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Paradoxos morais

2 Março, 2012

Via 31 da Armada, cheguei a este artigo de Alberto Giubilini e Francesca Minerva, com o curioso título “After-birth abortion: why should the baby live?“. O texto desenvolve um raciocínio relativamente simples: se se permite (ou se se considera moralmente aceitável) o aborto de fetos humanos, não só por razões médicas mas também por razões relacionadas com os interesses dos progenitores (ou, pelo menos, da mãe), não há razões para não aceitar a morte provocada de recém-nascidos pelas mesmas razões, já que nem uns nem outros têm ainda consciência da sua própria existência e, portanto, não têm expectativas que mereçam ser (moralmente) protegidas, pois não podem ser considerados “pessoas” num “sentido moralmente relevante”.

O artigo causou uma onda de indignação e uma série de hate mail dirigido aos autores e editores da revista que o publicou. O Nuno Pombo, horrorizado com o texto, defende que se “fuja dos cientistas”. Eu, pelo contrário, acho que o texto deve ser lido. Entendo-o como uma provocação (tal como o editor da revista o entendeu, aliás). As conclusões dos autores partem de premissas afirmadas por outros, algumas das quais objecto de ampla aceitação, designadamente a admissibilidade moral (e legal) do aborto (pré-natal), limitando-se os autores a retira dessas premissas todas as suas consequências.

O interesse do artigo não está tanto nas conclusões dos autores, que são o resultado da aplicação de uma lógica formal (quase) inatacável, mas antes no facto de, implicitamente, questionar a validade das premissas que as sustentam. Creio, aliás, que terá sido este o principal objectivo dos autores: demonstrar que a diferença entre um feto e um recém-nascido não é tão substancial como se poderia pensar. Esta ideia, colocada no contexto da admissibilidade do aborto é inquietante, mas não se resolve essa inquietação atacando (ou fugindo de) de quem a expressa.

30 comentários leave one →
  1. 2 Março, 2012 12:07

    Exactamente.

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  2. Fredo permalink
    2 Março, 2012 12:39

    A questão é exactamente essa.
    Para aqueles que acham que o aborto não é um crime , se quiserem usar a sua própria lógica terão que ser consequentes e aceitar que matar bebés é a mesma coisa, matar alguns tipos de doentes do foro psíquico será a mesma coisa.

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  3. Ricardo Monteiro permalink
    2 Março, 2012 12:48

    O artigo em causa tenta causar polémica, mas penso que não consegue. É uma salada russa que não faz sentido. É um exagero e como todos os exageros é… exagerado.

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  4. Israel permalink
    2 Março, 2012 13:05

    Podemos pensar ao contrário – se um bebe é igual a um feto, então um aborto será um crime.
    O mais chocante é quando começamos a pensar deste modo, deixamos de ser homens, de ser animais racionais, pois estamos a ir contra a nossa natureza, contra aquilo que está dentro de nós que nos destingue de outros animais, Não interesa a humanidade, caracteristica unica do homem, não interesa mais nada, é mais um passo para a anarquia em todos os sentidos — eu mato-te, e depois? não há consequências, morais, materiais?, não há nada, não há homem.

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  5. 2 Março, 2012 13:18

    mas há uma diferença : um feto de poucas semanas não sobrevive sem hospedeiro , não respira . e um bébé sim , basta que alguém se disponha a alimentá-lo.
    mas o artigo é tão absurdo que tb acho que são contra o aborto .

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  6. 2 Março, 2012 13:23

    Há quem diga que a lógica é uma batata.
    E há quem considere que o indivíduo só existe depois de passar pela vagina da mãe. e cortado o cordão umbilical.
    Mas tenho uma vaga ideia de que este assunto já foi discutido, aquando da sua legislação.
    O que foi levantado agora é um assunto de ética médica.
    A minha tia Virgalina é médica e tem mais que fazer.

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  7. BMB permalink
    2 Março, 2012 13:25

    “demonstrar que a diferença entre um feto e um recém-nascido não é tão substancial como se poderia pensar”, e quem sao os autores, ou voce, para provar isto?

