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E agora nós?*

11 Junho, 2010

O país vive uma situação de impasse político. Há um sentimento de fim de ciclo. Simplesmente tudo indica que desta vez a solução não nos vai cair do céu como anteriormente sucedeu. Durante o século XX os militares resolveram-nos estes bloqueios: 5 de Outubro de 1910, 28 de Maio de 1926, 25 de Abril de 1974 e 25 de Novembro de 1975 não correspondem, como gostamos de pensar, a momentos de viragem na sequência dos protestos inflamados do povo português. Estas datas são sim ocasiões em que os militares, com maior ou menor articulação com líderes civis, organizaram com sucesso golpes que instituíram novas situações políticas às quais os portugueses aderiram com desigual entusiasmo mas invariavelmente com uma sensação de alívio por alguém ter resolvido uma situação que politicamente parecia agonizante. Arrumados os militares nos quartéis após o 25 de Novembro de 1975, transferimos para a então CEE essa responsabilidade de fazer de nós aquilo que achamos que devemos ser. Talvez por vivermos à beira do oceano, paramos no momento de dar o passo decisivo, mas se alguém o der por nós e mostrar que temos pé então corremos entusiasmados e logo identificados com a nova situação. A última vez que isto sucedeu foi aquando da queda do governo de Santana Lopes, que nenhum português sabe explicar ao certo porque foi afastado por Jorge Sampaio. Neste momento quase que se implora que Cavaco Silva faça o mesmo a Sócrates, e admitindo os produtores de tal clamor que Cavaco não o faça já, para não comprometer a sua eleição, determinaram que tal terá de ocorrer em 2011, numa espécie de crónica duma morte anunciada da liderança de José Sócrates. Não só não me parece que Sócrates se deixe assim neutralizar, quiçá comovido com a gentileza do pré-aviso, como tal não é saudável para a democracia. O Governo tem legitimidade democrática. Foi eleito e nem sequer por tão poucos votos quanto isso: mais de dois milhões de portugueses, em Setembro de 2009, escolheram Sócrates para primeiro-ministro.
Entre outras razões porque preferem que à frente do Governo esteja alguém que não só não lhes diz que vai fechar escolas porque não há dinheiro para as manter abertas mas sobretudo que apresente esse encerramento, muito questionável pedagogicamente para turmas com 20 alunos, não só como uma decisão que visa «combater o insucesso escolar» mas ainda como algo que seria «criminoso” não fazer».
Com José Sócrates a realidade não existe. Existe sim uma atitude valorativa sobre o que supostamente se está a fazer. Por isso não se estão a fechar escolas mas sim a combater o insucesso escolar. E as leis, entendendo por leis a catadupa de decretos mal-amanhados que ninguém sabe o que determinam nem quando entram em vigor – e o que não se sabe ou se vai sabendo entre declarações contraditórias e sucessivas tanto pode versar as retenções do IRS como o sistema de passagem do 8.º para o 10.º ano -, não são corrigidas. Estão sim a ser aperfeiçoadas, entendendo-se logo, à partida, que se trata duma progressão na escala da perfeição e não da correcção de disparates rotundos. Enfim, mais de dois milhões de portugueses gostaram deste homem para quem a mentira se chama inverdade. Agora que um factor externo, a crise, nos impõe não uma mudança de situação política, como aconteceu no passado, mas sim que enfrentemos a realidade, Sócrates, o homem que ‘zipava’ a realidade como se esta fosse um ficheiro demasiado pesado, tornou-se um embaraço para o seu próprio partido, num tempo em que a realidade se tornou um excesso.
Tanto o PS como o PSD gostariam que Sócrates saísse de cena. Divergem PS e PSD nos motivos mas concordam na excelência do método: o ideal seria que Sócrates desaparecesse através duma qualquer intervenção que não só não os comprometesse como até os favorecesse politicamente. Ora isso só pode acontecer de duas formas: demitindo-se José Sócrates, invocando de preferência razões pessoais, ou por intervenção do Presidente da República. Quer uma opção quer outra são quase tecnicamente impossíveis: Sócrates não se demite não só porque não está na sua natureza fazê-lo mas também porque não se vislumbra um convite para um cargo que justificasse tal saída e sobretudo porque o primeiro-ministro intui que após a sua saída do Governo dificilmente pode contar com a solidariedade institucional duma futura liderança do PS em relação ao muito que haverá para explicar sobre as decisões deste e do executivo anterior. Quanto a Cavaco Silva, este não só tem um entendimento muito diverso do de Jorge Sampaio sobre o que são os poderes presidenciais como não ignora que seriam enormes os custos políticos que pagaria por derrubar um governo do PS, partido que olha para a Presidência da República como um espaço naturalmente seu: os principais beneficiários com uma destituição de Sócrates, o PS e o PSD, seriam os primeiros a questionar a legitimidade do Presidente.
A 10 de Junho de 2010, os portugueses, do povo aos líderes, vivem constrangidos perante a crescente evidência de que desta vez terão de assumir o que querem, deixando de ficar à espera que alguém, a quem depois chamam libertador, lhes entregue uma nova situação pronta a festejar.
*PÚBLICO

