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Tiago Brandão Rodrigues, o puto que não cresce

17 Janeiro, 2020

Tiago Brandão Rodrigues tinha uma função: a de estar quieto, mostrando que a minha geração é só razoavelmente mal formada, contudo capaz de saber estar em público sem evidenciar demasiada ignorância. Afinal, como a primeira geração de pé-rapados a poderem visitar Londres, Paris e Roma com mochila às costas, seria suposto conseguirmos colmatar as enormes deficiências formativas que os professores do PREC nos impingiram com o conhecimento pela via prática do papel de saloios que foi a contribuição portuguesa para a cultura europeia. Não. Qualquer palermita nascido entre 1970 e 1980, ascendendo a cargos políticos, tem que demonstrar a vanguarda que lhe queima o peito através da constante revolução, a que consiste em mudar tudo o que mexe. Em estragar o que ainda aparente réstia de funcionamento, portanto.

Revoltados pelo embaraço de verem as mães de mamas ao léu na praia em 1988, em particular naquela visita embaraçosa a Benidorm, a então capital da prosperidade ibérica dos filhos de agricultores, os que plantaram lindos azulejos com padrões oriundos da primeira trip de ácido de um Arménio qualquer da Areosa, os membros da minha geração fazem de tudo que permita assegurar que os filhos passam mais tempo na escola a aprenderem que é bom ser gay e ai que pena não ter nascido negro em substituição da literatura e arte que nos faça sentir em vez de agir. É a revolta permanente de uma adolescência que nunca evoluiu para a idade adulta.

Nem se trata da geração dos afectos, tão somente da geração da demonstração de afectos. Como um hamburger borrifado com laca para o cabelo de forma a ser fotografado com o brilho que a suculência natural não evidencia, os políticos na casa dos quarenta, só no activo por cedência dos da casa dos sessenta, são transmissores de lindas mensagens borrifadas de verniz que as torna visualmente apetitosas, porém intragáveis.

Colocar as crianças até aos doze anos na escola “das nove às cinco” é equivalente a colocar o pássaro na gaiola. Como um zoo, permite mostrar uma série de calhaus devidamente doutrinados “para a igualdade”, “para o género”, “para o feminismo” e “para a educação sexual”. Permite também que não saibam ler e interpretar que uma notícia de jornal é um comunicado verbatim do conselho de ministros, que o festival de Verão é um happening e não um concerto, que as redes sociais são o lençol manchado de sangue da noiva virgem e que eles próprios são massa amorfa para a geração de eleitores que mantenha a máquina da choldra a funcionar.

Tiago Brandão Rodrigues tinha uma função: colher o salário mensal, estabelecer ligações com pessoas influentes que lhe garantissem nomeação para cargos públicos durante o resto da vida e cortar fitas de lindas entradas em escorregadia mármore nas escolas renovadas para lhes tirar a patine arquitectónica do Estado Novo. Infelizmente, deu-lhe para ministeriar, que é como quem diz, para deixar um legado em forma de poio fossilizável.

Eu, como membro da geração de Tiago Brandão Rodrigues, peço desculpa. Gostaria de poder fazer mais, mas, sinceramente, é a única coisa que está ao meu alcance: sentir vergonha.

16 comentários leave one →
  1. André Silva permalink
    17 Janeiro, 2020 08:52

    Brutal. Como sempre.

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  2. antonio gomes permalink
    17 Janeiro, 2020 09:08

    Como eu te invejo!… É só analfabrutos que param naquela dita secção de Educação.
    E não é que nada fazem a não ser destruir o que de inestimável havia nas escolas e no ensino em geral?!…
    E na construção é que eles são ases/zelhas! Aqui ao meu lado, Escolas acabadas de construir, já metem agua por todo o lado! E não há baldes que cheguem para tantos buracos nos tectos. Eu no seu lugar já me teria posto ao fresco…Ou, então como o escultor das barras de ferro tridimensionais, expostas na praia de Leça, para cuscas da classe média baixa e classes baixas teria vindo a terreiro defender ” e pur se muove”!
    E é esta gente que nos atira para o abismo!……

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  3. 17 Janeiro, 2020 10:01

    Vejamos:

    Em 1981 dei por mim a concorrer ao “ensino” porque havia falta de professores. No caso, de Português e numa escola secundário que ia do 7º ao 9º já de um ensino unificado.

    Portanto, quem nasceu em 1970 tinha 11 anos e ainda não seria aluno de tal escola, mas do “ciclo”.

    Ora eu lembro-me do programa da disciplina: era como o do meu tempo, cerca de uma dúzia de anos antes, precisamente por volta de 1970.

    Camões, Gil Vicente, no 9º ano. Tal como no meu tempo, análise textual e contextual, histórica, mitológica e formal, dos cantos e sua estrutura. Gil Vicente leitura das peças, incluindo a da Barca do Inferno.

    Para os do 7º Gramática, já com as “árvores” relativas às palavras e textos muito bem escolhidos nos livros já publicados pela ASA e que começavam a dar atenção aos “novos autores”.

