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Notas soltas sobre a eutanásia

28 Maio, 2018
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1. No Oregon, a eutanásia é legal há 20 anos. Há cerca de 40 casos por ano. Na Holanda, com uma população apenas 4 vezes maior, houve mais de 6 mil em 2017, incluindo crianças com menos de 16 anos. Eu não aprovaria nada sem perceber o que causou a slippery slope num caso e não noutro.

2. Ramon Sampedro ficou tetraplégico aos 25 anos. Se a eutanásia fosse legal, teria morrido aos 26. Nos 29 anos seguintes escreveu um livro, defendeu uma causa (por acaso, a eutanásia) e deu inúmeras entrevistas. Viveu.

3. Muitas pessoas compram sepulturas e deixam dinheiro alocado para o seu funeral muito antes de morrerem. Fazem partilhas em vida ou deixam testamentos para que a sua morte não cause desavenças familiares. Aquelas que sabem que vão morrer uns meses antes procuram fazer as pazes com amigos e familiares, resolver inimizades e deixar conselhos aos filhos. A maioria das pessoas gosta de morrer no conforto de saber que deixou tudo tratado. Ramon Sampedro morreu sem saber se os seus amigos mais próximos seriam presos depois da sua morte por o terem ajudado a suicidar-se.

4. Não foram.

5. Há uma tendência a “fazer equipas” cada vez que se fala em assuntos fracturantes, como se fossem todos iguais. Como se o direito a casar, a abortar, utilizar técnicas de PMA ou a ser eutanasiado fossem tudo uma e a mesma coisa, com o mesmo tipo de considerações. Quem assume por defeito a posição progressista ou conservadora qualquer que seja a questão merece zero credibilidade, por muito atractiva que seja a retórica de trincheira.

6. Quantas pessoas foram condenadas por praticar a eutanásia em Portugal? Zero? Será que nunca houve eutanásia em Portugal ou vamos despenalizar algo que nunca foi penalizado? Será a hipocrisia marcelista do “É ilegal, mas pode-se fazer” um mal menor em relação ao risco de dar ao estado o poder de matar?

18 comentários leave one →
  1. 28 Maio, 2018 11:17

    Se não há casos de pessoas julgadas por causarem a morte a pedido de outras, qual é a justificação para a legislação despenalizadora? Não me parece que questionar as motivações ocultas do legislador (“é para a eventualidade de um dia ser preciso” não chega) seja conservador ou progressista, apenas ético.

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    • 28 Maio, 2018 11:25

      A justificação é manhosa.

      È a mesmíssima com que invadem os emails da fazerem publicidade do Testamento Vital

      O Testamento Vital é um crime que nem sequer foi discutido

      Inclui a bondade de deixar morer à sede e ´à fome alguém que tenha assinado a trampa com a possibilidade de impedir que lhe enfiem uma simples sonda de alimentação.

      Não colocar uma sonda é um crime besta. Acho que até é mais criminoso que a treta da eutanásia.

      Porque é coisa assinada nos lares por velhos que nem percebem aquilo e está escrito para não se perceber

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      • 28 Maio, 2018 11:28

        O meu ponto é que se estamos dispostos à ideia de que tudo é discutível – eu não estou -, então que se saiba ao menos porque se está a discutir.

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      • 28 Maio, 2018 12:07

        Completamente de acordo.

        Eu também não e nem respeito.

        Não tenho de respeitar criminosos. Chegou-se a esse ponto que diz- tudo pode ser relativizado e passar a ser moral ou imoral por percentagem de berros e “opiniões”

        O nazismo não precisou de tanta manha democrática nem de falar em nome do bom do humanismo.

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      • 28 Maio, 2018 12:09

        Está-se a discutir porque se acredita que pela boca se manda.

        É mentira. É o grande logro da dita democracia.

        Quem manda é quem legisla e quem legisla é quem está no poleiro.

        Os outros fazem lobby por megafone. E os do poleiro fazem as contas de merceeiro para verem de que modo têm o poleiro mais assegurado.

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  2. 28 Maio, 2018 11:22

    Conheço um tetraplégico com perto de 50 anos que ficou assim por acidente na adolescência. É feliz e a última coisa que queria seria pedir para morrer.

    A eutanásia destina-se a matar velhos que consideram inúteis e dar um cheirinho de liberdade a caprichosos que depois nem sequer entravam nos parâmetros aprovados pelas tais supostas juntas médicas.

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  3. Mario Figueiredo permalink
    28 Maio, 2018 12:05

    Conversas soltas sobre a Eutanásia:

    1.
    Ó paizinho, o melhor mesmo era eutanasiareste. Já viveste tanto e eu não tenho como te ter lá em casa com os miúdos e tudo. E depois com a Paula desempregada, só com o meu salário, está tão difícil a casa de acolhimento. O preço para acamados está pela hora da morte e a tua reforma é muito baixa. Eu amo-te tanto.

    2.
    Dona Adelaide, como estamos? E essa perninha? Ainda dói? Eu sei, eu sei. Muita dor. Eu compreendo. Pois dona Adelaide, mas eu não lhe posso receitar mais analgésicos. É que isso cria dependência e ataca-lhe o fígado também. Já pensou naquela conversa de ontem? É que temos aqui essa possibilidade. Pense bem, dona Adelaide. Não se precipite. Mas tem que ter paciência. Mais analgésicos agora não é boa ideia.

    3.
    Já falas-te com ele? Epá, fala! Ele a ti ouve-te, sempre foste o filho favorito. Se vou lá eu é que ele fica logo desconfiado. É que estou mesmo precisado, António. O dinheiro está a fazer-me muita falta para pagar ás finanças. Nem fazes ideia do aperto. Vai lá meu irmão. Vê se o convences. Ele também está para ali a sofrer para quê? Vamos lá acabar com isso e ele pode também descansar.