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  8. mujahedin permalink
    2 Março, 2012 13:33

    Claramente o autor do 31 da Armada percebe tanto de ciência como eu de lagares de azeite. Ou seja, nada.
    Fugir da ciência e dos cientistas é o que rotineiramente se faz na sociedade e, sobretudo, na política. A ciência é a procura da verdade. Não a verdade que se gosta, ou a que dá jeito, mas a que pode ser escrutinada ao máximo e manter-se. Se se aplicassem os mesmos standards à politica e aos políticos que se aplicam aos cientistas, provavelmente não sobraria um único. De facto, não será coincidência haverem tão poucos cientistas na política.
    O artigo está bem construído e os argumentos são sólidos. Mas como a conclusão não agrada, vai-se fugir como é costume…
    A alguém que clama acima a absurdidade do artigo porque “um feto de poucas semanas não sobrevive sem hospedeiro , não respira . e um bébé sim , basta que alguém se disponha a alimentá-lo”, ora se um bebé necessita de alguém para o alimentar, necessita de um “hospedeiro” na mesma, ou não? Aliás nem um feto necessita de um hospedeiro a partir de certa altura, sobrevivem em incubadoras por exemplo. Portanto, tanto um feto como um recém nascido necessitam de alguém que tome conta deles. Desse ponto de vista são prácticamente indiferenciáveis.

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  9. 2 Março, 2012 13:56

    Isso é colocar a mulher ao nível de uma incubadora.

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  10. Fredo permalink
    2 Março, 2012 15:44

    Sim Piscoiso, “este assunto já foi discutido, aquando da sua legislação”, mas muita gente não o compreendeu, nem então, nem agora. Você por exemplo: de quantas mais discussões precisa para descobrir que o assassinato de um ser humano não é uma mera questão de “ética médica”?

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  11. 2 Março, 2012 16:37

    mujahedin , há séculos que os nascidos não queridos têm sido ” solucionados” , no geral , de forma muito menos sangrenta : são dados para adopção ou deixados à porta da igrreja. ora , se esta tem sido solução que não levanta polémica e suponho que quem não quer o filho não vai insistir em que seja assassinado , não vejo pq se há-de levantar problemas onde ele não existe , a não ser , claro que o objectivo seja lutar contra o aborto com argumentos ” escandalosos.”
    e há uns anos que se discute barrigas de aluguer..arranjem forma de legalizar contratos de aluguer pós nascimento e prontos , todos contentes.

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  12. 2 Março, 2012 17:09

    Fredo
    Posted 2 Março, 2012 at 15:44
    Quando é que o embrião passa ser considerado um “ser humano”, assenta em diversos critérios biológicos… coisa que já foi discutida aquando da legislação. No Japão, por exemplo, o aborto é admitido até à 24ª semana de gravidez.
    E eles a darem-lhe.

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  13. 2 Março, 2012 17:49

    Todos os adjectivos para qualificar este “estudo” profressista ………
    são poucos.
    http://mentesdespertas.blogspot.com/2012/03/assassinar-recem-nascidos-e-normal-e.html

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  14. 2 Março, 2012 18:03

    Há quem tenha Q.I. reduzido e sentencie q a ciência é a procura da verdade.
    pois…errado!!!!!!
    só que andam sempre a decretar q determinada “descoberta” científica é super verdadeira…….até ser desmentida pelos factos.
    exemplo
    durante décadas , Plutão era planeta………ai de quem não soubesse na escola e liceu…..verdade intocável.
    mas agora, hélas, o plutão desceu de categoria……..já não é planeta!!!!!!
    em que ficamos?
    qual é a “ciência” que está certa?…ou daqui a uns anos aparece outra teoria?
    A ciência são teorias…..até serem desmentidas.
    sobre os neutrinos, a mesma coisa……..durante um ano, a sua velocidade era mais rápida do q a da luz……desmentindo o Einstein.
    afinal, agora, o Einstein voltou a ter razão!!!
    tc….etc….etc..
    óbviamente, há limites que não podem ser ultrapassados.
    e isto de chamar aborto ao assassinato de recém nascidos……..só de abortos mentais

