bloco de esquerda: uma análise de mercado
O mercado político português é um mercado fechado à concorrência, um regime oligopolista concentrado em quatro grandes prestadores de serviços: PS, PSD, PCP e CDS.
Estes quatro partidos, não por acaso os fundadores do regime e da Constituição política que o rege, definiram, em seu favor, as leis que regem o sistema eleitoral, o mesmo é dizer, o sistema partidário. Criaram regras leoninas que, na prática, impedem a concorrência: limitação de candidaturas independentes, círculos plurinominais com acesso exclusivo a listas partidárias, método de Hondt, financiamentos discriminatórios em razão de resultados eleitorais precedentes, acesso diferenciado aos meios de comunicação social em períodos de campanha eleitoral, limitações rígidas ao financiamento privado dos partidos, etc..
Graças a isto, os quatro partidos fundadores do regime mantêm-se os únicos com poder político real, com acesso aos órgãos de soberania, às empresas públicas, ao poder local, aos canais de informação e de formação de opinião, ao orçamento de estado. Em quarenta anos de democracia, apenas uma força política desafiou, duradouramente, este status quo: o Bloco de Esquerda.
A eclosão do Bloco foi resultado do espírito empresarial de mercado de um grupo de pequenos empresários políticos que conseguiram antecipar as necessidades dos consumidores e aproveitar circunstâncias excepcionalmente benéficas para conseguirem furar o bloqueio oligopolista existente. Esses pequenos empresários andaram, durante muitos anos, a tentar entrar no mercado e vender os seus produtos com as suas pequenas empresas partidárias, sem nenhum sucesso. Resolveram, por conseguinte, juntar os seus pequenos partidos e criar uma empresa maior que, para além de agregar o que cada um deles já possuía, conseguiu um resultado final que ultrapassava a simples soma das partes.
O novo produto oferecido aos consumidores foi cuidadosamente pensado e preparado. Surgiu como um híbrido de radicalismo político e diletantismo académico inofensivo, explorando um conjunto de temas que tinham consumo assegurado e que ninguém à esquerda, desde logo o conservador Partido Comunista Português, tinha interesse em explorar: os direitos das minorias, a descriminalização do aborto, a liberalização do consumo de drogas, a eutanásia, o casamento gay, etc.. Os patrões do Bloco de Esquerda, utilizando o melhor do espírito empresarial, conseguiram antever as necessidades do mercado eleitoral e ofereceram aos consumidores aquilo que eles pretendiam e mais ninguém oferecia. Quando José Sócrates, preocupado com a erosão do PS por causa destes “temas fracturantes” assumidos pelo Bloco, tentou fazer deles bandeiras do seu partido e do seu governo, já era tarde: os eleitores perceberam que o PS ia a reboque do Bloco de Esquerda, o verdadeiro proprietário desses produtos políticos inovadores.
A falência dos governos de Durão Barroso e Santana Lopes abriu condições de mercado excepcionais para a esquerda, e o Bloco, que teve a sorte de estar já em plena actuação empresarial nessa ocasião, aproveitou-as muito bem. Cresceu acima do Partido Comunista nas eleições legislativas e quase formou maioria absoluta com José Sócrates naquelas que se seguiram.
A estrutura directiva do partido seguiu, também, o bom modelo da empresa capitalista: um Conselho de Administração onde se concentravam todos os poderes deliberativos, no qual tinham assento todos os representantes do seu capital social originário (UDP, PSR, etc.), que foi transposta para as listas eleitorais e para o grupo parlamentar, chefiado por um Presidente – Francisco Louçã – que inegavelmente representava a maioria do capital social da empresa.
Uma vez conseguido sucesso empresarial com um produto inovador no mercado, o Bloco entrou na bolsa de valores políticos, abriu o seu capital ao público e, em consequência, começou a contratar quadros intermédios, aos quais, devido ao crescimento inusitado do partido e à falta de dirigentes que preenchessem todas as suas necessidades, deu responsabilidades, protagonismo e poder.
