“Caiu nas sondagens”
Muitos opinadores comentaram a revisão constitucional de Passos Coelho do ponto de vista da táctica política. “Caiu nas sondagens”. “Foi um tiro no pé”. “Assim não ganha”. Muitos destes mesmos comentadores prosperaram num regime socialista e foram cúmplices de todas as asneiras que foram feitas ao longo dos anos. Por exemplo, será interessante saber quantos destes identificaram as contas públicas como o grande problema do país durante o ano eleitoral de 2009. Ou quantos foram capazes de perceber antes de Setembro de 2009 que as contas do orçamento tinham que estar erradas e que o défice de 2009 seria muito maior que o previsto.
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A revisão constitucional de Passos Coelho toca nas áreas que terão que ser alvo de reformas profundas nos próximos anos: saúde, educação e emprego. Sobre essa questão os comentadores do “caiu nas sondagens” nada dizem. Ou, na melhor das hipóteses, dizem que o problema não é constitucional. Acreditam que o problema não é constitucional porque desejam que as mudanças que são necessárias não acabem com o paradigma socialista em que vivemos há anos. No fundo, acreditam que está tudo bem com o sistema, precisamos é de um primeiro-ministro socialista vindo do PSD e que governe bem.
Proposta do PSD de revisão constitucional
Artigo 61º (Iniciativa privada e cooperativa)
1. A iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral e a responsabilidade social das empresas.
Artigo 64º (Saúde)
2. …………
a) Através de um serviço nacional de saúde universal e geral, não podendo, em caso algum, o acesso ser recusado por insuficiência de meios económicos;
Artigo 74º (Ensino)
2 – Na realização da política de ensino incumbe ao Estado:
b) Desenvolver o sistema geral de educação pré-escolar;
d) Garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística, não podendo, em caso algum, o acesso ser recusado por insuficiência de meios económicos;
Artigo 75º (Ensino público, particular e cooperativo)
1. O Estado assegura a existência de uma rede de estabelecimentos de ensino que cubra as necessidades de toda a população.
Concordo com o autor do post. Estas propostas são muito importantes. De um ponto de vista puramente ideológico, porque vêm pôr um ponto final no paradigma socialista em que vivemos há anos, fazendo reformas profundas na saúde e na educação. De um ponto de vista estritamente orçamental, porque os défices públicos passarão a ser muito menores.
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Caro Arnaldo Madureira,
As reformas Constitucionais permitem que o Estado deixe de ser progressivamente prestador de serviços de educação e saúde e passe a ser um mero garante de que todos terão acesso a esses serviços. É uma mudança significativa em relação ao sistema actal em que as políticas estão orientadas para que o estado seja simultaneamente garante e prestador. Estas mudanças são inevitáveis tendo em conta que é a única forma de conjugar eficiência economica, garantia aos mais desfavorecidos e liberdade de escolha. Serão implementadas, mais cedo ou mais tarde, pelo PS ou pelo PSD.
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Passos Coelho deu realmente um tiro no pé quando, na situação miserável em que o país se encontra, ter dado a entender que a solução para esta situação é uma revisão constitucional, e além disso deu a ideia que queria rever para pior.
O facto de os maus comentadores serem maus comentadores não altera em nada esta situação, nem o facto de não terem sido “capazes de perceber antes de Setembro de 2009 que as contas do orçamento tinham que estar erradas” lhes tira razão quando comentam como comentam esta urgência na revisão de PPC.
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gui,
Não sei se deu um tiro no pé. O futuro o dirá. Mas uma coisa é certa, os tópicos que escolheu para a revisão são aqueles que requerem mudanças profundas. Portanto, a solução passa por esses tópicos.
Eu percebo que ache que a revisão constitucional não é necessária. Mas o gui também não defende mudanças profundas na organização da saúde, educação e emprego. Defende que tudo fique mais ou menos como está. Quer apenas que se governe bem. Passos Coelho pensa de forma diferente e marcou a sua posição.
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João Miranda
Claro. É esse mesmo o significado das propostas do PSD [artigo 64º 2-a) e artigo 75º 1.].
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João Miranda
Quando é que o Passos Coelho disse que quer que o Estado deixe progressivamente de prestar serviços?
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Caro Arnaldo Madureira,
Esses artigos implicam que o Estado tem obrigação de garantir saúde e educação, mas não implicam (como actualmente) que tenha obrigação de prestar os serviços.
Sobre o que Passos Coelho pensa da difença entre Estado Prestador e Estado Garantia, está bem explicado no livro dele.
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João Miranda
Artigo 64º da CRP
Artigo 64.º
(Saúde)
1. Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover.
2. O direito à protecção da saúde é realizado:
a) Através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as
condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito;
b) Pela criação de condições económicas, sociais, culturais e ambientais que
garantam, designadamente, a protecção da infância, da juventude e da velhice, e pela
melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho, bem como pela promoção da
cultura física e desportiva, escolar e popular, e ainda pelo desenvolvimento da
educação sanitária do povo e de práticas de vida saudável.