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  15. 2 Março, 2012 18:10

    ontem ouvi na TSF (Onde havia de ser????) um parasita da sociedade, J Fonseca e Costa, a garantir que os tugas não tinham descoberto NADA…..nem o Brasil e a Índia……
    os tugas descobriram os indígenas….e estes descobriram os tugas…encontro amigável, óbvio.
    esqueceu-se de dizer que os tugas é que estudaram e descobriram as correntes marítimas e os ventos de todo o atlãntico sul e Índico ocidental..á custa de muitas vidas humanas.
    Foram os tugas que descobriram o caminho marítimo até á guiné…….depois até angola…..depois a dobrar o extremo sul de áfrica…que muito lhes custou…..e depois o caminho marítimo até á Índia.
    quando começaram as viagens NINGUÉM NO PLANETA sabia o que era áfrica……..ou se existia…….e se havia ligação atlântico-Índico
    isto foram DESCOBERTAS a sério.
    certo, não tem Q.I para saber isto
    o que se tem dito é a descoberta do CAMINHO MARÍTIMO para a Índia.
    ou a descoberta do Brasil….pelo RESTO DO MUNDO…

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  16. aremandus permalink
    2 Março, 2012 18:51

    DESDE O PND AO CDS….ESCUMALHA SEM COLUNA VERTEBRAL,QUE ACABA NO SACO DO LIXO QUE É O PPD

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  17. Portela Menos 1 permalink
    2 Março, 2012 18:52

    e pronto, mais um tema de grande actualidade que por acaso é sempre assunto de debate cientifico com base … na ideologia.

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  18. José Barros permalink
    3 Março, 2012 00:22

    O argumento não é inovador. Aliás, já é muito antigo, tão antigo quanto a discussão ética sobre o aborto. Basicamente, retoma o argumento da potencialidade que é defendido pelos defensores das posições pró-vida e que me parece fundamentalmente correcto. Segundo tal argumento, a discussão sobre se um embrião ou um feto já tem direito à vida é falaciosa, porque o que é digno de protecção não é o facto de tais seres já serem “humanos”, mas a potencialidade – a possibilidade e a probabilidade – de o virem a ser. E o argumento vale naturalmente para casos análogos: é também a potencialidade da vida humana que ainda é protegida quando se afirma o direito à vida de doentes em coma profundo. Mas isso não significa, por outro lado, que o aborto tenha de ser rejeitado em todas as situações. Também parece claro que num conflito entre a vida do feto e a vida da mãe, esta deve poder escolher não ter o filho. E também parece ser razoavelmente claro que num conflito entre a vida do feto e o direito da mãe de não ter uma maternidade imposta por uma violação (para mais, com o trauma que esta representa), esta deve poder escolher não ter o filho. Mais duvidoso, precisamente pelo argumento da potencialidade é o caso de malformação do feto. Admito que, em termos éticos, muito mais difícil de sustentar.
    O problema das posições pró-aborto é precisamente o de, fora das situações referidas e, em particular, das primeiras duas, não terem um direito – reconhecido com carácter geral – para contrapor ao direito à vida do embrião ou do feto. O direito à escolha da mãe não tem essa virtualidade, porque pressupôe a irresponsabilidade prévia pela decisão de ter relações sexuais (livre e consentidas, claro está).
    Daqui não se retira, por outro lado, um argumento a favor da criminalização do aborto (fora das duas ou três excepções referidas). A decisão de criminalizar ou descriminalizar vai muito para além de critérios éticos. Exige a análise adicional de argumentos de política criminal e social muito mais complexos, como seja a existência de uma reprovação social maioritária da prática de abortos (que deixou de existir), a necessidade de aplicação de penas de prisão às mulheres que os praticam (que ninguém aceita, nem os defensores da criminalização) ou a capacidade de a repressão penal contribuir para a diminuição drástica dos abortos clandestinos (que a experiência passada em Portugal não comprovou).
    Mas já se retira da falta de fundamentação ética das posições pró-escolha uma conclusão óbvia: o Estado não deve financiar abortos. Para lá dos argumentos liberais que desaconselham o incentivo ou desincentivo de comportamentos sociais, há a questão inultrapassável de o Estado estar a financiar uma prática que elimina seres potencialmente humanos, que, enquanto tal, merecem protecção pela mesma razão que a merecem os doentes em coma ou, no argumento do post, recém-nascidos.

