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Volta ao lugar onde foste feliz

11 Julho, 2022

Ontem assisti a mais um concerto do Rui Veloso. É sempre extraordinário, mesmo quando as condições técnicas não são as ideais — o homem passou todo o Porto Covo a afinar a Duesenberg Mike Campbell que quase nem foi usada (mesmo assumindo que estava bem afinada e ele decidiu baixar o tom para mi bemol, seria de esperar haver um briefing com o staff para prevenir estas coisas). E é extraordinário por dois motivos: começando pelo segundo motivo, é a banda. Poderia sublinhar qualquer um, da fabulosa subtileza eficaz da bateria ao piano do Rúben Alves, passando por todos os outros em palco, mas tenho que destacar um: Alexandre Manaia, com a sua t-shirt “Mingos e os Samurais”, nunca fazendo esquecer através das suas PRS e Guild que em 1990 “the grass was greener” e “the light was brighter”. Quem não quereria na sua banda um tipo que sabe complementar sem assassinar, que brilha precisamente por não tentar brilhar? O que me leva ao primeiro motivo: as canções.

É uma piroseira, em Portugal, dizer bem de alguma coisa. A gente quer é dizer mal de tudo, do que efectivamente está mal, mas sobretudo daquilo que nós, à parolo, temos a percepção de que “não está mal mas eu faria melhor, só teria que aprender a escrever, a compor e a tocar um instrumento”. As canções são imortais e, por muito que formalmente pertençam à dupla Carlos Tê/Rui Veloso, na realidade são de todos nós, os quase velhotes que as sabemos de cor e salteado e que, nem que quiséssemos – mas não queremos – conseguiríamos retirar da banda sonora da nossa juventude, de uma era em que tudo eram promessas, optimismo, a certeza de que para a frente tudo seria melhor. Dezassete anos separam-me do Rui Veloso, mas não consigo imaginar conhecer o homem e não o tratar por tu. É que uma parte dele, não a do homem mas a do músico faz parte do meu cérebro. Em parte é como se vivesse também ali, num cantinho de onde nunca saíra. Ao lado dele estão as letras do Carlos Tê: eu sou o gajo que ainda vibra e há-de vibrar com rimas como as de Mandrakes com almanaques. Podia referir coisas consideradas maiores, como algo de “a gente não lê” ou “regras da sensatez”, mas serão sempre as coisas pequeninas, os detalhes, que se fixarão no meu cérebro confuso de teenager de meia-idade ou de velho precoce e impertinente.

Perdemos a capacidade de nos fascinarmos. Como tal, perdemos a capacidade de reconhecer as maravilhas que nos rodeiam e as que já estão embrenhadas na nossa psique. Talvez porque passamos demasiado tempo a mostrar aos outros nas redes sociais que nos divertimos em vez de nos divertirmos, ou talvez porque o país é só promessas e zero concretização, uma morrinha desinteressante em que a cultura é um mero acessório do poder político para a promoção de uns chatos sem nada a dizer. Pelo menos, sem nada a dizer sobre mim e sobre os que me rodeiam.

Enfim, a haver uma tragédia nacional é a de Carlos Tê não estar virado para novos discos. Pelo que li numa entrevista, já não acredita no poder de relevância da “música ligeira”. Está errado. Daqui para a frente não parece haver nada que nos salve que não a música. E ninguém documentaria melhor os tempos que ficarão perdidos no registo histórico como o de um buraco negro de Teslas, Facebooks e gadgets do que a dupla Tê/Veloso. E pronto, dificilmente deixaria a minha portugalidade evidente sem uma crítica: é essa, a de que ainda teriam muito a dizer. Vejam lá se conseguem resolver essas diferenças que há aqui gente do outro lado à espera enquanto na rádio passa aquela “música” computadorizada sem qualquer resquício de alma.

6 comentários leave one →
  1. mariamelotelles permalink
    11 Julho, 2022 11:29

    Rui Veloso sem as letras de Carlos Tê não vale nada.
    Eu até ouvia com muito gosto as canções antigas, como o Porto Sentido, Porto Côvo, Chico Fininho, O anel de Rubi, A Rapariguinha do Shopping, Beirã, etc., mas desde que assisti a um espectáculo de Réveillon, no Casino do Estoril, com Rui Veloso, e testemunhei o seu comportamento desdenhoso, sobranceiro e mal educado perante a audiência, fiquei completamente desiludida. É lamentável!
    Os artistas sem o público não são ninguém. Devem ter uma atitude educada em relação a quem os ouve.

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  2. Euro2cent permalink
    11 Julho, 2022 13:53

    Carlos Tê não estar virado para novos discos.

    Um homem sensato, se calhar concorda com aquela parte do Eclesiastes que diz que tudo tem o seu tempo.

    Esteve o seu tempo na brecha, melhor do que 99.99% de nós, e agora já não é com ele, outros que se cheguem à frente com outras coisas.

    A sentença máxima cá na terra não são 25 anos?

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  3. Atento permalink
    11 Julho, 2022 19:32

    O Rui Veloso é uma seca. Apesar das letras, as canções são pífias. O tipo é acomodado, timorato, chocho, choninhas. E o Porto é trampa.

    Ainda se fosse os GNR: também são do Porto, também têm muita trampa, mas sempre se aproveita muita coisa – Vídeo Maria, Efectivamente, Sangue Oculto, Bellevue, etc. Eles sim, marcaram parte da geração de 80/90.

    Ou os Mão Morta, a melhor banda portuguesa, que tem o bom gosto de ser de Braga e não do Porto. Mas o Rui Veloso? Francamente, Cunha.

    Não é tanto a crítica fácil do tuga que diz mal de tudo: é que Veloso já há 30 anos era uma seca. E um merdas, pelo que diz acima a Maria Telles.

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  4. 11 Julho, 2022 23:30

    Rui Veloso parece-me mais um Tony Carreira para betos .

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  5. 12 Julho, 2022 18:12

    “Perdemos a capacidade de nos fascinarmos.”
    No fundo, é só isto!

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