14 comentários leave one →
  1. GLORIOSO SLB's avatar
    11 Junho, 2010 10:23

    Cara Helena,

    Podia fazer algo mais que copy paste destas suas crónicas do Público: dar uso a meia dúzia de ENTERs e fazer uns parágrafos para facilitar a leitura aqui no blogue!

    Vá lá, não dá muito trabalho e dá um jeitaço!

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  2. Desconhecida's avatar
    Anónimo permalink
    11 Junho, 2010 10:25

    O país está a gravitar à volta da reeleição do presidente e de um PM que já todos sabemos quem é. Portugal em si fica para segundo plano. Quanto à legitimidade dada pelas eleições, é válida partindo do princípio que o voto de muitos não foi condicionado por episódios e omissões diversas, nem por benefícios monetários retirados logo a seguir. Para mim, episódios como o da TVI e Figo retiram essa legitimidade e destroem totalmente a credibilidade. A sua menorização leva-nos por um perigoso caminho de escalada, como vemos e veremos.

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  3. agfernandes's avatar
    agfernandes permalink
    11 Junho, 2010 11:30

    Helena, a legitimidade do governo é discutível, a meu ver. Mesmo que esses 2 milhões de portugueses não se preocupem com a verdade, há limites para os “desvios da verdade” (valor do défice, da dívida, etc.) e para os “abusos de poder” (calar um telejornal) que foram camuflados. Ou não? Eu diria que as eleições foram mesmo uma fraude política.

    Em relação às motivações dos seus eleitores, concordo que podemos dizer que esses 2 milhões de portugueses contaram com algum apoio estatal prometido nas eleições.

    Agora só um pormenor de colorido condescendente que utiliza quando se refere ao actual PM: acho que pelos estragos que ele já provocou e pelos cidadãos que já prejudicou, o prazo da tolerância amigável já passou há muito muito tempo.

    Também em relação a essa hipótese de mudança de liderança do PS e do governo que vá resolver a questão, será apenas “lavar a imagem” do PS como se fez em 2005, a cultura-base está lá, a política será a mesma com a agravante da ilusão de “novinho em folha”, isto é, #com a folha limpa”, estratégia de marketing em que o PS é perito.
    A solução “bloco central”, pior ainda: ficamos condenados a essa mediocridade eterna do rotativismo garantido. Chega.
    Clarificar culturas e territórios para que os cidadãos possam finalmente saber com o que contam.
    Ana

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  4. Octávio dos Santos's avatar
    11 Junho, 2010 11:48

    Eu explico porque é que Santana Lopes foi afastado por Sampaio: para permitir que os «camaradas» do PS voltassem ao poder. Ponto.

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  5. zedeportugal's avatar
    11 Junho, 2010 12:08

    Sócrates, o homem que ‘zipava’ a realidade

    LOL

    Esta é fruto de um momento muito inspirado. Usarei, com a devida vénia à autora, logo que se apresente a oportunidade.