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  19. Joaquim Amado Lopes permalink
    3 Março, 2012 01:00

    José Barros:
    “Exige a análise adicional de argumentos de política criminal e social muito mais complexos, como seja a existência de uma reprovação social maioritária da prática de abortos (que deixou de existir),”
    Só deixou de existir a reprovação social do aborto justificado por um qualquer estado de necessidade. Continua a haver uma reprovação social maioritária da prática da utilização do aborto em substituição da contracepção (que é, afinal, o espírito da nova Lei do Aborto). Foi essa a razão por que, na campanha pela despenalização do aborto a pedido, o aborto foi sempre apresentado como se fosse a “última opção” apesar de a realidade demonstrar que há mulheres que não vêem qualquer problema em abortar repetidas vezes.

    “a necessidade de aplicação de penas de prisão às mulheres que os praticam (que ninguém aceita, nem os defensores da criminalização)”
    Também não é verdade. A criminalização implica na aplicação de penas de prisão, não necessariamente na primeira infracção (ninguém acha que quem rouba umas peças de fruta deva ir para a prisão apesar de todos concordarem que o roubo deve continuar a ser considerado crime) mas se necessário para acabar com um comportamento que seja reincidente apesar de advertências e multas (p.e.).

    “ou a capacidade de a repressão penal contribuir para a diminuição drástica dos abortos clandestinos (que a experiência passada em Portugal não comprovou).”
    O que a experiência de Portugal comprovou foi que um determinado comportamento ser criminalizado mas nunca ser punido não resulta na sua diminuição.

    Não confunda o resultado do último referendo com a posição da maioria dos portugueses.
    Conheço várias pessoas que votaram “sim” por julgarem que a nova Lei se aplicaria apenas em casos de necessidade, pelo menos uma que é frontalmente contra o aborto a pedido mas votou “sim” (acreditando que as mulheres dirigirem-se a hospitais em vez de a “parteiras de vão-de-escada” e terem consultas de planeamento familiar levaria a uma redução do número de abortos) e várias que, confrontadas com o resultado da aplicação da nova Lei do Aborto, estão arrependidas de ter votado “sim”.

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  20. Nuno permalink
    3 Março, 2012 02:57

    .
    A questão pode ter muito interesse para quem a queira discutir – e, seguramente, para a esquerda e quem defende o aborto -, todavia é, em qualquer caso, uma aberração.
    .

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  21. Ricardo permalink
    3 Março, 2012 09:08

    Concordo plenamente com o seu ponto de vista. Compreendo perfeitamente a intenção dos autores e percebo também a satisfação dos opositores à descriminalização do aborto com o tal artigo.

    O problema é que :
    1) Se um a bebé é um humano é potencia, abortar é imoral dado que o bebé procede do feto
    2) Se é imoral abortar um feto, a contracepção é imoral, porque o feto provem da cópula desimpedida,
    3) Se a contracepção é imoral, é imoral não estarmos todos a procriar a toda a hora, dado que sem procriação não chega a haver feto. O acto de procriar é um humano em potência e não o practicar a todas as oportunidades é equivalente a ceifar uma vida.
    4) Se perder uma oportunidade de procriar é imoral, deviamos ensinar as criancinhas a procriar assim que possível e a toda a hora.

    Isto de pegar em pressupostos e levá-los até às últimas consequências, dá para tudo.
    A lógica sem os limites da razão e da razoabilidade é receita para o disparate. É por isso que quem faz leis e quem escrece livros de ética são homens, e não computadores.

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  22. ALS permalink
    3 Março, 2012 14:31

    Quantos mais direitos, menos Direito!

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  23. hajapachorra permalink
    3 Março, 2012 19:17

    A intenção dos autores bão é a provocação no sentido que o postador lhe dá. Eles defendem ‘mesmo’ o infanticídio. São excelente demonstração do absurdo que é a legalização do aborto, mas não é essa a sua intenção. Aliás, o que defendem está legalizadp na Holanda e em algusn estados dos USA. Como diziam os medievais, bem menos’medievais’ do que esses facínoras, «ex absurdo sequitur quodlibet».

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  24. 5 Março, 2012 12:42

    É nessa medida que deve ser lido.

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  25. 5 Março, 2012 12:44

    Provoca, o artigo de Alberto Giubilini e Francesca Minerva conduzem a revisão dos pressupostos que sustentam subjectivamente a admissibilidade do aborto.

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