Só que nenhum destes novos dirigentes do partido tinha a percepção do que custara a Louçã, Fazenda, Miguel Portas e Fernando Rosas, entre outros fundadores, terem alcançado o sucesso empresarial que conseguiram. Eram todos muito novos, estavam fascinados consigo mesmos e com o seu imenso “talento” e, por conseguinte, não valorizaram a empresa à qual foram chamados a participar.
Assim, quando a lei da vida se impôs aos fundadores do partido e estes, por uma ou por outra razão, se tiveram de afastar de funções de responsabilidade, os seus putativos sucessores, quais filhos mimados de ricos capitalistas, não foram capazes de valorizar a herança recebida e, gastando-a perdulariamente em projectos megalómanos e em birras e zangas uns com os outros, desfizeram-na alegremente. Os dois cabeças-de-casal que ficaram a administrar o espólio já não acreditam na sua sobrevivência. Alguns dos herdeiros mais conhecidos passeiam-se por aí com os seus novos carros, a velocidade tresloucada, convencidos que continuarão a ter dinheiro para sustentarem infinitamente os seus luxos. Todos dizem mal uns dos outros e ninguém respeita a memória dos seus antepassados. O PC e o PS assistem, alegremente, ao espectáculo.
A aventura empresarial do Bloco de Esquerda, verdadeiro hino ao espírito empreendedor do capitalismo de livre-mercado, terminará, assim, como muitos dos poucos grupos empresariais portugueses: sem resistir à segunda geração. Paz à sua alma!
Certeiro e hilariante. Gostaria de ter escrito isto.
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Interessante.
Pena que comece com um esquecimento que aliás começa a ser recorrente, vá lá saber-se porquê.
Estou a falar do PRD, o do Honesto Eanes.
Hello, ring a bell?
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“apenas uma força política desafiou, duradouramente”
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Pois, é tudo uma questão esotérica.
Um durou enquanto pode enganar os votantes e o outro ainda dura porque os votantes ainda estão enganados.
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Muito agradável de ler.
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Brilhante!
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captado no DN on-line, autoria de comentador identificado como A raiz da partidocracia:
1ª Parte
-1) Desde a instauração da “democracia”, a qualidade dos partidos em Portugal tem caído constantemente, estando hoje ao nível do lixo. Os portugueses não têm controlo sobre os seus políticos. A “casa da democracia” é na realidade a casa da partidocracia. O chamado “julgamento nas urnas” é um logro, pois os candidatos das listas perdedoras têm garantia prévia de que se mantêm no parlamento, duma maneira que não tem relação com a vontade dos eleitores. Na verdade, os eleitores nem sequer têm oportunidade de se pronunciar sobre os candidatos. Podem ser agentes secretos, maçons ou outra coisa qualquer, não interessa: a ida para o parlamento não depende do seu voto. A causa profunda do problema é a ausência do voto nominal no sistema eleitoral.
2) Os portugueses têm menos direitos democráticos que os outros europeus. As chefias partidárias fazem listas cuja ordem é essencial, mas é imposta. As listas não figuram no boletim de voto e é impossível votar num membro da lista sem os anteriores terem sido já “eleitos”. Surgem os “lugares elegíveis”, que dão aos candidatos dos maiores partidos a GARANTIA de que vão ser deputados, independentemente dos votos. Em cada eleição, o cenário é sempre o mesmo: semanas antes de ser deitado o primeiro voto, parte do elenco parlamentar já está decidido. Como não existe uma relação entre o voto e a atribuição dum lugar de deputado, os deputados NÃO representam os eleitores. Seguramente representam alguém, mas não é quem vota.
3) As consequências deste sistema são muitas e graves
(A) Os barões dos principais partidos vivem na impunidade. Sabem que não podem ser desalojados do parlamento pela via dos votos. Mesmo com baixas intenções de voto, têm muitos “lugares elegíveis” para onde se refugiar. Isto influencia o seu comportamento de maneira decisiva.