    Os livros tinham títulos como “Pre Textos” (7º) ou “Nós e as Palavras” ( 9º).

    Um dos pequenos textos iniciais do do 7º era este:

    “Esta noite deitei-me triste.
    Abri um livro, passei uma folha, outra folha.
    Quando cheguei ao fim tinha o coração cheio de folhas e de flores.”

    É de Matilde Rosa Araújo e sinceramente não sei dizer se é melhor que aquela tal Sophia…

    Foi aí que começou a teoria da explicação do “emissor-receptor” que eu não tinha aprendido no meu tempo.

    Com este pequeno exemplo, de José Gomes Ferreira:

    “Vivam, apenas.
    Sejam bons como o sol.
    Livres como o vento.
    Naturais como as fontes.”
    i

    Isto permitia mostrar como era a “função poética”…e escrevia o autor:

    “O emissor, no seu acto de construção, tira o máximo partido possível da matéria prima que é o código linguístico, jogando com as palavras, na descoberta dos sentidos, para deleite do receptor”.

    Isto era em 1981 e foi o começo da desgraça…com estas noções de “código linguístico”, certamente inventadas por génios de França ou arredores.

    os autores do Livro? Ficam aqui para ver se alguém os conhece, Já devem estar reformados…e no entando aprenderam no antigamente, mas de pouco lhes valeu.

    Álvaro Gomes. Manuela Russo. Mário Armelim. Olga Castro.

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  4. 17 Janeiro, 2020 12:03

    Para perpetuar uma sociedade “socialista”

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  5. 17 Janeiro, 2020 18:16

    Não estou a perceber a razão de tanta indignação.
    Eu vejo nestas últimas bacoradas do Tiago, uma tendência liberal!
    Para quê tanta regulação ? Uns profs só podem dar Geografia, outros História, outros Português, outros ainda Inglês !
    Numa perspectiva Liberal, qualquer prof ensina qualquer disciplina e com um bocado de sorte (ou ajuda divina) quem sabe se o resultado até nem é pior do que o actual ?
    E tem a grande vantagem de facilitar imenso a colocação dos profs sobretudo os das áreas humanísticas que só arranjavam trabalho nos supermercados …
    Laissez faire, … laissez passer 🙂

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  6. 17 Janeiro, 2020 19:30

    As actividades extra curriculares para preencher o tempo vai ser lecionada pelo BE, com aquelas tretas de paneleiragem. Acho bem.

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  7. Leunam permalink
    18 Janeiro, 2020 02:02

    Com a devida vénia, transcrevo o seguinte texto das Seleções do Rider’s Digest (Março 2003).

    “Problema Bicudo

    Ensino autoritário — Anos 60: Um camponês vendeu um saco de batatas por 100$00. As suas despesas de produção foram iguais a 4/5 do preço de venda. Qual foi o seu lucro?

    Ensino democrático — Anos 70: Um camponês vendeu um saco de batatas por 100$00. As suas despesas de produção foram iguais a 4/5 do preço de venda, ou seja, foram de 80$00 e sobraram 20$00. Qual foi o seu lucro?

    Ensino moderno – Anos 80: Um camponês troca um conjunto B de batatas por um conjunto M de moedas. O cardinal do conjunto M é de 100 e cada elemento de M vale 1$00. Desenha o Diagrama de Venn do conjunto M com 100 pontos que representam os elementos desse conjunto. O conjunto C dos custos de produção tem menos 20 elementos do que o conjunto M. Representa C como subconjunto de M e escreve a vermelho o cardinal 20 do conjunto L do lucro.

    Ensino renovado — Anos 90: Um agricultor vendeu 1 Kg de batatas por 100$00. Os custos de produção elevaram-se a 95$00 e o lucro é de 5$00.
    Trabalho a realizar: sublinha a palavra «batatas» e discute-a.

    Ensino actualizado — Anos 2000: Um kampunes reçebeu um çubssídio de 50 000 euros pra pordusir bué de çacos de batatas o qual vendeo por 50 euros kadaum e gastou nenhums euros dele. Anliza o testo do isercício , cunverte 1 euro em escudos e em ceguida dis o que penças desta maneira de henriquesser.”

    Quem NÃO TEM não pode dar.
    Digo eu.

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    • Perigoso Neoliberal permalink
      18 Janeiro, 2020 03:33

      Bestial, Manuel. Tomei a liberdade de “roubar” e publicar essa pérola.

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  8. 18 Janeiro, 2020 09:07

    [Colocar as crianças até aos doze anos na escola “das nove às cinco” é equivalente a colocar o pássaro na gaiola.]
    Já deu para ver que o Vitor foi “jovem” com cartão e tudo incluído, por isso faz-lhe muita confusão a “escola a tempo inteiro”.
    Pergunte ao seu pai, ou a quem tenha idade para isso, e que nunca tenha tido o “cartão jovem”, qual o horário da época da outra senhora ?

