O beijo

Começa a ser penoso viver nesta sociedade de “florzinhas” que se ofendem com tudo e com nada. Chega-se ao ponto de não saber como agir, como falar, como pensar para não ofender estas pobres criaturas que sofrem de sensibilidade paranóica. Pior ainda, é ver uma comunicação social (que não é nada inocente no processo) a dar um palco gigante a estas vozes insanas que distorcem a realidade em que vivemos e a transformam num autêntico inferno. 

A história do beijo foi um desses momentos de histeria colectiva à volta de um “não assunto”. Claramente uma farsa – onde nem a atleta nem Rubiales, o Presidente da Federação, sentiram qualquer ofensa no acto de beijar espontaneamente em público, no meio da euforia de uma comemoração -, foi transformado à força num abuso de poder e agressão sexual para de seguida cancelar Rubiales, destruindo não só a sua vida profissional como pessoal, chegando ao absurdo de o presidente de LALIGA comparar o escândalo do beijo ao 11 de Setembro! Isto é assustador.

São inúmeros os casos em que, seja no desporto ou noutro evento qualquer, este tipo de impulsos aconteceram, sem que houvesse qualquer indignação seguida de cancelamento profissional dos protagonistas: homens a beijar homens; mulheres a beijar mulheres; mulher a beijar homem; homens a beijar mulheres e até religiosos e políticos a beijar homens ou crianças em público na boca! Nadinha disto perturbou fosse quem fosse ao ponto de exigir sua “excomunhão”, até ao dia em que algo semelhante acontece a um Presidente da Federação Espanhola de Futebol que acaba de ganhar o mundial de futebol feminino.

A primeira questão que se levanta é: mas agora só nos escandalizamos consoante as conveniências, é isso? Sim, porque se somos sensíveis a este tipo de comportamento, deveríamos sê-lo sempre, independentemente de ser protagonizado por A ou B, certo? Só que não. Esta sociedade de hipócritas seleciona onde e sobre quem deve recair o escândalo. Tudo é criteriosamente programado. Não há coerência nem pode haver se tudo isto é claramente intencional. 

Mas voltando ao cerne da questão: a atleta em causa não mostrou qualquer indignação pela atitude de Rubiales (que até abraçou energeticamente levantando-o do chão antes do dito beijo). Pelo contrário, e já nos balneários, brincou com o sucedido em conjunto com as suas colegas, como se pode ver no vídeo (aqui).

Ora se ela não viu qualquer abuso, por que a forçaram a ver um problema onde, para ela, ele não existiu? Quem manda na liberdade dela de decidir o que é abuso ou não? Agora, as mulheres não têm o direito de decidir o que aceitam ou não, vindo de quem vier? Onde está a liberdade individual e empoderamento das mulheres? Isto tudo não é infantilizar a mulher decidindo por ela? E se tivesse sido George Clooney, Brad Pitt, Dwayne Johnson ou até o nosso, beijoqueiro, Presidente Marcelo (este pode beijar até barrigas, Presidentes da Comissão Europeia e referir-se aos decotes das senhoras que não se passa nada) a sair da bancada para beijar a atleta espanhola que decidiu a jogada vencedora, teria havido este escândalo ou bateriam palmas? O Google está cheio de episódios destes. Mas fingimos que não.

Isto não é querer desculpabilizar ninguém, muito pelo contrário. Devemos saber estar (sejam mulheres ou homens) sobretudo quando ocupamos lugares de poder. Porém, assim como não podemos normalizar isto, não devemos tão pouco diabolizar. Exige-se bom senso. Cabe aos visados decidir – e não à opinião pública que não é para aqui chamada. Porém, foi exactamente o inverso: a atleta desvaloriza em primeira mão mas é depois forçada a acusá-lo, de seguida. Estranhamente, pesam sobre Rubiales outras acusações mas só agora, com a conquista do mundial, num beijo claramente consentido, é decidido o seu afastamento.

Porém, não vejo o mesmo empenho contra os abusos de mulheres, sobre homens ou sobre mulheres. Não vejo indignação quando são elas que perseguem e infernizam homens e mulheres que querem ver na sua cama. Ou vão continuar a fingir que não existe? Sei de vítimas, delas. Sei de gente do sexo masculino e feminino que sofre essa perseguição e até violência física e psicológica.

