Contemplações de Verão
Colégios. Aqueles estabelecimentos de ensino que, em Portugal, oscilam entre ensinar os princípios básicos da bulimia para um futuro suicídio limpo e o mérito de efectivamente saírem alunos do ensino básico a saber ler (mas não interpretar) o livro de instruções do Tesla.
Nesta época do ano, uns orgulham-se de continuar a achar que compram instrução para os filhos enquanto outros lamentam que o dinheiro que o estado come em impostos aos primeiros não permita a contratação de gente que realmente sabe ler para os estabelecimentos de candeeiros Siza e restos de mármores da pedreira de um conhecido qualquer do Medina da altura.
É a escolha entre o analfabetismo de um tipo para o analfabetismo de outro. Um sai muito mais caro (o do estado), o outro muito mais barato, ainda que assim não pareça olhando para as mensalidades. No fim, vão todos alegremente para engenharia aeroespacial ou para o raio que os parta, mas de carrinho eléctrico, que é por causa do ambiente. Correndo como se espera, a maioria não sobreviverá a viver com o seu próprio brilhantismo e nós poderemos esperar uma reforma tranquila a seco, certos que teremos muitos funerais para frequentar enquanto não batemos nós as botas.
Sim, tenho uma certa saudade dos tempos em que os problemas dos jovens eram menores, como quando só alguns morriam por consumo de heroína. Sem romantizar muito, sim, havia o flagelo das drogas, mas certamente que também havia coisas más.
Pois é, Cunha, pois é.
Entretanto, eis a discussão que não se faz nem se pode fazer, porque sai fora da actual Overton window: como pode a educação, uma função essencial do Estado – não do governo; do Estado – ser privada?
Como pode algo tão importante, tão essencial à civilização e ao futuro depender de interesses comerciais, de lucros e accionistas, da magia do ‘mercado’? Como pode a educação ser comprada e vendida como um produto?
Isto é, claro, duplamente verdade para a saúde. Mas fiquemo-nos pela educação: como se pode esperar um futuro melhor e mais justo, se educamos as pessoas a verem como normal uma sociedade explorada por mamões?
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“como pode a educação, uma função essencial do Estado – não do governo; do Estado – ser privada?
Como pode algo tão importante, tão essencial à civilização e ao futuro depender de interesses comerciais, de lucros e accionistas, da magia do ‘mercado’? ”
Se o Atento não está recordado, eu relembro: um relatório do tribunal de contas provou, preto no branco, que o custo por aluno numa escola privada com contrato de associação era inferior para o Estado que numa escola pública.
Os resultados eram tão bons, ou melhores que a média. Os alunos gostavam de lá andar, os pais estavam satisfeitos, toda a gente estava contente menos os sindicatos dos professores, e a extrema esquerda. E por isso esses contratos acabaram.
Veja que essas escolas privadas, que por serem privadas tem que ter lucro, ou fecham, conseguiam ter lucro por menos dinheiro que o que o Estado gasta no público.
Como está bom de ver, a educação pode ser função essencial do Estado, mas não tem que ser feita em escolas propriedade do Estado.
O Estado só tem que estabelecer os critérios (com, sei lá, exames finais), e pagar um valor por aluno. Os pais do aluno decidem a escola para que o aluno vai, e o Estado transfere o valor para a escola.
Se os alunos aprenderem, e o Estado poupar dinheiro, todos ganham, certo?
Sabe quem é que não vai gostar? Os sindicatos da administração pública, porque os burrocratas (grafia intencional) da 5 de Outubro vão para o olho da rua, e os sindicatos dos professores, porque quem trabalha para patrão privado não costuma ir a bola com sindicatos comunas.
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“Como pode algo tão importante, tão essencial à civilização e ao futuro depender de interesses comerciais, de lucros e accionistas, da magia do ‘mercado’?”
Mais importante que a educação é a comida.
Passa-se mais fome em sistemas em que o Estado controla a produção e distribuição de alimentos, ou em sistemas em que o mercado controla?
