Mais que um jogo
No clube de futebol local, a equipa de crianças dos 6 aos 9 anos apenas aparenta a idade fora de campo; quando delimitados pelo rectângulo tornam-se mártires voluntários por uma causa que não articulam. Transcendendo o frio, a dor, o cansaço e a sua própria incapacidade para perceberem o jogo, correm com o objectivo único da sublime visão de uma bola a entrar na baliza. Nestas idades é pouco importante a baliza onde o golo ocorre, desde que ocorra. É primário, instintivo, tão bélico como sexual – inerentemente masculino – completamente biológico, completamente individualista. O resultado da equipa é irrelevante: importante é que a criança vença o jogo, bastando para isso um golo mais que qualquer um dos outros, seja em que baliza for, seja de que equipa for. As crianças não querem saber do “bem comum”, não fazem ideia do que isso seja e não é claro o momento em que os adultos de uma dada geração os transformam para assimilarem a dialéctica de comunidade enquanto mantêm o primarismo biológico da individualidade.
O treinador – mister na adoptada nomenclatura anglo-saxónica – torna-se no absolutista de Hobbes, garantido o contrato social através do poder absoluto da punição pela recolha ao banco de suplentes. O resultado expande-se sem que o diferencial da satisfação pelo golo se dilate: golo é golo. No fim vencem todos, mesmo os derrotados, os que marcaram menos ou nenhum golo: venceram o objectivo (goal) de no próximo jogo transcenderem novamente a sinédoque da vida que os espera quando o estatismo os aglutinar.
Vê-se bem que o Victor nunca jogou à bola. Nem mediu passos para ver quem escolhia primeiro um dos jogadores da equipa, para que o outro capitão pudesse escolher o seu primeiro, já sei o outro que seria melhor, até completarem as equipas.
Hum! Tem de escolher melhor exemplo de individualismo, mas não há-de ser fácil.
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“já sem o outro que seria melhor…”
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nem um dos teus alter-egos criticou o inerentemente masculino seu falocrata pouco equalitarius
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🙂 Não posso criticar tudo,senão fico cansado.
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Não percebo as dificuldades com o texto: a existência da equipa é a premissa, sem equipa ninguém estaria interessado em marcar mais golos que o outro.
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Vítor, contei-lhe abaixo que fiz um jogo sozinho, contra um único adversário, no campo todo. Ganhei 5-3. 🙂
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Porventura terá o Fincapé esquecido como era aos 6 anos?
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Se ele ler o Calvin, e o tal Hobbes, não se esquece jamais.
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Era bem a doer, sim, e em equipa. Escolher os melhores era importantíssimo para se ganhar. Como não havia moedas para decidir quem começava a escolher a equipa, havia outro método com os pés. Era assim, sempre em equipa. Individualismo era cada um gostar de ser melhor do que o outro em campo, para ser o primeiro escolhido da próxima vez, ou ser capitão de equipa. Chefe, direi eu, mas de um grupo. Maneiras de ver.
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Mas lembro-me uma vez, já com bem mais de 5 anos, que um amigo me “obrigou” a ir jogar com ele para um campo de futebol. Nesse dia não havia mais ninguém. Por isso, jogámos os dois, um contra o outro, no campo todo. Só valia marcar golos dentro da pequena área. Se bem me lembro, ganhei 5-3 ao fim de mais de uma hora a correr de um lado para o outro. Aí, era o individualismo puro. Mas a força e a garra que ganhámos usámos depois em equipas, relativamente fracas, amadoras, mas com gostos comuns. Todos gostavam de uns copos e umas buchas. Formávamos sempre coletividades.
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Gosto de equipas e colectividades. Todo o tipo de associações. Até gosto de sindicatos. Gosto de bandas e orquestras.
Qualquer um pode sair.
