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objectivos, vendedores e carisma

15 Fevereiro, 2016
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No sentido mais nobre da palavra «empresa», um partido é uma empresa que disputa, em regime de concorrência no mercado, as preferências e escolhas dos consumidores de produtos políticos. Essas escolhas, por sua vez, exercem-se em momentos temporalmente distintos e de importância relativa diferente, que vão da simples manifestação de simpatia numa sondagem, a filiação e a participação activa na vida do partido, até ao voto, que é, nos dias que correm, a escolha mais importante que pode fazer-se neste mercado. Os serviços que estas empresas fornecem aos consumidores consistem, essencialmente, no exercício do poder político do estado, nos seus órgãos de poder central, local e empresarial, para o que se oferecem a partir de propostas contratuais com convicções, compromissos, promessas e objectivos diferenciados. A venda destas propostas é feita, como em qualquer empresa, por vendedores especializados, liderados por um presidente, sendo a comunicação social, sobretudo a televisão, e o contacto pessoal directo os meios mais eficazes para angariar clientes. Os partidos que conseguem a adesão de muitos consumidores são bem-sucedidos e adquirem uma quota de mercado que lhes poderá facultar a direcção do estado, isto é, o cumprimento integral dos objectivos da empresa, enquanto que os que não conseguem uma adesão significativa ficarão na orla do sistema, podendo mesmo desaparecer.

Isto significa que um partido político, se não quiser ser uma brincadeira inútil, uma pura perda de tempo e um desperdício de recursos, tem de ter votos, com o que alcançará uma quota significativa do mercado. Para isso, carece de causas e objectivos, de bons vendedores e, obviamente, de um presidente do conselho de administração que seja carismático e atraia as preferências dos consumidores.

Começando pelas causas, pergunto: que causas comuns unem os liberais portugueses, ao ponto de sobre elas se conseguirem entender para apresentarem um produto vendável no mercado? Os liberais portugueses são anarco-capitalistas (isto é, propõem a extinção do estado), minarquistas (defendem um estado mínimo) ou liberais-sociais (querem mesmo o estado presente em muitas áreas)? Que programa comum teriam sobre a educação, a justiça, a União Europeia, o Euro, o Tratado Schengen, a dívida pública e o aumento dos impostos para a tesouraria do estado pagar aos credores? Propor-se-iam ao mercado como representantes de ideias e causas de autores estrangeiros (como lembra, há muitos anos, o Pedro Arroja, a Escola Austríaca é… austríaca), ou seriam capazes de enxertar os seus liberalismos na tradição cultural portuguesa? Prefeririam Hayek e Mises ou Herculano e Pessoa? Entre si mesmos, optariam por Hayek, Mises, Rothbard, Hoppe ou Friedman (sim, ainda há uns meses, em conversa com um amigo com responsabilidades nos círculos liberais portugueses, este me dizia que Milton Friedman era o seu autor liberal de eleição, o que certamente chocará rothbardianos)?

Avançando para os promotores e vendedores, onde se encontram eles? Mais importante: onde está o presidente do conselho de administração, sabendo-se que o mercado político determina as suas escolhas maioritariamente pela relação de confiança que se estabelece entre os consumidores e o presidente do partido, que eles querem que seja o dirigente do governo que cuidará das suas vidas? Lembro que um chefe partidário carece de carisma, isto é, de qualidades pessoais com as quais procurará convencer os consumidores a comprarem-lhe a ele, e não a outro, o seu produto, e que nenhuma destas figuras se faz de um dia para o outro, demorando anos e anos a ser preparada e testada, sendo que, frequentemente, falha no momento em que assume responsabilidades.

No estado actual das micro-empresas liberais portuguesas, eu diria que os (poucos) liberais que por cá temos e se querem dedicar à vida partidária, em vez de pensarem em lançar uma empresa para a qual não dispõem de suficientes meios financeiros e humanos, se deveriam, antes, dedicar ao CDS e ao PSD. Por onde, aliás, quase todos andam.