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  4. apito permalink
    28 Maio, 2018 13:00

    “É ilegal, mas pode-se fazer”. A grande regra de vida do portuga.
    Os que mandam, julgam que todos os outros são feito da mesma massa do que eles. Por isso os mangas de alpaca são tão filhos de uma mae querida…

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  5. 28 Maio, 2018 14:33

    Cuidado CGP que aqui o camarada joseph Belmiró, lança-lhe os caniches dele raivosos ladrar consigo e ainda o manda ser atado num tronco, onde o decorará com lenha e palha, e umas pinceladas de resina , que é para arder artisticamente bem. Isto que é para deixar ser um “bovino” heretico segundo o mandamento inscrito neste burgo de liberdade de pensamento.

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  6. carlos alberto ilharco permalink
    28 Maio, 2018 15:17

    Na minha modesta opinião se este assunto for aprovado, a Lei que depois o regulamentará terá tantos artigos e alíneas para contemplar todos os casos e os omissos que ultrapassará em volume o famoso processo do senhor engenheiro Sócrates.
    Aguardemos.

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  7. Mário A Florentino permalink
    28 Maio, 2018 16:49

    Gostei do texto. A defesa do “é ilegal, mas pode-se fazer” de Marcelo como o “mal menor” parece-me bastante adequada neste contexto. Aliás, mesmo no outro, em que foi usado, Marcelo foi durantemente criticado e até ridicularizado (no famoso scketch do RAP), mas já então me pareceu que estava apenas a ser moderado e sensato.

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  8. António C. Mendes permalink
    28 Maio, 2018 17:45

    Numa sociedade em que deixámos de querer (ou deixámos de poder – não quero ser injusto e generalista) cuidar dos nossos, quando a vida chega ao fim, temos um estado que, em vez de contribuir para a necessidade de os podermos cuidar melhor, abre a porta ao refugo!
    Eu peço desculpa, se vos parece retórica de trincheira. Não quero que seja, mas quero vincar que não tenho dúvidas que ao criar esta ferramenta, o estado está a indicar um caminho perigoso. Não chegam as provas diárias de alguns comportamentos desequilíbrados socialmente, para ter todos os cuidados, ao colocar ferramentas tão discutíveis eticamente no funcionamento corrente da nossa sociedade.
    E desculpem, mas também me parece o seguinte, muita da retórica de apoio a esta lei, que poderíamos classificar como progressista é única e exclusivamente de afronta a valores e não está nada preocupada com as liberdades de cada um – é um embuste, é de novo o eixo Bairro Alto a funcionar e eu estou farto de ver essa rapaziada a mandar na minha vida e na sociedade que andamos a criar para os meus filhos (sim, porque eu também a ando a criar).
    FAMÍLIA! É do que esta rapaziada anda atrás para destruir. Muitos deles, estou convencido, têm a família deles a salvo!
    Os casos clínicos nunca serão muitos, já existem, já se resolvem.. Os casos de conveniência tornar-se-ão insuportáveis.

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  9. Arlindo da Costa permalink
    28 Maio, 2018 20:35

    A eutanásia sempre existiu em Portugal.

    Quando desligam as máquinas ou quando deixam os vizinhos morrer ao lado sem qualquer ajuda, especialmente daqueles que dizem defender a «vida»….

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  10. Luis Lavoura permalink
    29 Maio, 2018 11:33

    o que causou a slippery slope num caso e não noutro

    Pode não ser a legislação ser diferente, pode ser a interpretação dessa legislação ser diferente.

    No aborto Portugal e Espanha tiveram durante muitos anos leis similares mas na prática o aborto em Portugal era proibido, em Espanha era livre. A lei era a mesma mas a interepretação que dela era feita diferia.

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  11. Luis Lavoura permalink
    29 Maio, 2018 11:35

    Ramon Sampedro morreu sem saber se os seus amigos mais próximos seriam presos depois da sua morte por o terem ajudado a suicidar-se.

    Sampedro teria morrido melhor, mais confortado e sossegado, se soubesse que a eutanásia era legal e que por isso os seus amigos não corriam o risco de virem a ser presos.

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  12. Luis Lavoura permalink
    29 Maio, 2018 11:38

    dar ao estado o poder de matar

    Ao Estado? Quem mata não é o Estado. Quem mata é um médico ou enfermeiro, que pode nem ser do SNS (a não ser na lei do PEV), que pode não ter absolutamente nada a ver com o Estado.

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  13. Luis Lavoura permalink
    29 Maio, 2018 11:41

    vamos despenalizar algo que nunca foi penalizado

    É verdade que nunca foi penalizado, mas a verdade mais grave é que só teve acesso à eutanásia quem teve a sorte de ter um médico que se disponibilizou para a fazer.

    Ou seja, nunca foi penalizado, mas a perspetiva de uma possível penalização impediu a maior parte daqueles que queriam a eutanásia de a ela terem acesso.

    Como no caso de Ramón Sampedro, que só teve acesso a ela meia vida depois de a ter querido.

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  14. Gastao Taveira permalink
    16 Fevereiro, 2020 23:44

    Outras questões interessantes:
    – Se os casais se separavam e passavam a viver com a/o amante antes, para quê institucionalizar o divórcio.
    – Se havia sexo fora do casamento antes, e não houve condenações, para quê despenalizar o adultério.
    – Se os homossexuais se encontravam antes, às escondidas, e não houve presos, para quê despenalizar a homossexualidade.
    – Se se fumava haxixe antes, para quê institucionalizar a despenalização.
    Vamos voltar atrás nisto tudo. Brilhante, libertário.

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