3. Para assegurar o direito à protecção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado:
a) Garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição
económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação;
b) Garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o país em recursos humanos e
unidades de saúde;
c) Orientar a sua acção para a socialização dos custos dos cuidados médicos e
medicamentosos;
d) Disciplinar e fiscalizar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as
com o serviço nacional de saúde, por forma a assegurar, nas instituições de saúde
públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e de qualidade;
e) Disciplinar e controlar a produção, a distribuição, a comercialização e o uso dos
produtos químicos, biológicos e farmacêuticos e outros meios de tratamento e
diagnóstico;
f) Estabelecer políticas de prevenção e tratamento da toxicodependência.
4. O serviço nacional de saúde tem gestão descentralizada e participada.
Artigo 64º da proposta do PSD
Artigo 64º (Saúde)
1. …………
2. …………
a) Através de um serviço nacional de saúde universal e geral, não podendo, em
caso algum, o acesso ser recusado por insuficiência de meios económicos;
b) … cultura desportiva… (desaparece a palavra física)
3. …
4. …
O “Serviço Nacional de Saúde universal e geral” da Constituição significa que o prestador tem de ser obrigatoriamente o Estado.
O “Serviço Nacional de Saúde universal e geral” da proposta do PSD significa que o Estado não tem a obrigação de prestar os serviços.
É isso que percebe?
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««O “Serviço Nacional de Saúde universal e geral” da proposta do PSD significa que o Estado não tem a obrigação de prestar os serviços.»»
“Serviço Nacional de Saúde universal e geral” mas não gratuito coloca o SNS em igualdade de condições com os privados o que permite a transferência de serviços para o privado. Nada na Constituição obriga o Estado a ser o prestador único do serviço, tal como nada na proposta do PSD impede o Estado de deixar de prestar determinados serviços passando-os para prestadores privados.
Aliás, nada impede que o Estado se limite a financiar um “Serviço Nacional de Saúde universal e geral” e que a prestação seja assegurada por privados. Para haver um sistema nacional de saúde universal e geral os hospitais não têm que ser do Estado e os médicos não têm que ser funcionários públicos. Mas para que esse sistema funcionar é necessário um sistema de co-pagamentos. Para isso é necessário acabar com o “tendencialmente gratuito”.
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João Miranda
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Do livro MUDAR, de Pedro Passos Coelho:
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“… o novo consenso sobre Estado social, representado pelo Estado regulador, convive bem modalidades políticas muito diversas. Umas, de pendor mais igualitário, poderão pressupor um maior voluntarismo público e implicar objectivos mais redistributivos, colocndo o acento tónico nos prestadores de origem pública. Outras, menos igualitárias, poderão apostar numa partilha mais quilibrada entre os diversos perfis de prestadores e numa responsabilização maior das pessoas pelos comportamnetos e escolhas adoptadas.” (páginas 133 e 134)
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“Desde logo, tudo o que tem que ver com o ensino obrigatório, que é compulsivo, não pode deixar de ser garantido pelo Estado. Agora, deve o Estado produzir toda essa oferta? Aqui penso que todos ganharíamos se o Estado, nestas áreas sociais, produzisse alguns destes bens, mas não fosse, nem aspirasse a ser, monopolista.” (página 181)
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Entende que Pedro Passos Coelho quer que o Estado deixe progressivamente de prestar serviços?
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Com esta Constituição o Estado já paga legalmente a privados para fazerem os serviços. Só não paga mais serviços privados, porque não quer. A proposta não muda nada, não permite nada que agora não seja permitido, nem sequer obrigar quem pode a pagar. Todos os dirigentes do PSD que já falaram deste assunto disseram o mesmo: a única mudança que se pretende é, quem pode pagar, que pague alguma coisa.
Antes que alguém venha dizer que devo ser socialista (ideológico, não é de partido), digo desde já que os meus filhos frequentaram um colégio privado, que paguei integralmente, e que sou cliente de clínicas privadas.
Agora, não venham dizer que o Passos Coelho quer acabar com o paradigma socialista e propõe mudanças profundas. Não é verdade. As mudanças que propõe, no máximo, darão um balão de oxigénio ao paradigma socialista.
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««Entende que Pedro Passos Coelho quer que o Estado deixe progressivamente de prestar serviços?»»
É exactamente isso que lá está escrito. “apostar numa partilha mais quilibrada entre os diversos perfis de prestadores”, “todos ganharíamos se o Estado, nestas áreas sociais, produzisse alguns destes bens, mas não fosse, nem aspirasse a ser, monopolista.” Tudo isto implica que o Estado preste muito menos serviços que actualmente.
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««Com esta Constituição o Estado já paga legalmente a privados para fazerem os serviços. Só não paga mais serviços privados, porque não quer. »»
Como é que pode pagar mais a privados se tem que prestar serviços gratuitamente? Qual seria a vantagem disso? O facto de o SNS ser gratuito implica que o Estado não ganha nada em esvaziá-lo. Estaria a duplicar funções.
Aliás, o ponto principal não é a externalização de serviços mas sim a concorrência entre sistemas. Interessa ao Estado manter concorrência entre público e privado. Interessa ao Estado expor o sistema público à concorrencia, mas isso só se consegue com co-pagamentos.
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Deixe de prestar não é o mesmo que preste muito menos. Preste muito menos não é o mesmo que não aspirar a ser monopolista.
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