(B) Corrupção: os lóbis contornam o eleitorado e agem diretamente sobre os oligarcas do parlamento para fazer valer os seus interesses. Na prática, são os lóbis que têm representação no parlamento, não os eleitores.
(C) Cria-se um “fosso” entre cidadãos e políticos e um (forte e crescente) sentimento de desprezo e ressentimento dos cidadãos para com os políticos portugueses.
(D) A ausência de voto nominal bloqueia a renovação interna dos partidos. 4) 4)
4) “Renovação” é uns serem substituídos por outros. É o papel do eleitorado dizer quem vai e quem fica. A maneira natural e democrática de conduzir a renovação é os novos políticos que têm mais votos ascenderem gradualmente às chefias dos partidos. Porém, como o sistema eleitoral impede os eleitores de expressar preferências dentro duma lista, o sistema está na realidade a impedir o eleitorado de exercer o seu papel na renovação partidária. Atualmente, as chefias partidárias eternizam-se e só os que têm o seu beneplácito sobem nas estruturas partidárias.
Captado no DN:
2ª Parte
5) Não é por acaso que os políticos nunca falam do sistema eleitoral. Livres do escrutínio democrático, os partidos foram todos tomados por oligarquias que detém o monopólio do poder político. Com o passar das décadas, essas oligarquias partidárias capturaram não só o sistema político como o próprio regime e as instituições do Estado. A maioria dos problemas de demagogia, corrupção e desgoverno vêm daí, direta ou indiretamente . A imunidade da classe política permite também explicar porque razão a denúncia de situações ou atos escandalosos é geralmente recebida pelos seus causadores com indiferença. Desde que mantenham uma boa posição no partido, o pior que lhes pode acontecer é passarem os anos seguintes no parlamento.
6) Se analisarmos como as votações funcionam, percebemos que é injusta a ideia de que os políticos são maus porque os eleitores são maus, ou maus a escolher. Os eleitores até são bastante exigentes: o problema é que não dispõe dos meios para impor os seus padrões de exigência na seleção dos políticos. A maioria das opções democráticas são-lhes negadas pelo sistema eleitoral. Não podem dar força eleitoral a quem o merece, o voto branco não é tido em conta na atribuição dos lugares de deputado, não têm o direito de iniciativa legislativa, os referendos estão limitados nas matérias sobre que podem incidir, o parlamento pode bloquear uma iniciativa referendária, os ministros não têm de ser deputados, etc , etc .
7) Não é possível desbloquear a partidocracia portuguesa sem mudar o sistema eleitoral. Felizmente há uma maneira simples e que não altera o equilíbrio entre os partidos e sem círculos uninominais. É manter o atual sistema, mas dando aos eleitores a possibilidade de ordenar as listas através dum voto preferencial. As listas são incluídas no boletim de voto e os eleitores votam num candidato duma lista. Esse voto conta também como um voto na lista, de modo que o método de D’Hondt continua a poder ser usado exatamente como agora. O que muda é ordem de atribuição dos lugares de deputado, que passa a ser em função de quem recebeu mais votos. Nenhum candidato tem garantia prévia de ser eleito: passa a haver escrutínio.
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2) Os portugueses têm menos direitos democráticos que os outros europeus.
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Nem tanto assim.Ha europeus que tem menos direitos que os outros europeus.
Para pressente curso 13/14 averiguar quais eles sao e porque isso ocorre assim…
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“O PC e o PS assistem, alegremente, ao espectáculo.” Esta deve ser uma das partes mais importantes do texto. É que estou para ver os lugares que ambos os partidos vão recuperar na assembleia com a saída do Bloco (e até que ponto haver apenas o PCP à esquerda do PS irá provocar uma radicalização do discurso ainda maior, para conquistar votos vindos do BE).
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Há outro problema. O BE apostou num produto cujo mercado está em plena recessão e já próximo do fim de validade, a União Europeia.
Agora com a União Europeia, cada vez mais invendável em armazém no BE fica um pouco num beco sem saída.
