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Temos que viver com a Constituição que temos

18 Abril, 2013
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A Democracia não existe em Portugal há muito tempo – será bom começar por recordar esta realidade. Para um democrata, importa defender o regime democrático, ou mais exactamente, democrático constitucional. O voto universal consubstancia o método democrático, mas o regime depende da existência de um consenso mais alargado do que as normas ditadas por uma dada maioria parlamentar existente num qualquer momento – consenso esse positivado através da Constituição.

A elevada taxa de abstencionismo, aliada ao método de Hondt, levam a que uma maioria parlamentar possa ser constituída através do voto expresso correspondente a uma parcela relativamente pequena do eleitorado. A inexistência de uma Constituição poderia portanto associar-se, nem sequer a uma “ditadura da maioria”, mas antes a regras ditadas, na verdade, por menos do que uma maioria.

Conclui-se do atrás exposto que a defesa da Democracia implica a defesa da existência de uma Constituição – entendida esta, não como um texto perfeito, mas antes como um texto com eventuais defeitos, mas cuja existência se revela como fundamental para a sobrevivência da própria Democracia. Mesmo para aqueles que defendem a liberdade como valor superior, e que entendem que a Democracia não é um regime perfeito, mas antes que é aquele que permite que os cidadãos disponham de um maior grau de liberdade – mesmo esses devem defender a existência de uma Constituição.

A Democracia constitucional tem regras – uma das quais consistindo na existência de uma instância de verificação da constitucionalidade das leis – no caso português, o Tribunal Constitucional. Tal como no que se refere à própria Constituição, também qualquer decisão do Tribunal Constitucional será passível de apreciação pelos cidadãos. Revela-se fundamental, contudo, que a sua essência, a capacidade de verificar a compatibilidade com a Constituição de uma dada norma, se mantenha intocada. Qualquer enfraquecimento do Tribunal Constitucional seria, por si só, negativo.

Temos que viver com a Constituição que temos – muito embora cada um de nós possa identificar partes do texto que gostaria de modificar. Esta é a verdade fundamental – Portugal tem que viver, de momento, com a Constituição que tem. Qualquer alteração ao texto constitucional deverá ocorrer, de resto, em função das regras contidas no próprio texto.

A crise económica e financeira em que vivemos implicará a existência de mudanças muito significativas no nosso país. Contudo, tais mudanças terão, obrigatoriamente, que ser feitas ao abrigo da Constituição, e nunca contra ela. Não é verdade que não existam alternativas a uma qualquer política – há sempre alternativas, muito embora possam ser mais trabalhosas e menos agradáveis de implementar.

As condições excepcionais que presentemente existem levam a que o recurso ao Tribunal Constitucional deva ser efectuado, não à revelia do poder executivo, mas antes em consonância com este, utilizando os mecanismos legalmente previstos para o efeito (incluindo iniciativas do grupo parlamentar de apoio). Em suma, deve ser o próprio poder executivo a manifestar interesse na avaliação da constitucionalidade de toda e qualquer medida legislativa que possa ser vista como controversa, designadamente no que respeita aos seus alicerces políticos.

A situação de Portugal é suficientemente complexa e grave para se dever evitar que quem quer que seja entenda estimular conflitos institucionais estéreis e potencialmente gravosos para o país, desde logo na medida em que possa daí resultar um atraso na concretização das acções úteis.

Salvo melhor opinião, o aumento dramático no peso do Estado, que se verificou nas últimas décadas, não é imposto pela Constituição, uma vez que esta já se encontrava em vigor quando o peso do Estado era bem menor do que se verifica presentemente. Sendo assim, será fundamental reduzir esse mesmo peso, não à revelia da ordem constitucional, mas antes em permanente e voluntária articulação com a instância de verificação da constitucionalidade legalmente estabelecida e cuja autoridade terá, forçosamente, que ser respeitada e, até, acalentada.

O estudo atento das decisões do Tribunal Constitucional poderá servir de guia para acções futuras – desde logo, pela aplicação mais generalizada do princípio da igualdade, no que respeita às comparações entre sector estatal e sector privado- acções essa eventualmente tendentes à redução do peso do Estado, tal como acima defendido.

O momento não é nem para fraqueza nem para quezílias estéreis, antes exige inteligência, determinação e flexibilidade, com o cumprimento integral das normas democráticas e respeito por todos os actores cuja palavra não deve ser vista como incómoda, mas antes como contributo fundamental para que o caminho em curso termine, não num mar de escombros, mas antes na salvação do actual grau de civilização e civilidade no nosso país.

Porto, Abril de 2013

José Pedro Lopes Nunes

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