8 comentários leave one →
  1. ali kath permalink
    16 Fevereiro, 2016 00:01

    usam o marketing
    ‘a arte de vender merda com sabor a merda’.
    o monhé e o sem teno são invendáveis

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  2. JgMenos permalink
    16 Fevereiro, 2016 00:29

    Comecem por exigir que as leis do comércio sejam eficientes e que a responsabilização de gestores abra caminho a uma cultura de responsabilização de políticos.
    Não há liberalismo sem boas leis.
    A baldas actuais são mantidas por inimigos da livre-empresa!

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  3. 16 Fevereiro, 2016 00:31

    Rui A.,

    Agora sem ironia: obviamente não me oponho à constituição e à existência dum partido liberal. Depois se verá o que diz, propõe, faz.
    Mas não antevejo nas duas próximas décadas oportunidades para singrar na sociedade tuga, “agarrada” à direita do P”S” pelos partidos que Vc. recomenda para os liberais se dedicarem e votarem.
    Também é imprevisível o futuro próximo e a médio prazo no país e no estrangeiro, quiçá propiciador do advento dum agregador líder liberal, mas para isso já devia estar activo. E não há. E se há não quer surgir.

    Bom e elucidativo post

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  4. manuel branco permalink
    16 Fevereiro, 2016 00:36

    lá que são poucos não duvido e duvido mais da bondade democrática dos que de tal se proclamam. no geral, liberalismo significa liberalismo económico, misturado com muito beatério, uma contradição histórica, e desconfio que muita vontade de um poder político autoritário.

    já quanto aos dois partidos há que traduzir o palavrório. no caso do psd, liberal significa ser conservador de direita bem à direita, social-democrata significa ser democrata-cristão. por alguma razão marques mendes acha, ou diz que acha, que a social-democracia pode chegar ao centro-esquerda. lá fora isto seria uma novidade, mas como dizia Eurico de melo, um homem do melhor pedigree centro-esquerda, um compagnon de route do socialismo democrático, é social-democracia à portuguesa.

    quanto ao cds, bom, se liberal é, é-o nos moldes e nos apetites da nossa carlota Joaquina.

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  5. Joaquim Amado Lopes permalink
    16 Fevereiro, 2016 10:57

    Rui A.,
    “No estado actual das micro-empresas liberais portuguesas, eu diria que os (poucos) liberais que por cá temos e se querem dedicar à vida partidária, em vez de pensarem em lançar uma empresa para a qual não dispõem de suficientes meios financeiros e humanos, se deveriam, antes, dedicar ao CDS e ao PSD. Por onde, aliás, quase todos andam.”

    O CDS vai eleger uma líder que, no Governo, foi mais socialista do que muitos socialistas. E o PSD é liderado por um social-democrata que admite explicitamente que só foi pela “austeridade” (leia-se “rigor nas contas públicas”) porque a isso foi obrigado e a mais destacada “alternativa” à sua liderança defendeu recentemente que o PSD deve virar mais à esquerda (mais estatista e mais gastador).

    Na “visão” que o Rui A. apresenta do que são as empresas só há lugar para as líderes de mercado (monopólios?). Mas nem todas as empresas aspiram a serem líderes incontestados de mercado nem é essa a única forma de justificarem a sua existência.
    O objectivo último de um partido liberal será o de liderar/facilitar a transição para uma sociedade liberal. Essa transição levará muito tempo e começa com um pequeno passo, o de o partido existir e propôr essa transição. Se o passo seguinte será dado depende dos eleitores e enquanto estes não puderem responder à pergunta ninguém sabe a resposta.

    Se os (poucos?) anarco-capitalistas, minarquistas e liberais-sociais que existem estão disponíveis para se entenderem com sociais-democratas, por que razão não deverão estar disponíveis para se entenderem uns com os outros? Afinal, o que os aproxima uns dos outros não é muito mais do que o que os aproxima dos sociais-democratas?
    E, sendo a transição para uma sociedade liberal (seja ela anarco-capitalista, minarquista ou liberal-social) um processo muito longo, de certeza que não existirão diferenças relevantes relativamente aos primeiros passos possíveis.
    Levará décadas até se atingir um ponto em que as diferenças entre as várias visões de liberalismo se tornem sensíveis. E, nessa altura, de certeza que o compromisso será muito mais fácil do que com os sociais-democratas (muitos deles nada mais do que socialistas envergonhados).

