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Lobbies em Portugal (um brevíssimo manifesto).

15 Fevereiro, 2011
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Para Carlos Candal, escrevendo em 1995, “Particularmente difícil é porém ‘fazer carreira política’ em Portugal – sobretudo quando não se dispõe do apoio de qualquer dos ‘lobbies’ que condicionam quase toda a nossa actual vida pública. … Trata-se de organizações ou agregados que mantêm intervenção (directa ou indirecta) praticamente em todas as estruturas da nossa vida colectiva – também nos partidos políticos e na comunicação social. Agindo concertada ou avulsamente, os membros de tais ‘lobbies’ têm grande influência sobre muitas tomadas de posição de quem de direito e sobre a formação da opinião pública. Podem designadamente ajudar ao aparecimento de pretensos génios artísticos, “heróis sociais” ou ídolos-de-pés-de-barro (como são muitos dos políticos de sucesso). Por definição, as interferências do género são discretas ou mesmo subliminares – e passam geralmente despercebidas aos cidadãos influenciáveis.”

Como ponto prévio, teremos que notar que não poderá estar em causa nem a liberdade de associação nem a liberdade de expressão. Em Portugal, contudo, a expressão “Lobby” é frequentemente utilizada para designar organizações ou grupos de pessoas que actuam de uma forma que não é transparente para o público em geral, ao contrário do que a expressão significa correntemente nos E.U.A. É nesse sentido que a palavra será utilizada no presente texto.

Voltando ao texto citado, teria Carlos Candal razão nesta parte do seu argumento (o texto original abordava outros tópicos)? Serão os lobbies um factor condicionante de “quase toda a nossa actual vida pública”? Infelizmente, existem indícios de que a resposta correcta possa ser sim. Se acrescentarmos à influência dos lobbies a influência do nepotismo, um traço cultural muito forte no nosso país, encontramos, com toda a probabilidade, algumas das principais razões do nosso atraso.

No contexto de um regime opressivo, sem liberdade individual, compreende-se e aceita-se que as pessoas que se encontram privadas da sua liberdade se associem de forma secreta. Pelo contrário, numa democracia liberal e numa sociedade aberta, nada justifica a continuação da existência de organizações secretas (ainda que possam utilizar o eufemismo “discretas”).

O Sr. Dr. Carlos Candal, cuja memória saúdo, não descreveu inteiramente o modus operandi dos lobbies, pelo que vou deixar um singelo contributo. É frequente os lobbies, ao contrário do que se poderia pensar, interactuarem pacificamente entre si. A ideia geral é dar uma fatia do bolo a cada lobby, de forma a toda a gente ficar satisfeita. Não é raro que não exista nenhuma guerra entre lobbies. Podem surgir situações de conflito aberto, de tipo “guerra de extermínio”, mas tenderão a ser situações instáveis – o conflito aberto é bad for business.

Por outro lado, existem muitos mais lobbies do que os mencionados por Candal – alguns, representando sectores tradicionalistas, são na verdade poderosos. Também o sector financeiro tem os seus lobbies específicos, como é sabido. Não existe uma hierarquia formal entre os lobbies, muito embora algumas pessoas pertencentes a lobbies com séculos de história olhem com alguma sobranceria para os membros de estruturas mais neófitas. Certo é que existem estruturas nas quais o padrão se repete ao longo do tempo, com elementos de um dado lobby na dependência de elementos de um outro lobby.

Mais do que diabolizar as pessoas que integram os lobbies, devemos notar que são frequentemente pessoas capazes, por vezes são mesmo pessoas com elevada competência no plano profissional. Algumas delas poderão justificar-se alegando que, se não pertencessem a nenhum lobby, não teriam grandes hipóteses (e há alguma verdade neste argumento). Contra esta linha de pensamento, poderá sempre comentar-se que existem pessoas que recusaram convites para aderir a este ou àquele lobby: em muitos casos, aderir a um lobby é uma acção voluntária, faz parte do livre arbítrio de cada um. Existem ainda pessoas que pertencem a mais do que um lobby – quase um paraíso na terra, na respectiva perspectiva.

Outras pessoas poderão existir, contudo, que assumem a sua filiação neste ou naquele lobby como consequência de uma opção filosófica: o povo não seria capaz de escolher adequadamente por si só, tornando-se então necessário fazer uma escolha prévia de quem vai ser apresentado ao povo para escolha – um argumento que já ouvi e que, pela minha parte, reputo de anti-democrático.

Candal poderia ter alguma razão quando alegou que os partidos políticos se encontravam sob influência dos lobbies. Contudo, alguns dos representantes mais destacados dos lobbies não se encontram filiados em nenhum partido político (“cada partido tem os seus independentes”, como notou um ex-governante). Não é necessário e pode constituir publicidade negativa. Pelo contrário, muitas pessoas que são diariamente prejudicadas pela acção conjunta dos lobbies acabam por se filiar num partido político – para uns, é aquilo que está ao seu alcance; para outros, é o limite do que aceitam fazer enquanto limitação da sua liberdade individual.

O grau de desmotivação que atinge os actores da nossa vida pública (ou pretendentes a actores, que nunca chegam a sê-lo) que, por não pertencerem a nenhum lobby, não conseguem passar dos degraus mais baixos da dita vida pública, é intolerável para uma sociedade que quer progredir e sair do fundo das estatísticas, no qual cada vez se vai enterrando mais.

Mas o grande “veneno” que os lobbies instilam num país consiste em levar pessoas a seguir o seu exemplo, seja aderindo a um deles para procurar furtar-se à concorrência com os demais cidadãos, seja copiando a sua maneira de actuar. Esse é, na verdade, o seu triunfo, e a derrota do país.

Impõe-se reformar Portugal, uma vez que o desespero pode ser uma chave para a mudança- e a situação do país é pouco mais do que desesperada.

No que respeita aos lobbies, é exigível transparência – quem quiser pertencer a uma organização e quiser participar na vida pública, incluindo as estruturas do Estado consideradas de uma forma geral, deverá tornar clara a sua filiação – a qual deverá ser considerada um impedimento para participação em júris, proceder a nomeações, assinar contratos, etc., relativamente a outras pessoas com a mesma filiação. De igual forma, um impedimento semelhante deve existir relativamente a pessoas que já tiveram relações íntimas entre si.

O actual estado de corrupção moral que assola o país é por demais evidente. Não serão os lobbies com acção não transparente que farão Portugal erguer-se, uma vez que são, na verdade, um fardo pesado de carregar – constituem círculos fechados dentro de uma sociedade que se quer aberta.

José Pedro Lopes Nunes

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