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…um relatório do tribunal de contas provou, preto no branco, que o custo por aluno numa escola privada … era inferior para o Estado que numa escola pública.
Tal como na saúde, Zé, os privados escolhem o melhor e deixam ao Estado os clientes – sejam estudantes ou pacientes, são meros clientes – menos fáceis ou lucrativos.
O Estado tem de atender todos, sobretudo os piores. O privado atende quem quer.
Ainda assim, é verdade que no Estado há má gestão e desperdício, e que há muito que os sindicatos deixaram de ser úteis e passaram a coutadas de chulos como o Nogueira.
A solução? Melhorar o Estado. Correr com os pulhíticos, os Nogueiras e os pseudo-gestores, limpar os esgotos a que chamamos partidos, reestruturar a FP. Colocar o Estado ao serviço das pessoas, como pode e deve ser.
A solução jamais pode ser vender a educação a mamões, como se fosse um negócio. Não é um negócio. O fim desse caminho é os seus EUA: uma educação para ricos e para pobres, perpetuação e agravamento da desigualdade, estudantes com dívidas toda a vida.
Comida? Quanta gente morre de fome pelo mundo graças ao seu querido mercado?
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Atento, isto é uma coisa que verdadeiramente me incomoda nas pessoas de esquerda.
Entre um sistema que está provado que funciona, como as escolas com contrato de associação, que custa menos ao Estado, e que dá melhores resultados, a solução das pessoas de esquerda não é ampliar o sistema que funciona, é fazer um sem número de reformas no sistema que não funciona, apenas porque o sistema que não funciona é do Estado, e o sagrado Estado tem que continuar a controlar o sector de actividade.
Não se trata de uma educação para ricos, e para pobres. Várias das escolas com contrato de associação estavam em zonas rurais, e serviam familias que não são ricas.
Este sistema, se aplicado a nivel nacional, obriga as escolas a melhorar. Se uma escola estiver a perder alunos porque os pais preferem meter os filhos na escola da vila ao lado, por motivos de indisciplina, qualidade de ensino, ou o que for, a escola que perde alunos tem que fazer alguma coisa.
Se as escolas forem todas do Estado, nada melhora, porque os pais não podem meter os filhos outra escola sem fazer o esquema de dar a morada de um tio, ou avó.
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“Quanta gente morre de fome pelo mundo graças ao seu querido mercado?”
Graças ao mercado? Países com economia de mercado tem comida nas prateleiras dos supermercados. Em paises com economias socialistas as prateleiras estão vazias. Não culpe o mercado pelas falhas das ideologias da esquerda.
O socialismo de Mugabe transformou o celeiro de Africa num país em que há fome.
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Entre um sistema que está provado que funciona…
Funciona para alguns, Zé. Para quem paga. Se v. não pagar ou o Estado não pagar por si, v. fica analfabeto e sem saúde. E é um sistema venal: quanto mais paga melhores notas tem.
Sai mais barato? Além de martelada, a conta não leva em conta o que lhe disse: os privados ficam com o trigo e deixam ao Estado o joio. Se assim não fosse a conta seria outra.
A questão, porém, não é só dinheiro: a direita sabe o preço de tudo e o valor de nada.
A educação é uma função essencial do Estado e da civilização. Tal como a saúde, não deve dar lucro. Claro que v. não entende isto.
Digo-lhe mais: até pode haver gestão privada, tudo bem. Desde que sob controlo público e democrático; e remunerada de forma razoável; e sem lucros. A educação não é um negócio.
Comida: além dos milhões que passam fome nos países ricos, a começar pelos EUA, quanta comida desperdiçada, medicamentos, roupas, livros, etc., por não ser rentável ao mercado?
Quantos matou e mata o capitalismo todos os dias? Quando faremos essa conta?
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“Funciona para alguns, Zé. Para quem paga. Se v. não pagar ou o Estado não pagar por si”
E o Atento a dar-lhe.