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  6. zedeportugal's avatar
    11 Junho, 2010 12:11

    os portugueses, do povo aos líderes, vivem constrangidos perante a crescente evidência de que desta vez terão de assumir o que querem, deixando de ficar à espera que alguém, a quem depois chamam libertador, lhes entregue uma nova situação pronta a festejar

    Exactamente, sem tirar nem pôr. É tramado, não é?

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  7. Desconhecida's avatar
    anónimo permalink
    11 Junho, 2010 12:48

    o zero vírgula um subiu-lhe à cabeça

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  8. Vasco Rodovalho's avatar
    Vasco Rodovalho permalink
    11 Junho, 2010 12:51

    Se o 28 de Maio, o 25 de Abril e o 25 de Novembro foram pronunciamentos/golpes/contra-golpes militares, o mesmo não se pode dizer do 5 de Outubro, o qual foi essencialmente uma revolta de civis armados com algum apoio militar. O grosso das tropas manteve-se neutro a 5 de Outubro, assim possibilitando o triunfo da insurreição.

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  9. Alves's avatar
    Alves permalink
    11 Junho, 2010 13:13

    Pois é, mas creio que com votos ninguém consegue afastar o Sócartes. E ele (ou quem o controla) sabe muito bem disso.

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  10. Desconhecida's avatar
    Antonio Lemos Soares permalink
    11 Junho, 2010 13:25

    Apenas uma pequena discordância histórica.
    No dia 5 de Outubro de 1910, o exército não tomou qualquer partido. A omissão foi a palavra que, infelizmente, a tropa seguiu. Havia 11 quartéis militares em Lisboa e nenhum saiu para fazer a revolução. Apenas uma minoria desesperada de praças, saídas de um desses quartéis, aguentou, para vender cara a vida, com Machado dos Santos na rotunda.
    Cândido dos Reis suicidou-se nessa madrugada, por pensar que tudo estava perdido; José Luciano de Castro – velho líder monárquico – apenas afirmou: – «Não lhe mexam e não se mexam.»; o embaixador alemão propôs tréguas e arvorou uma bandeira branca, que muitos monárquicos pensaram ser de rendição; o Rei D. Manuel II e as Rainhas quando embarcaram na Ericeira, pensavam ir para o Porto para preparar a resistência, acordaram em Gibraltar…

    Mas, porque, em Portugal, as revoluções mesmo as mais desorganizadas, podem sair vitoriosas, festejam agora, alguns, o centenário deste dia.

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  11. lucklucky's avatar
    lucklucky permalink
    11 Junho, 2010 13:52

    O Governo não legitimidade democrática alguma. O Defice antes das eleições era de 5,9% e passou para 9,3% depois das eleições. Ou seja uma mentira total sobre a situação do País.

    Se uma Administração de uma empresa mente sobre a situação económica e vai a votos a eleição e depois se descobrir que mentiu é nula e a Administração é entregue à Justiça. Madoff foi para a cadeia porque mentiu sobre as contas.

    Porque é que os Governos têm menos obrigações que Administrações de empresas?

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  12. Desconhecida's avatar
    Anónimo permalink
    11 Junho, 2010 15:51

    Eu sáo não quero que me tirem o meu magalhães.

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  13. rosa r's avatar
    rosa r permalink
    11 Junho, 2010 19:45

    O mais triste é que o resto dos portugueses que não escolheram este sr para PM vão ter de sofrer as consequências dos actos irrefletidos deste homem.Será que teremos de esperar que a lenda se cocretize; D.Sebastião surja mesmo que envolto num profundo nevoeiro,é que nós já nos vamos habituando a fortes nuvens de nevoeiro que envolvem a figura do PM…Quanto mais tempo permanecer á frente do governo maior será a crise e o pior será para quem a tiver de resolver, já sabemos que o PS não vai ter capacidades para tal.

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  14. Desconhecida's avatar
    Tribunus permalink
    12 Junho, 2010 16:19

    Cavaco dissolve o parlamento, convoca eleições antecipadas para presidente da republica e pede auxilio ao FMI e passamos a falar com com as empresas de notificação com o nivel de estar-mos a ser apoiados porFMI! Suspende a constituição por 2 anos para fazer esta manobra!

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