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Essa tropa fandanga beneficiou, e de que maneira!, da “injecção de capital estrangeiro” e das campanhas publicitárias, a nível “ocidental” , tendentes a promover a fancaria exibida…
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Tal como a 2.ª geração dos empresários nacionais, salvo raras e honradas excepções, a 2.ª geração do BE, é constituída por meninos mimados, cuja única experiência de vida é o facebook e as noitadas no Bairro Alto. Vivem à custa e herdaram os princípios dos Papás, primeira geração de indigentes de Abril.
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Maninos? chamar menino ao João Semedo deve ser azia
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Para mim, o Louçã, quando abandonou a presidência do Bloco, cometeu um erro grande, que foi deixar o partido com duas cabeças. Pelo que se disse, foi ele quem engendrou esta bizarra solução, durante um fim-de-semana que passou em Paris, aí obtendo o acordo do Semedo, que hoje deve estar muito arrependido.
Eles deviam saber que, duas cabeças a superintenderem numa instituição, nunca dá bom resultado. Pode ser giro, pode alguém considerar moderno, em sendo um homem e uma mulher, podem alguns entenderem que essa é uma forma de mostrar respeito pela luta da igualdade de género, mas não é uma boa solução para a instituição assim governada. Duas cabeças apenas é de aceitar na família, e mesmo aí, mesmo entre pais bem formados e que perseguem com empenho objectivos comuns, como seja o bem-estar e a busca de um futuro risonho para os filhos, toda a gente sabe que são frequentes os problemas entre os cônjuges. Quem não sabe que os filhos, percebendo que o pai não é igual à mãe e que, com frequência, pensam de forma diferente, exploram a seu favor e com êxito, essas diferenças, pedindo coisas a um, coisas que sabem que o outro nunca lhes daria.
Erro grave, portanto, que também ajuda a puxar para trás o eventual desenvolvimento do Partido, assim fragilizado, com a cabeça partida em duas partes, uma autêntica aberração.
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Felizmente essa teoria da liderança bicéfala (com a qual eu concordo) não funcionar também para a coligação no atual governo português, nesse caso transforma-se numa liderança acéfala.
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Bem visto.
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Oh querido o Louçã trocou a chatice do BE pelos honorários da SIC por fazer lá uns comentariozitos e uns gráficos. e assim evitou chatices com a família por causa do primo Gaspar. O resto são tretas. O rictus satânico dele ao sorrir e torcer os lábios não engana ninguém, só os parolos.
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Não é por nada mas o P. Portas tem o mesmo *esgar*
(apenas falta de dentes . . .)
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Eu acho que até a maioria dos bloquistas gostará desta “análise de mercado”. Agora, vendidos quase todos os novos produtos, sem grandes chefes de vendas dos produtos tradicionais, sem suficientes lojas abertas e, ainda por cima, apregoando ou insinuando o seu “liberalismo”, com laivos de “social-democracia” anunciada entre dois pigarros, é de supor que se deixarão açambarcar pelos “hipermercados” da política. Sendo que estes presentemente também já vendem em quantidades significativas os produtos inovadores de que o BE fez o papel de prospetor e às vezes também de idiota útil.
A liderança a dois pescoços tem as suas vantagens. Quando forem entregar a chave ao senhorio, ninguém sabe bem a quem apontar o dedo.
Entretanto o Rui Tavares terá cerca de quatro meses para justificar porque é que nem sequer consegui obter os 10 mil votos correspondentes ao número de proponentes do partido. E o DO tem o mesmo tempo para arranjar justificações suficientes para demonstrar que Louçã é o culpado de tudo, menos dos dezasseis deputados e cerca de 10% que conseguiu em 2009.
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Diz que é uma espécie de DESbloqueio de Esquerda.
À força de se virarem contra tudo. viraram-se uns contra os outros.
Coerência é coerência.
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Vocês no Blasfémias andam muito empreendedores. São acrescentos à Loja Hayek, que nunca mais acabam. Sinais da Crise ?
A escrita já não dá ?
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