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    • 18 Janeiro, 2020 09:11

      Para “velho do Restelo” você parece muito novo. Na realidade, perguntei ao meu pai, quando estava vivo, como era partir pedra na pedreira aos 10. A resposta foi que não tinha tempo para comentar em blogues.

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    • 18 Janeiro, 2020 09:13

      Vou só acrescentar uma coisa: você não percebeu a personagem camoniana pela qual o autor expressou grande simpatia.

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      • 18 Janeiro, 2020 17:23

        Posso não ter sua criatividade nem o engenho para criar as sátiras (que aprecio), mas ainda sou capaz duma imitação 🙂
        Antes de adoptar este nick, perguntei ao Camões se ele se importava.
        E ele respondeu : “Se é para por a descoberto as mazelas do sistema, não faças cerimónia! Eu mesmo o usei para isso. ”
        Meu caro, já no tempo do Camões não era fácil dizer certas inconveniências, por isso ele usou o Velho do Restelo para dizer o que pensava daquela treta toda dos “descobrimentos”, enquanto que como autor dos Lusíadas dizia o que os “patrocinadores” lhe mandavam !
        Tal & Qual a blogosfera de agora. Uns são pagos para dizer “palermices” convenientes, e outros divertem-se a atirar pedras para o charco !
        Essa sua mania que a net não é para velhos tem cura !

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      • 18 Janeiro, 2020 17:26

        Muito bem, mas a mim ninguém pagou para escrever aqui. O que, caso pense que é uma virtude, é, pelo contrário, um lamento. A sério: mete dinheiro? Liguem-me.

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  9. 18 Janeiro, 2020 12:02

    Na verdade, caro Vítor, uns pela esquerda, outros pela direita, uns pelo socialismo, outros pelo liberalismo (ou lá o que é…), outros por pura demagogia, de facto, todos têm contribuído para arrebentar com a Educação e com a Instrução pública. A tua geração tem culpas no cartório… mas a anterior e a mais recente também têm pouco de que se orgulhar.

    A geração anterior à tua até teve o cuidado de achincalhar um ministro que tinha produzido o melhor documento legislativo sobre a Educação em Portugal:
    1- puseram o homem no pS,
    2- deram-lhe um cargo ministerial na Administração Interna,
    3- convenceram-no (coagiram-no?) a ser transparente com as secretas,
    4- o homem foi-o.
    5- No dia seguinte, com elevado interesse patriótico, a rapaziada do ‘Público’ e do querido Belmiro, o liberal, espetaram as caras dos nosssos espiões no jornal.
    6- O homem acabou demitido e desprezado publicamente.
    7- A corja que nos tem governado ficou com as mãos livres para arrebentar com o nosso sistema, por assim dizer, educativo.

    Já agora, para os mais interessados, aqui vai o documento em causa:

    Lei n.º 5/73, de 25 de Julho
    A Lei de bases do sistema educativo do ministro Veiga Simão que ‘aprova as bases a que deve obedecer a reforma do sistema educativo’
    https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/421823/details/maximized?perPage=50&sort=whenSearchable&sortOrder=ASC&q=educa%C3%A7%C3%A3o+f%C3%ADsica

    Os tempos e os passos para proceder a esta reforma eram calculados, medidos… Enfim, nada a ver com os orgasmos legislativos a que a rapaziada da p’litka pós 25A se tem dedicado. Um exemplo:
    Decreto-Lei n.º 520/72
    Introduz alterações na estrutura dos cursos professados no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras e no Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina
    https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/685446/details/maximized

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  10. Leunam permalink
    18 Janeiro, 2020 13:51

    “os autores do Livro? Ficam aqui para ver se alguém os conhece, Já devem estar reformados…e no entando aprenderam no antigamente, mas de pouco lhes valeu.

    Álvaro Gomes. Manuela Russo. Mário Armelim. Olga Castro.”

    José:

    Eu tive o privilégio de ser aluno do Dr. Mário da Costa Armelim, no já distante Ano Lectivo de 1961/62, o meu 5º Ano do Liceu.

    Adolescente nesses tempos, recordo com saudade este insigne Mestre, que nunca poderei esquecer.

    Sempre atento aos progressos dos seus alunos, nunca faltou às nossas aulas, que eu me lembre, e era, já então, senhor de uma vasta Cultura que muito gostava de nos transmitir.

    Daí resultou que a turma teve boas notas nos exames finais.

    Teve a bondade de me oferecer, como prémio pelas minhas notas no exame, o livro “Lettres de mon moulin” de A. Daudet, que li avidamente, nas férias grandes; guardo-o ainda hoje, com um carinho especial sobretudo pela dedicatória que nele me escreveu a qual me tem norteado pela vida fora.

    Alguém me disse que faleceu ainda muito novo, este açoriano bem formado e muito bom Formador.
    Testemunho aqui a verdade que conheci deste Mestre a quem muito fiquei a dever.

    P.S. Por “entando”, no seu texto, queria dizer “entanto”, presumo eu.

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