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Como somos parecidos, Vítor. 🙂
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Não percebi nada do texto, é demasiado erudito. Há outra coisa que também não percebo, como é que o um líder arrisca como meta “chegar aos oitavos” quando para isso é preciso apenas ser minimamente competente. Com generais destes (o futebol é apenas um exemplo) nunca chegaremos a lado nenhum.
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Vitor, este texto era para rir, certo? Lembro-me bem que se com seis anos algum de nós marcasse um autogolo a jogar à bola (nem se pode chamar jogar futebol), “bastando para isso um golo mais que qualquer um dos outros, seja em que baliza for, seja de que equipa for”, se algum de nós fizesse isso, no dia seguinte ninguém o queria na equipa, não servia para ganhar. Talvez quando o Vitor tinha seis anos fosse diferente, mas no início deste século (em 2001), ganhar implicava marcar golos na baliza adversária, se se marcasse na nossa própria baliza, o mais provável era levar um pontapé nas canelas.
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Pois, estatismo contra individualismo. Muito bem.
Mas o pseudo-liberalismo de Al Passos Capone Coelho também é estatismo, não esquecer!…
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Well… em miúdo andei numa escola de jogadores, onde era incutido o espírito de equipa, já que o futebol é um jogo colectivo. À parte a técnica individual, como posicionar o corpo para chutar a bola por exemplo, em jogo tem de se procurar um colega a quem passar a bola, ou posicionarmo-nos para a receber do colega que a tem.
Se queria focar o individualismo, talvez fosse melhor exemplificar com o automobilismo, o hipismo e outros desportos chics.
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Aposto que no fim do treino pensava nos golos e não nos passes efectuados e/ou recebidos.
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O golo é a finalidade do jogo e o momento mais emotivo.
É evidente que o colectivo não existe sem o individual.
Ronaldo estará feliz por ter marcado aqueles golos na Suécia, mas não se esquecerá certamente de Moutinho que lhe proporcionou essa alegria.
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Gostei da reflexão, muito adequada à conjuntura e pseudo filosófica.
Continue.
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a ideia das criancinhas puras e selvagens foi explorada até ao tutano. não há forma de sair do cliché.
acrescento apenas que o meu mister dos tempos de infantil gostava muito de exercícios sem balizas e sempre que dávamos chutão para o ar ele apitava, parava o treino e explicava, pacientemente, que no futebol o gesto técnico mais importante é o passe, seguido da recepção, e que uma tabelinha bem feita consegue enganar uma equipa inteira. era, portanto, um gajo que se estava cagando para o golo, para o remate, para a individualidade, mas que queria enganar a equipa adversária inteira apenas com um gesto técnico. que nome se dá a a um gajo destes?
não sei.
qual guardiola, qual carapuça, é o que é!
e nós obedeciamos. a coisa até que resultava. depois a malta cresceu, uns foram aglutinados pelo estatismo, outros meteram-se na ganza, enfim, ainda houve um puto, o bruno, que chegou a ir treinar ao sporting, mas a coisa não resultou! é a vida!
e, já agora, isso de “o primarismo biológico da individualidade” e conversa que de chimpanzé que não consegue partir nozes porque a mãe também não sabia, não é? só pode.
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Bem…
Se a alegria é o golo apenas, sem tudo o resto, então o melhor seria jogar sozinho. Só que isso não dá gozo, não é? Porquê? Porque o verdadeiro gozo é comparar-se com os outros. Só que para os outros aceitarem jogar o mesmo jogo que eu há que fazer cedências, criar regras, pois se só um tivesse gozo ou outros deixariam de jogar e assim lá ia o gozo à vida…
O Vitor partiu de um pressuposto errado, assumiu o jogo da bola como um dado, quando o jogo da bola só existe porque há um acordo colectivo, por mais informal ou anárquico que seja, para que se efectue.
Mas achei piada à tentativa.
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Oh Vitor, deixe-se de coisas. O Cristiano marcou graças a grandes abertura do João Moutinho.
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