Nas escolas com contrato de associação o Estado pagava. E pagava menos que o que paga nas escolas de que o Estado é proprietário. E os resultados dos exames eram melhores.
“A educação é uma função essencial do Estado e da civilização. Tal como a saúde, não deve dar lucro.”
Não deve dar lucro porque? Para que o unico prestador seja o Estado, porque sem lucro nenhum privado investe?
Se ha quem queira vender, e quem queira comprar, porque não podem fazer a transacção?
Quando o que o Estado fornece é de má qualidade, quem pode foge.
Toda a gente pode meter os filhos numa escola pública, se há quem queira pagar mais para fugir do público, o que é que isso diz sobre o Estado?
Quando eu tiver filhos, e pudendo, nunca vão entrar numa escola do Estado, onde lhes ensinam que um homem pode ser mulher, e vice versa, que o homem branco tem culpa de todo o mal do mundo, e que a União Soviética teve aspectos positivos.
Vinha um artigo interessante sobre seguros de saúde no Expresso deste fim de semana.
Parece que o seguro de saúde médio anda pelos 330€ por ano.
Parece também que o estado gasta em saúde 75% da receita de IRS.
Quer com isto dizer que quem paga 440€ de IRS por ano estava melhor servido se pagasse um seguro de saúde, se o Estado lhe cobrasse só 110€.
“Quantos matou e mata o capitalismo todos os dias?”
Deixe-se disso.
Não há país onde o socialismo tenha sido tentado que não tenha acabado em fome e miséria.
Porque culpa o capitalismo pela fome no mundo se quase toda a fome do mundo é em sitios onde o Estado é dono e senhor de tudo?
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“Não deve dar lucro porque?”
E o Zé a dar-lhe. Outra vez: porque a educação não é um negócio. Nem a saúde.
A justiça também funciona mal; está cheia de juízes chulos e mandriões; é bem possível que fosse mais célere no privado. Mas ninguém argumenta que a justiça seja privatizada.
Há coisas que têm de ser públicas. Sim, o Estado gere mal. Por isso precisamos de melhor Estado; não de pô-lo no bolso de privados.
“Se ha quem queira vender, e quem queira comprar, porque não podem?”
Há quem queira vender e quem queira comprar armas, drogas, orgãos, escravos, crianças…
Só uma mente muito tapada pode achar que o mercado é sagrado; que o capitalismo é a vida; que o lucro é a medida final de todas as coisas. Tudo isso são escolhas ideológicas.
Seguros de saúde: tente viver nos EUA e ficar doente. Tente comprar um medicamento que aqui lhe custa 10 ou 20 euros / libras, veja quanto lhe custa lá. Tente precisar de insulina.
Melhor ainda: tente subscrever cá um seguro de saúde tendo algum histórico de doenças. Ou tendo mais de 50 anos, ou 60 anos. Logo vê o que lhe cobrem por 330€ /ano.
“Não há país onde o socialismo tenha sido tentado…”
Podia ter terminado aí a frase. Fome e miséria? Sim, em ditaduras que se diziam socialistas. O capitalismo também diz que ‘podemos todos ser ricos’. Há otários para tudo.
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Haverá coisa mais estúpida do que crer que os interesses dos privados não possam ser defendidos por eles próprios?
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Sim, o “Atento” é intrinsecamente estúpido, é um facto.
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Blá blá blá mamões, blá blá blá mamões…
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F@sga-se! O Vítor está cada vez mais corrosivo!
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De facto antigamente a vida era triste e monótona… Pelos menos hoje em dia há mais concorrência às poucas mortes causadas por heroína!
Pelo menos conseguimos desenvolver a sociedade neste campo.
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Esta contemplação do Vitor advém de uma particular experiência recente pessoal, ou é antes aquela amarga e penosa constatação a confirmar Eça, e de que nada de verdadeiramente essencial mudou no espirito da sociedade portuguesa e as suas elites ?
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Acho que devemos privatizar a Serra da Estrela e quanto antes.
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