    Um partido liberal não servirá “os seus clientes” apenas se fôr Governo. Também os servirá se tiver uma voz activa na sociedade portuguesa, explicando como o socialismo envergonhado só tem causado desastres e propondo alternativas. Com isso poderá vir a influenciar políticas sectoriais, eventualmente até chegar a fazer parte de uma solução governativa.
    Se um partido liberal tivesse ido a votos e conseguisse “roubar” votos ao “voto de protesto” e à abstenção de modo a receber 300-350 mil votos, PSD+CDS+Liberais poderiam ter tido a maioria absoluta nas eleições de Outubro.

    Ninguém pode exigir que os liberais que querem fazer política activa criem um partido liberal. Mas não se “desculpem” com o facto de não receberem votos suficientes para poderem fazer a diferença porque enquanto não forem a votos não podem receber nenhum.
    Dizer que não se dá o primeiro passo porque esse passo não o coloca na meta é desculpa que não pega. Ao menos assuma-se que não se quer competir, apenas ir à boleia de outros.

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  6. 16 Fevereiro, 2016 11:53

    Sim, mas há uma marcante diferença.

    O Estado Empresa tem o poder de OBRIGAR a ser acionista todo o cidadão / consumidor, mesmo que expressamente nem goste do produto. O caso das oposições e mesmo da abstenção, que pelos visto é maior que que quem gosta. Uma Administração votada por 25% dos acionistas manda, mas….

    Acresce que, no caso português, as Administrações do Estado Empresa são do tipo banqueiro português: o dinheirinho se está cá, mesmo com a força da minha Autoridade Tributária, é meu. E ainda vou-me fazer uns empréstimos 🙂 .
    O pessoal (aaii paga) paga, quer queiram quer não, quer ainda nem sequer tenham nascido.

    Será que os maravilhosos Estatutos de esta Empresa Estado, a Constituição, não poderiam ter lá, claramente frizado, o óbvio em qualquer Empresa ?.
    E o Tribunal Administrativo ( Constitucional ) faria cumprir: a Administração não pode endividar contratualmente a Empresa Estado para além do seu mandato, sem uma Assembleia Geral de acionistas autorizar, vulgo, referendo?.
    Lindo, peculiar, o Estatuto de esta Empresa Estado. E sabemos quem foram os autores. E quem até gosta de estes estatutos.

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  7. 16 Fevereiro, 2016 15:15

    “se deveriam, antes, dedicar ao CDS e ao PSD. Por onde, aliás, quase todos andam”.

    Penso que pode extender o conselho ao PS (fação social-democrata, talvez mais numerosa do que a do PSD) para incluir os que designa por liberais-sociais. Uma identificação do liberalismo com os partidos conservadores não me parece correta.

    Na minha filosofia, de que o que interessa é promover o liberalismo constitucional, partilho do seu conselho.

    Porém, não partilho da ideia que os partidos precisam de líderes carismáticos (vidé caso de Cavaco Silva) e de que precisam de ser grandes logo à nascença, pelo contrário. Por isso, um partido liberal que apareça será bem vindo e pode alargar a discussão sem ser tão propício ao liberalismo de conveniência dos partidos que temos.

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  8. Euro2cent permalink
    16 Fevereiro, 2016 20:44

    Os liberais portugueses começaram a carreira com uma invasão estrangeira para derrubar o Rei que o povo português defendia.

    Depois chamaram Invicta à cidade que os invasores tomaram primeiro, e prantaram com uma estátua do imperador brasileiro no Rossio de Lisboa, com etiqueta de libertador.

    Querem pagar ao povo – em vez de dinheiro – em liberdade de ficar a dever na mercearia do Sr. Azevedo ou na do Sr. Santos.

    Depois admiram-se de o povo desconfiar do produto que trazem. Com o historial de honestidade e veracidade que têem, é de facto um mistério.

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