Somos ensinados, erradamente, que só os homens assediam. É falso. As mulheres em posição de poder (e não só), também o fazem. Não é intrínseco ao homem e elas reagem muito pior às rejeições. Conheci várias.

Na verdade, não se sabe quem sofre mais de assédio porque os homens, por norma, não se queixam. Gostam, na sua maioria, dessa abordagem atrevida, por vezes selvagem, e inesperada. Até acham interessante esse aspecto numa mulher. Quando viram vítimas, a vergonha instala-se. Poucos são os que têm coragem de o admitir.

Eu sou do tempo em que um bom “chega pra lá” resolvia muita coisa quando se tratava de um avanço abusivo sem consentimento. Quantas e quantas vezes. Mas se o gesto inesperado viesse de alguém por quem tínhamos uma atracção, não nos incomodava mesmo nada. Tirávamos até o pé do chão e nessa noite nem dormíamos a pensar naquele momento inesperado de “atrevimento” daquele “desconhecido” que na festa nos roubou um beijo. O facto de vermos abuso, ou não, sempre dependeu da atracção pelo indivíduo em causa. Não brinquem com a minha inteligência, se faz favor. É assim desde que o mundo é mundo. E até nos excitamos a ver isso retratado nos filmes de James Bond. Sejamos honestos. Por isso, o famoso beijo do final da 2ª Grande Guerra, nunca escandalizou ninguém até hoje. Muito pelo contrário.

Temo pelo futuro do meu rapaz, hoje com 17 anos. Sou obrigada como mãe atenta a esta mudança social, a ensinar-lhe a proteger-se das mulheres (vejam só ao que chegamos). A explicar todas as artimanhas, todos os perigos das armadilhas sociais que lhe poderão tecer, sem a convicção de que mesmo assim poderá evitar, um dia, ser uma vítima. Porque hoje, é facílimo para uma mulher inventar que não houve consentimento; é facílimo acusar de assédio sem o ser; é facílimo inventar uma violação sem ter havido; é facílimo insinuar que houve abuso de poder sem abuso. É tão fácil porque basta ser uma mulher a dizê-lo que toda a sociedade parte do pressuposto que é verdade, porque se não acreditar é considerado sexismo.

A facilitação fez com que passássemos do 8 para o 80 prejudicando a verdadeira vítima de assédio ou violência sexual, seja homem ou mulher, acabando por banalizar o problema em vez de o resolver.

Quando era miúda passava o tempo a dizer que queria ser rapaz (para ter mais liberdade e outros privilégios). Hoje jamais quereria ser homem. E se o fosse, passaria a ignorar as mulheres, fingindo desinteresse, obrigando-as a serem as primeiras a dar os sinais e depois, discretamente, munir-me de provas (por segurança) antes de ser apanhada numa armadilha. Sim, eu sei que isto parece algo absurdo mas é o que infelizmente temos e todo o homem que não se protege, amanhã poderá ter de enfrentar um tribunal, sobretudo aqueles que possuem status, uma boa situação profissional, financeira ou patrimonial. Arrepia-me só de pensar que o meu filho vai crescer numa sociedade assim. Tudo na vida requer equilíbrio e bom senso. A hipocrisia da comandita que não vê problema nenhum quando as investidas partem de uma mulher ou de pessoas do mesmo sexo, foi quem criou este problema gravíssimo. Pior: os oportunistas de ambas os sexos esfregam as mãos na oportunidade que têm agora de “eliminar” adversários lançando este tipo de boatos.

Para terminar, dois factos curiosos sobre esta novela espanhola que não terminou com o beijo: para além do Presidente da Federação, despediram Jorge Vilda – o treinador da selecção da equipa vencedora, há 17 anos no futebol feminino, e já com contrato renovado (com aumento de salário) e assinado depois desta estrondosa vitória, por mais 4 anos – alegadamente por “mudanças estruturais”, substituindo-o pela sua adjunta, Montse Tomé; Jenni Hermoso, supostamente vítima nesta história, não ter sido convocada para os dois jogos contra a Suécia e a Suíça, na Liga das Nações para “proteger a atleta”. Só falta saber do quê.

O beijo não foi a razão mas sim, o pretexto. Uma farsa montada para “retirar do caminho” aqueles que levaram a selecção espanhola ao triunfo e colocar outros a colherem os louros. Uma jogada puramente política. Só não vê quem não quer.