 05:06

    Rebanho…Desta vez foi impossivel evitar o austericidio coletivo pelos machos Alfa da manada. Aleuia. Aleluia.

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  4. @!@'s avatar
    @!@ permalink
    4 Dezembro, 2013 06:43

    No Domingo vi o “polvo” a funcionar e não saiu lá muito bem. Queixa-se do polvo socialista, que o há, mas não consegue atacar com a mesma veemência o polvo liberal, que nos esmaga. Essa é que é essa. Os ricos estão mais ricos e em maior numero, com mais desempregados, e em que não há dinheiro, dizem. como é????
    Vou apanhar pedra.

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  5. sergiomartins's avatar
    sergiomartins permalink
    4 Dezembro, 2013 08:24

    «Faça-se a vossa vontade, povo; e por “povo” quero dizer “gente que perdeu as eleições”.»

    Podiam é fazer a vontade do povo que ganhou as eleições vontando PSD/CDS mas que não votou na política que o governo anda a fazer. Lembram-se das promessas e afirmações de PPCoelho antes das eleições?

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  6. Silva's avatar
    Silva permalink
    4 Dezembro, 2013 09:31

    É muito estranho o comportamento da sociedade politica e sindical incentivar os trabalhadores no caso do estaleiro naval de Viana do Castelo, para uma luta inglória.

    Digo isto porque até hoje no despedimento coletivo do Casino Estoril, com milhões de lucro, considerado um processo urgente em tribunal, ninguém faz nada para ajudar os trabalhadores.

    3 providências cautelares que não deram em nada.
    12 meses para notificar 12 pessoas.
    8 meses para o perito dar um parecer ao tribunal.
    Substitui-se o juiz.

    Perante esta evidência, aonde está a classe politica, os sindicatos para onde parte do nosso salário foi descontado com a promessa de uma defesa justa.

    Nada em 4 anos com o processo a arrastar em tribunal, temos a nosso favor nem direitos, ou justiça e o mesmo vai acontecer aos trabalhadores dos estaleiros de Viana do Castelo.

    Já não acredito em nada… tenho muita pena que os trabalhadores de Viana venham a passar pela mesma situação que eu de uma revolta pela podridão do País.

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  7. vortex's avatar
    vortex permalink
    4 Dezembro, 2013 10:16

    1ª página de jornal francês de 1915

    ‘hoje, por ser domingo,
    não há revolução em Portugal’

    que saudades!

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  8. Carlos Dias's avatar
    Carlos Dias permalink
    4 Dezembro, 2013 10:35

    Pois é, os malandros dos outros países só nos querem mal.
    Mas o mal dele é que Portugal está na moda (Marrocos também).
    Querem mandar em nós, como se nós fossemos anormais sem capacidade governativa. Para isso tem de conhecer este país de história tão longa (exceptuando Egipto e que tais).
    Se calhar até desconhecem que quatro anos logo após o fim da longa noite fascista, já estávamos falidos e a pedir ajuda ao FMI, e cinco anos após essa ajuda estávamos outra vez falidos e a voltar a pedir ajuda ao FMI.
    Mas isso não querem saber, se soubessem até tremiam as pernas aos banqueiros alemães.
    Viva o TGV, viva Portugal.

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  9. 1berto's avatar
  10. Surprese's avatar
    Surprese permalink
    4 Dezembro, 2013 22:30

    O Vitor Cunha é o nosso Ramalho Ortigão!
    Este texto é digno de ser incluído em “As Farpas”.
    Parabéns, gostei.

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